Nascido no dia primeiro de dezembro de 1977 em Brasília, Pedro Amorim é o irmão mais novo dos cineastas Vicente Amorim (Corações Sujos, 2011) e João Amorim (2012: Tempo de Mudança, 2010) e filho do diplomata Celso Amorim. Como não poderia ser diferente, Pedro acabou seguindo a carreira familiar – o pai, que atualmente é Ministro da Defesa, foi continuísta e montador de Os Cafajestes (1962), clássico de Ruy Guerra. Agora, o mais jovem talento da família estreia também como realizador com a comédia romântica Mato Sem Cachorro, que chegou recentemente às telas como forte candidato à campeão de bilheteria nacional. E as apostas podem estar certas: em menos de duas semanas em cartaz o filme já levou mais de 500 mil espectadores aos cinemas, e a aposta é que termine sua carreira nas telas com um público superior à um milhão de pessoas. E foi sobre esse projeto que o diretor conversou com exclusividade com o Papo de Cinema, revelando curiosidades sobre cachorros narcolépticos, como foi ter a Sandy e a Gabriela Duarte bêbadas em cena e a dificuldade de lidar com Danilo Gentili no set! E teve ainda mais! Confere só!
Como surgiu o projeto Mato Sem Cachorro?
Eu, a produtora e minha esposa Malu Miranda e o roteirista/produtor André Pereira somos fãs de comédia de todos os gêneros, seja ela romântica, slapstick, de humor negro, “bro”mance (comédia sobre amigos) e por aí vai. Escolhemos fazer uma comédia romântica porque é um gênero curiosamente pouco explorado no Brasil. Queríamos fazer uma homenagem aos filmes do Billy Wilder, como Se Meu Apartamento Falasse (1960), ou os do Howard Hawks, como Levada da Breca (1938). Esses longas, apesar de terem sido filmados décadas atrás, são extremamente atuais e falam sobre relacionamentos modernos e o amadurecimento dessas relações. Tentamos aliar elementos de humor físico dos filmes do Jacques Tati, Buster Keaton e Charles Chaplin. Tudo isso com uma roupagem mais contemporânea, de tramas que falam sobre o comportamento, sempre com humor, como os casais do Woody Allen e, mais recentemente, os do Judd Apatow. Enfim, a gente pegou emprestado muita coisa de muita gente. Se você analisar de perto, Mato Sem Cachorro tem claras homenagens ao humor meio bizarro de O Grande Lebowski (1998), dos irmãos Cohen, ou uma preocupação com a estética narrativa que lembra Embriagado de Amor (2002), do Paul Thomas Anderson. E até um apreço aos detalhes dos filmes do Wes Anderson, que sempre soube utilizar a direção de arte em prol da história. Copacabana também está muito presente, e tentamos exacerbar esse lado do bairro para dar personalidade à história, bebendo em fontes como a Mônt-Martre de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), e a própria Manhattan (1979), de Woody Allen. No nosso foi a mesma coisa. Eu e a Malu moramos em Copacabana. A maioria daquelas pessoas e seus cães realmente existem. E essa foi outra razão para fazer o filme, homenagear o nosso querido bairro. Uma outra coisa que nos fez tornar Mato Sem Cachorro realidade foi a música e a mistura de gêneros musicais. Eu tive uma criação bastante eclética, tocava violino, mas também tocava bateria numa banda de death metal (risos). Ao escrever o roteiro, a gente precisava dar alguma habilidade pro personagem principal pra que as pessoas se importassem com ele. Como eu e a Malu temos uma banda de mashups (que mistura Portishead com Chico Buarque e por aí vai), achamos que seria interessante dar essa habilidade para o personagem principal, pois poderíamos falar dela com conhecimento de causa. E, por fim, no processo de criação, percebemos que outro gênero pouco explorado no Brasil era o de filmes de cachorro. O mercado pet no nosso país é enorme, e vimos que o tema poderia gerar interesse. Como todo mundo que trabalha no filme adora cachorro, achamos uma ótima ideia incluir o cão como o “cupido” do casal. Mas sabíamos que teríamos que ter algo novo e diferente. O roteirista André Pereira juntou dois roteiros de curtas que ele tinha, um sobre um homem narcoléptico e o outro sobre um cara que sequestra o cachorro da ex-mulher. Daí surgiu a semente para que a gente fosse em frente com o roteiro.
