Nascido no final dos anos 1950 em Palermo, Roberto Andò é um dos mais destacados cineastas italianos atualmente na ativa. Também, basta uma olhada mais atenta no seu currículo para perceber que aprendeu com os melhores – antes de estrear como realizador com Diario Senza Date (1995), ainda inédito no Brasil, chegou a trabalhar como assistente de grandes nomes como Francis Ford Coppola, Federico Fellini e Michael Cimino, entre outros. Premiado no David di Donatello (o Oscar da Itália) e nas premiações do Sindicato Italiano de Jornalistas de Cinema e no Golden Ciak, três dos mais importantes reconhecimentos do seu país, ele agora está de volta às telas brasileiras com o suspense O Caravaggio Roubado, que teve sua primeira exibição durante o Festival de Veneza do ano passado, e depois passou por eventos nos Estados Unidos e no Japão, entre outros. E para saber um pouco mais sobre o seu mais recente projeto, o Papo de Cinema conversou com exclusividade com o diretor e roteirista. Confira!
Olá, Roberto. Para começarmos, queria saber o que você achou do título no Brasil, O Caravaggio Roubado, ao invés do original Uma História Sem Nome?
Esta foi uma escolha da distribuidora internacional. Acho que o título original é mais próximo à minha ideia, à complexidade da história. Não é um filme sobre Caravaggio, mas sobre cinema. O roubo não é o centro da história. Era uma criança em Palermo quando isso tudo aconteceu, e foi um episódio muito impressionante. Foi um dos primeiros eventos que me levou a tentar entender como uma cidade inteira poderia estar nas mãos da Máfia. Era muito fácil roubar uma Igreja, numa situação como aquela. O interessante nessa história, no entanto, é que, por 30 anos, e ainda hoje, a Máfia, os arrependidos, confessavam a quem lhes perguntasse diferentes histórias a respeito desse roubo. Não existia uma verdade, e, sim, várias – cada um tinha a sua versão. Foi a mesma atitude da roteirista no meu filme, pois faziam como se fosse tudo ficção, manipulando um fato com fantasia. O ano em que esse Caravaggio foi destruído, supostamente comido por porcos, naquele momento deu-se início a uma investigação a respeito de onde ele estava e quem foi que o teria roubado. Muitas pessoas foram presas, cada uma com a sua própria história.
O filme tem como protagonista uma ghost writer. Você, além de diretor, é também autor do roteiro. Mas em outras ocasiões, já chegou a trabalhar com esse tipo de profissional? É uma figura que lhe atrai?
Acho que me atrai, sim. Como estamos falando de um filme, e sobre o processo de escrita de um filme, era muito importante termos essa ghost writer, pois é a figura que sabe de tudo, mas ao mesmo tempo, permanece nas sombras, ninguém toma conhecimento dela. Ninguém sabe, ao certo, quem está escrevendo aquele filme. Era interessante, para mim, que a identidade dessa roteirista não viesse à tona. O filme era apenas um instrumento de investigação. Para o investigador, era um meio de encontrar o Caravaggio, e também a própria filha. Mas eu, particularmente, nunca trabalhei com um ghost writer. Costumo me envolver com os meus próprios argumentos, acho que nem teria tempo para isso. Ou seja, acho curiosa a existência de tal figura, mas apenas no campo da ficção. No entanto, essa é uma história interessante também no aspecto histórico italiano, pois, em certo momento, logo após a grande guerra, durante o neorrealismo, era normal que os principais roteiristas não assinassem seus argumentos. Isso por uma questão de identidade, para não serem reconhecidos e caçados, até mesmo presos e mortos. Então, há uma geração de ghost writers no cinema italiano. É, portanto, também uma homenagem a eles.
Como surgiu a história desse Caravaggio roubado? Tem algum fundamento histórico, ou é tudo ficção?
Sim, absolutamente. A história do filme é ficcional, mas ela parte de um episódio real, ocorrido em 1969. E é importante que se diga: esse Caravaggio continua desaparecido. Ninguém sabe onde está. E acho que nunca encontrarão. Segue na lista dos maiores roubos da pintura aqui na Itália e, muito provavelmente, no mundo todo. Acho que nunca ocorreu algo igual. Parece que desapareceu no ar.
