Marcos Bernstein nasceu no dia 17 de fevereiro de 1970 no Rio de Janeiro, mas foi conquistar a atenção de cinéfilos e admiradores de todo o mundo quase trinta anos depois, quando assinou o roteiro, ao lado de João Emanuel Carneiro, de Central do Brasil (1998), de Walter Salles. Este sucesso conquistou o Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim, o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro nos Estados Unidos e ainda foi indicado ao Oscar como uma das cinco melhores produções em língua não-inglesa daquele ano. E olha que esse era recém o seu segundo trabalho como roteirista, após o igualmente bem-sucedido Terra Estrangeira (1995), também dirigido por Salles, dessa vez em parceria com Daniela Thomas.
Esse início com o pé direito se seguiu com outros longas que alternaram elogios da crítica com o aplauso público. Sucessos de bilheteria como Zuzu Angel (2006) e Chico Xavier (2010) podem não ter sido unanimidade, mas foram ótimos exercícios, assim como sua primeira experiência como realizador, no drama O Outro Lado da Rua (2004), estrelado por ninguém menos do que Fernanda Montenegro. Por esse filme, aliás, Bernstein ganhou a mostra Panorama, no Festival de Berlim, o prêmio de Melhor Filme Íbero-Americano do Festival de Mar del Plata, e o Troféu Passista no Cine PE – Festival do Audiovisual, em Pernambuco. E agora o cineasta está de volta, no texto e na direção, com a adaptação do clássico Meu Pé de Laranja Lima (2013), que chegou há pouco aos cinemas. E foi sobre este trabalho que o realizador conversou com exclusividade com o Papo de Cinema, por telefone, de dentro de um avião, enquanto esperava sair o voo para mais uma maratona de entrevistas. Confira!
Por que refazer Meu Pé de Laranja Lima, que já havia sido adaptado em 1970 para o cinema e diversas vezes depois para a televisão?
Esta era uma vontade, na verdade, de Katia Machado, a produtora. Ela se aproximou de mim com a ideia quando trabalhávamos juntos em O Outro Lado da Rua, também produzido por ela. O convite inicial era para fazer o roteiro, apenas. Mas algo mágico aconteceu quando li o livro pela primeira vez, pois ainda não o conhecia, apesar de ter ouvido falar dele inúmeras vezes. A sintonia que senti foi imediata, me identifiquei com vários elementos da história. Achei a narrativa muito bonita, sobre amizade, em acreditar que tudo pode melhorar. Algo bateu forte dentro de mim.
E como você passou de roteirista também a diretor do filme?
Pois então, essa foi a parte mais difícil (risos). Na verdade a Katia tinha outros nomes em mente, claro. E isso tudo acontecendo simultaneamente ao desenvolvimento do O Outro Lado da Rua, que estava em plena filmagem. Fui fazendo um e me encantando por outro. Mas seguia fazendo a minha parte, torcendo secretamente para que ela não se definisse por ninguém enquanto eu ainda não tivesse condições de assumir mais um compromisso. Parece que estava escrito, pois chegamos ao fim do projeto que estávamos trabalhando, e a parceria foi tão boa que era quase natural querermos continuar esse relacionamento num novo trabalho. Foi quando me ofereci para dirigir também o Meu Pé de Laranja Lima. Ela ficou um pouco reflexiva, mas acabou topando. Era a melhor opção, a paixão que criei pela história mostrou para ela que daria tudo de mim pelo novo filme.
Em filmes como Central do Brasil e Meu Pé de Laranja Lima as crianças são peças importantes das tramas. Tens uma afinidade especial em trabalhar com esse público?
Na verdade não é algo intencional, são todas coincidências. Mas tanto nestes filmes citados, como também no Chico Xavier, que tinha toda a infância do personagem, ou nos meus próximos filmes, que também são voltados para um público infantil, de uma certa forma falam comigo. O que me atrai primeiro são as histórias, e por acaso todas essas se passavam com crianças. Mas não é algo pensado, calculado.
Fale um pouco sobre estes próximos filmes…
Bom, os primeiros a estrearem, ainda neste ano, são os dois longas que envolvem o nome do Renato Russo. Primeiro tem o Somos Tão Jovens, cinebiografia do Renato e do surgimento do Legião Urbana, e também a versão cinematográfica da canção Faroeste Caboclo, que estreia no final de maio. Ainda neste ano deve ficar pronto Pequeno Segredo, do David Schurmann – que antes fez aquele documentário, O Mundo em Duas Voltas (2007), com a família dele dando uma volta ao mundo. Este novo filme é sobre o relacionamento de três irmãs, uma delas ainda criança. E, por fim, tem o Minhocas, que na verdade é o único infantil de fato, pois é uma animação. Em todos o meu trabalho é como roteirista.
O que lhe atrai mais em um projeto?