Esse filme marca a estreia de Bruno Gagliasso no cinema. Como surgiu a ideia de convidá-lo para ser o protagonista?
Nós escrevemos o roteiro pensando na Leandra Leal. Ela é uma das melhoras atrizes de sua geração e sabíamos que tê-la no projeto seria um atestado de qualidade para o filme. No momento em que ela aceitou a gente conseguiu fechar com quase todo o restante do elenco, pois todo mundo falava: “Se a Leandra está nesse projeto é porque deve ser bom“. E, por incrível que pareça, ainda não tínhamos fechado com ninguém para fazer o papel do Deco. Foi a própria Leandra que sugeriu o Bruno. E realmente os dois tem uma química inquestionável, que já tinha sido vista em outros trabalhos, como na novela Passione (2010). O Bruno tem um talento único. Ele é um ator que une o melhor dos dois mundos. Tem um lado técnico assombroso (que só alguém que está há anos fazendo TV tem) aliado a um instinto e timming impressionantes, o que sempre trazia um frescor para as suas cenas. Todos nós nos surpreendemos com a capacidade dele para criar. Ele mergulhou de cabeça, sem medo de sair da zona de conforto, e fez o papel dele com maestria.
Mato Sem Cachorro apresenta comediantes como Danilo Gentilli e Rafael Bastos em papéis cômicos, porém não exagerados, sem escracho. Como foi trabalhar com os dois no set?
Foi mais fácil trabalhar com o cachorro (risos)! Brincadeira, mas toda vez que me perguntam isso eu preciso fazer essa piada (que já está ficando velha por sinal). Agora sério: foi sensacional. Ao meu ver, cinema é um trabalho coletivo e o processo criativo de roteiro e ensaios também. E ter dois comediantes com uma velocidade de raciocínio tão rápida para fazer piadas não poderia ser jogado fora. Com o Danilo eu ensaiei durante mais de um mês e simplesmente deixava ele criar, acrescentar o que achasse necessário no roteiro, principalmente nos diálogos. Nas filmagens eu ficava botando pilha, sempre o estimulava a fazer um take diferente do outro, pois sabia que isso o deixaria motivado a criar e não baixar a bola. Com o Rafinha foi a mesma coisa, só que numa escala menor, pois ele faz só uma participação especial.
Como foi o trabalho com os cães e como se deu o auxílio de treinadores de Hollywood?
Como filmar um longa-metragem com cachorro é um feito inédito no Brasil, precisávamos de um treinador que conhecesse e entendesse bem o que é fazer um longa-metragem. Eu já havia filmado comerciais com cães, gatos etc. Mas um comercial é equivalente a uma corrida de 100 metros rasos. Um longa é uma maratona, e a gente precisava de um treinador para essa maratona de mais de dois meses. Principalmente porque estávamos em pleno verão carioca, nas ruas de Copacabana, com mais de cinquenta cachorros. A gente precisava de alguém que pudesse nos orientar a fazer a cenas que necessitávamos sem por em risco a saúde dessas cães. A outra razão, e talvez a mais óbvia, é que a gente precisava de alguém que soubesse treinar cães para cenas aonde os atores estivessem falando, atuando. Treinadores que soubessem se posicionar no set da forma mais discreta possível, para “atrapalhar” o mínimo possível a interpretação dos atores. Imagina o ator tentando atuar com um treinador fazendo gestos na sua frente? É muito difícil! E os treinadores americanos tinham muitos truques para minimizar essas interferências. O mais legal dos treinadores gringos é que eles pensam na cena dramaturgicamente. Eles não querem só saber o que o cachorro tem que fazer em uma determinada cena, mas também como o animal estaria se sentindo naquele momento, se ele está feliz, assustado, triste. É por isso que os caras são bons! Eles pensam na história antes de qualquer coisa. E pra achar esses caras fomos até Los Angeles e entrevistamos os maiores treinadores de animais do mundo. E um deles foi o Boone Nar, responsável por adestrar todos os animais do Piratas do Caribe, treinador do cão Akita do Sempre ao Seu Lado (2009). Surpreendentemente, ele leu o roteiro e adorou. Apesar dos Estados Unidos terem um longo histórico de filmes com cães, essa era a primeira vez que um cachorro tinha que desmaiar a todo momento. O Boone aceitou o desafio. Tive que fazer storyboards para todas as cenas em que os cães apareciam e mandava pra os treinadores em LA. Durante seis meses eles ficaram treinando os cães nos EUA de acordo com o que eu tinha desenhado. Quando chegaram ao Brasil estavam praticamente prontos pra filmar. Os filhotes foram treinados por um treinador brasileiro chamado Vladimir Maciel, com a supervisão dos americanos. Ele também mandou muito bem. Você pode imaginar que treinar filhotes de apenas 30 dias de idade para desmaiar não é uma tarefa fácil. Os americanos, inclusive, falaram que levariam o treinador brasileiro pros EUA sem pestanejar. E isso é bacana, porque realmente acho que foi uma transferência de tecnologia. No próximo filme com cachorro acho que já podemos contratar esse profissionais brasileiros que aprenderam tanto fazendo o nosso filme com os americanos.
