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Um dos selecionados à segunda edição do Festival de Cinema Russo no Brasil foi a comédia dramática Parentes (2020). Nela, um pai de família informa subitamente que foi diagnosticado com um câncer terminal. Sem perder tempo, ele exige que todos façam as malas e caiam com ele na estrada numa jornada repleta de episódios estranhos em que a estrutura familiar vai sendo posta à prova. O grande destaque do elenco é Sergey Burunov, ator muito famoso na Rússia. Além de atuar diante das câmeras, ele é um dublador bastante conhecido por lá, sendo a voz local de diversos astros hollywoodianos. Conversamos via e-mail com Sergey para saber como foi esse processo de construir um personagem tão cativante que é capaz de cometer atrocidades, falar barbaridades e, ainda assim, ser lido pelo espectador como alguém tentando manter a família unida. Confira nossa entrevista exclusiva com o astro Sergey Burunoy, cujo trabalho é um dos destaques da segunda edição do Festival de Cinema Russo no Brasil.

 

Quando você leu o roteiro pela primeira vez, o que mais lhe chamou a atenção no papel desse patriarca excêntrico?
Eu não o chamaria de excêntrico, prefiro colocar desta forma: ele é um cara emotivo e imaturo. Li muito quando estava me preparando para o papel. Muitas coisas me soavam familiares, pois também houve algo parecido na minha família. E não importa se isso acaba acontecendo do lado do pai ou da mãe. Falta de entendimento e imaturidade são situações nas quais se cede às emoções… e elas existem em todas as famílias. Os traumas que os nossos pais nos causaram não surgem de nada – eles os “herdaram” dos seus próprios pais. E assim eles não têm uma cultura de criação de filhos, eles próprios não tiveram nenhuma experiência de paternidade/maternidade adequada.

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Como foi o seu trabalho com o diretor Ilya Aksyonov? Ele permitia improvisos ou era muito rigoroso quanto a seguir o que estava previsto no roteiro?
Entrei neste projeto principalmente por conta do seu diretor artístico, ou como é agora chamado, o produtor criativo, Andrei Pershin, também conhecido na Rússia como Zhora Kryzhovnikov. E, com certeza, foi uma obra conjunta – minha, da Ilya e do Andrei. A improvisação é sempre boa para o filme.

 

O que você diria que a família do filme tem de profundamente russo e o que ela tem de universal?
Acho que esses problemas de pais e filhos são absolutamente universais. Eles não têm fronteiras territoriais ou temporais. Nossos pais e mães encararam esses mesmos problemas há 30 anos, mas naquela época eles não eram discutidos em absoluto. Hoje essas questões simplesmente se tornaram mais visíveis porque os psicólogos apareceram, porque há um maior acesso à informação e em virtude de as pessoas se tornarem mais livres. E todos vieram a compreender que não há apenas “preto e branco”.

 

E como foi sua relação com os demais membros do elenco, levando em consideração que vocês tinham de expressar intimidade e proximidade? Houve algum tempo de convivência antes das filmagens?
Já conhecia a Irina Pegova, intérprete da minha esposa. E também já conhecia o Sergei Shakurov. A minha favorita de todos foi a Lisa Monetochka, atriz que interpreta a minha filha. Foi a estreia dela no cinema. Claro que precisávamos ajudar Lisa a integrar-se à equipe criativa e se aclimatar na locação. Por isso tentei apoiá-la bastante.

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E como foi a experiência de fazer um filme de estrada, com essa dinâmica de deslocamento sendo tão importante aos personagens e às situações do enredo?
É claro que a viagem dos protagonistas pela Rússia é muito importante. Acho que o road movie é exatamente o que ressalta os problemas que o filme levanta. E, certamente, os deslocamentos refletem o caminho do meu protagonista em direção ao seu sonho, além de estarmos passando por alguns lugares significativos para ele – fundamentais seu desenvolvimento.

 

Você tem feito muitos filmes ultimamente. Como definiria a indústria do cinema da Rússia nesse momento, especialmente com a mudança de mercado global pela entrada forte dos serviços de streaming como produtores?
Sem dúvida, as plataformas de streaming estão atualmente produzindo tanto material que deve atender aos gostos de qualquer plateia. Mas, o desafio que a indústria enfrenta, certamente também no Ocidente, é o seguinte: “De que partimos? Dos pilares”. E os pilares são, neste caso, o texto. O texto é o “grão” do filme, o “coração” do filme, é onde tudo começa. Agora são inventados muitos conceitos, como a profissão de showrunner, de alguém que tem que gerar uma ideia. Porém, a ideia não deve ser um ápice de produção/criação de um produto cinematográfico. Ainda precisamos de trabalho de alta qualidade dos roteiristas para escrever textos humanos, não de ‘papelão’. A indústria audiovisual russa está dando grandes passos.

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Você é um dublador muito requisitado, inclusive sendo a voz oficial na Rússia de astros como Leonardo DiCaprio, Adam Sandler e Johnny Depp. Quais são os maiores ensinamentos da dublagem que você carrega para a construção de um personagem?
A dublagem é uma profissão separada, com suas particularidades. Viver com seu personagem, inventar a sua imagem é todo um processo criativo realizado não apenas por si próprio, mas por toda a equipe. Mas, devo dizer, é um grande prazer interpretar as estrelas do mundo e tentar lhes dar um sabor russo.

 

O seu filme está chegando ao Brasil por meio da segunda edição do Festival Russo por aqui. Qual é a importância que você dá para esse tipo de evento que populariza o cinema de vocês em outros territórios?
Hoje, na Netflix, a série sul-coreana Round 6 (2021-) está à frente de todas as demais. Antes, era difícil imaginar que um produto regional fosse procurado em todo o mundo e, assim, superasse todas as classificações, especialmente numa plataforma norte-americana. Obviamente, é importante apresentar aos espectadores produtos de talentos produzidos em outro países. A globalização está acontecendo em todo lugar, e as pessoas estão interessadas nos mesmos problemas – quer no Brasil, na Rússia ou mesmo nos Estados Unidos. E o nosso cinema é um bom exemplo disso. É imprescindível promovê-lo, inclusive com a ajuda de eventos como o Festival de Cinema Russo.

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Você tem alguma relação com o cinema brasileiro? Conhece e/ou gosta de alguns de nossos filmes?
Conheço o cinema brasileiro, embora não muito bem, tenho de confessar. Mas posso destacar alguns filmes – Cidade de Deus, A Vida Invisível, 180 Graus, por exemplo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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