É difícil saber, não é algo como “se tem criança eu faço” (risos). Mas talvez eu mesmo tenha um olhar mais objetivo, direto, simples das coisas, assim como as crianças. E por isso o que elas fazem me atraia tanto. Não vejo dificuldade, procuro não me focar nas complicações, pelo contrário, vejo todo o fazer cinematográfico como algo gostoso, divertido. Não diria que sou naturalmente ligado à enredos memorialistas, sobre a infância, mas é um tema que flui bem comigo, que me atrai. Vejo uma certa singularidade nesta fase da vida. Talvez daqui a 20 anos a gente olhe para trás e se dê conta de que só fiz isso (risos), mas até agora este é um processo em desenvolvimento.
O que esta versão de Meu Pé de Laranja Lima tem de diferente das anteriores?
Nossa ideia desde o princípio era partir direto da fonte. Não ficamos nos comparando com as versões anteriores, não foram referências para nós. O que queríamos era respeitar o original oferecendo, ao mesmo tempo, um olhar do século XXI, mais contemporâneo, sobre essa obra que está ficando perene, intocável. Queria descobrir na tela o que essa história tem de tão especial para ser sucesso não só no Brasil, e por tanto tempo, mas também no Uruguai, na Coréia, na Itália, na Turquia… Qual é essa essência que o torna tão especial? E tínhamos também uma boa distância, mais de quarenta anos após o outro filme, isso possibilitava uma maior liberdade de olhar, nos favoreceu para acharmos nosso próprio ponto de vista.
Como foi a seleção do elenco?
O primeiro nome a ser escolhido foi o José de Abreu, que já conhecia, havíamos trabalhado juntos, é um grande parceiro. A gente estava buscando alguém com o perfil dele para o filme, pois o Zezé, nosso protagonista, vem de um lar desgastado, complicado, e o Portuga – personagem do Zé – é essa rocha, um porto seguro e sólido onde o menino pode se segurar. É a pessoa do encantamento, da compreensão. O Zé tem uma presença cênica muito forte, acho-o incrível. E ele tem esse outro lado que é menos explorado, algo mais sutil, menos explosivo, e pensei que valia a pena investir nisso. Tinha também a intenção de surpreender o público, e de modo positivo, pois o espectador irá se deparar com um novo Zé, que é bem o que queríamos.
E como foi a escolha do Zezé, papel que ficou com o novato João Guilherme Ávila?
Com o Zezé o processo foi diferente. Começamos a filmar em 2010, mas dois anos antes disso já estávamos fazendo testes para a escolha do elenco. Nessa época testamos mais de 300 crianças, e nenhuma parecia ser a certa. Não houve aquele encantamento imediato que estávamos procurando. Era preciso entender quem era o Zezé, discutir que tipo de olhar ele deveria ter, qual seria sua postura, qual a atitude desse menino. Um dos preparadores do elenco é que acabou me indicando o João Guilherme, pois havia trabalhado com ele em um comercial. O chamamos para um teste, e o colocamos com a árvore, conversando, para ver como se saía. Bom, não preciso dizer que ficamos literalmente encantados. Foi, nesta segunda etapa de testes, era recém o sexto garoto que entrevistamos, e resolvemos parar por aí. Havia ainda uma dúvida se deveríamos ver mais meninos, mas resolvemos apostar e o resultado é esse que está na tela, que deixou a todos muito felizes.
Como foi o processo das filmagens de Meu Pé de Laranja Lima?
Foi realmente muito bom, pois estávamos entre amigos. Com o Caco Ciocler, que é grande parceiro, também já havíamos trabalhado juntos, foi algo quase instintivo, muito contido. Ele adorou esse desafio de tentar passar tanto sem dizer uma única palavra. O Emiliano Queiroz, por outro lado, era um sonho que se realizou, pois foi uma única cena, estava até sem jeito de convidá-lo, mas assim que conversamos ele se demonstrou muito solícito e disponível. Foi uma participação muito generosa, super bacana e extremamente profissional da parte dele, ficamos muito emocionados. Com a Fernanda Vianna foi outra parceria que deu certo, pois a maior parte do elenco veio de Belo Horizonte, uma vez que o filme foi todo filmado em Minas Gerais. Buscamos propositalmente atores mineiros, e no elenco há três que fazem parte do Grupo Galpão, entre eles a Fernanda. E ela foi perfeita em compor essa mãe sem vida, vazia, com uma sutileza enorme, perfeita para o cinema.
O que Meu Pé de Laranja Lima tem a dizer ao público de hoje?
Além de tudo o que já foi dito, a história tá aí, ela permanece viva, pulsante, e se comunica com a mesma eficiência de quarenta anos atrás. Tem essa coisa que permanece, que a gente leva junto. É a fantasia, o universo próprio que toda criança tem em maior ou menor grau dentro de si. O Zezé tem isso exacerbado, que extrapola os limites, mas que também conquista. O filme tem esse olhar de esperança, que vem também do livro original, mas penso que fomos além ao trazer essa figura no personagem já adulto, que transformou todas essas vivências em algo maior, duradouro. É a nossa homenagem aos contadores de histórias. E no final das contas o filme é sobre superações, não importando as condições adversas. É importante acreditar que sempre há um caminho para vivermos em plenitude nossas vidas.
(Entrevista feita por telefone desde São Paulo no dia 18 de abril de 2013)
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