O que foi mais difícil durante as filmagens, lidar com os cães ou com os atores?
O animal mais difícil de lidar foi o Danilo Gentili (risos). Brincadeira. Como a gente se preparou tanto para filmar com os cães, a hora que chegavam no set geralmente acertavam tudo rapidamente. Acho que o mais difícil para mim, e principalmente para os atores, eram as cenas aonde o cachorro tinha que desmaiar no meio de falas. Era um grande desafio de concentração para todos. Os atores não podiam desmontar (mesmo com um treinador na frente deles fazendo gestos) e eu tinha que criar soluções de decupagem que facilitasse a interpretação do elenco.
Como você convenceu a Sandy e a Gabriela Duarte a participarem do filme interpretando personagens tão diferentes da imagem pública que ambas construíram em suas carreiras?
Acho que essa é uma das grandes características desse filme. Praticamente todo mundo está fora de sua zona de conforto. O Bruno Gagliasso não está pagando uma de moço bonito, é a primeira comédia romântica da Leandra Leal (que só tinha feito filmes mais densos até então), é o primeiro longa do Danilo Gentili, a Elke Maravilha está no filme totalmente desmontada… e por aí vai. E o que eu acho que convenceu tanto a Sandy quanto a Gabriela Duarte a fazerem papéis tão ousados foi justamente elas poderem sair dessa zona de conforto. Acho que a brincadeira de poder rir de si mesmo foi um fator determinante. Além do fato das duas terem adorado o roteiro e gostarem muito de comédias românticas e cachorros.
Cachorros são elementos recorrentes no cinema americano, mas pouco aproveitados na cinematografia nacional. Por que esta vontade agora de utilizar este tipo de personagem?
Bom, em primeiro lugar, sempre adorei cachorros. Tive cães até os 14 anos de idade. Mas toda vez que eles morriam, eu sofria muito. Acho que fazer o filme foi uma forma de exorcizar esse trauma, ter um cachorro sem ter um cachorro. E o outro fator é que no auge da minha infância havia um filme que passava seguido na sessão da tarde, que se chamava Benji (1974). Era a história de um cachorro vira lata que estava sempre à procura de seu dono, e algumas sequências eram extremamente tristes. Eu me lembro que foi a primeira vez que chorei vendo um filme. Chorei mais do que vendo Sociedade dos Poetas Mortos (1989), que passou na mesma época. Quando surgiu a oportunidade de fazer um filme tendo um cachorro como um dos protagonistas, abocanhei a ideia e dei a patinha! Mas, agora, pra fazer uma comédia não dava mais pra ficar chorando pelos cantos feito uma menininha, né? Agora sou um diretor sério (risos)!
Mato Sem Cachorro é uma comédia inteligente, que evita o besteirol. O roteiro discute também temas importantes, como indecisão profissional, confiança entre casais e comprometimento nos relacionamentos. O que vocês esperam que os espectadores mais aproveitem dessa história?
Se os espectadores entenderem metade dos itens que você citou acima já vai ser um golaço! E fico muito feliz de ver que você entendeu o filme tão bem. Acho que Mato Sem Cachorro tem diversas camadas, e elas podem ser apreciadas de formas diferentes. Pra acrescentar alguma coisa a sua análise, acho que falaria que esse é um filme sobre o amor, seja pela música, por um primo sacana, pela pessoa amada ou por um cachorro narcoléptico, e o que você faria pra lutar por esse amor. Principalmente em uma sociedade em que as relações estão tão frias, em que as pessoas se interessam mais pelo Candy Crush do que olhar para a outra pessoa a sua frente!
(Entrevista feita por email com o diretor em 12 de outubro de 2013)
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