O Caravaggio Roubado se passa nos bastidores de uma grande produção cinematográfica, uma realidade que você conhece bem. Há quem diga que a ficção nunca é tão exagerada quanto a realidade. Você concorda?
Em certo modo, sim. Hoje em dia, há tanto ocorrendo, e a todo instante, que a realidade pode mesmo ser muito mais complexa do que aquilo que é simplesmente imaginado. Às vezes, o que vemos nos jornais ou mesmo no nosso dia a dia, é mais impressionante do que a ficção. Por isso o esforço dobrado ao contar uma história: é preciso que ela siga sendo interessante, mesmo competindo com tantos absurdos que nos cercam.
Fiquei impressionado em ver Laura Morante e Micaela Ramazzotti juntas, como mãe e filha, quando parecem irmãs. Como foi essa seleção do elenco?
Vou falar para elas isso que você está dizendo! Tenho certeza que ficarão felizes em saber. Aliás, foi um prazer enorme tê-las no meu filme. Laura Morante é uma grande amiga, com quem já trabalhei no teatro, e somos bastante próximos. Micaela, no entanto, é a primeira vez. Ela me foi recomendada, e se trata de uma grande estrela aqui na Itália. Então, obviamente, já a conhecia de nome, mas nunca de um modo tão próximo. Foi uma bela surpresa. Ainda mais porque ela, normalmente, não faz comédia. Por isso mesmo, queria vê-la em algo mais leve, que fizesse o público se divertir e pensar ao mesmo tempo. E há outros nomes de destaque no elenco, como o de Alessandro Gassman, que está se tornando cada vez mais parecido com o pai. Ele tem uma presença cênica muito forte, além de um bom humor contagiante.
E trazer o grande Jerzy Skolimowski foi muito difícil? Acho que o último filme dele como ator havia sido Os Vingadores (2012), da Marvel!
(Risos) É sério isso? Dos super-heróis de Hollywood direto para o meu filme? Não sabia disso, mas é engraçado. Até porque, vou ser sincero, foi fácil convencê-lo. Estava no júri do Festival de Veneza, há alguns anos, quando o conheci. Depois disso, nos vimos várias vezes, nas mais diversas ocasiões. Ficamos próximos, por assim dizer, e durante a escrita do roteiro, quando esse personagem surgiu, pensei direto nele. Era importante para mim que fosse um diretor de verdade. Afinal, o filme fala da dificuldade, hoje em dia, de reconhecer o que é falso ou verdadeiro. Era importante, numa ficção, ter alguém real.
Seus dois trabalhos anteriores haviam sido estrelados por um ator que é bem popular no Brasil, o Toni Servillo – Viva a Liberdade (2013) e As Confissões (2016). Não havia espaço para ele em O Caravaggio Roubado?
Não exatamente, o que é uma lástima. Talvez no próximo, quem sabe (risos). Somos muito próximos, eu e o Toni. É um grande amigo, e adoro trabalhar com ele. Temos as mesmas origens, nós dois viemos do teatro. Isso é importante, pois há uma sintonia muito forte entre nós, tudo fica entendido com bastante facilidade. O trabalho se torna mais leve, por assim dizer. Mas o que determina quem vai ou não estar no filme é a história. São os personagens que escolhem os atores, e não o contrário. E nesse filme simplesmente não o conseguia ver como nenhuma dessas figuras. Simples assim.
Ao olhar na sua filmografia, descobri que um dos seus primeiros trabalhos foi em O Poderoso Chefão 3 (1990). Podemos dizer que começou com o pé direito?
Sim, exato. Ah, bom, essa é uma gentileza sua. Eu era um assistente, estava recém começando, então só de estar ali, cercado por toda aquela gente, já era mais do que qualquer coisa que havia sonhado. Foi uma experiência muito boa, isso posso afirmar. Passamos dias incríveis juntos, e tanto Coppola quanto Pacino foram simplesmente fantásticos, algumas das melhores pessoas com quem já tive o prazer de trabalhar. Aprendi muito com os dois. Nesse filme, em particular, minha função era descobrir os lugares, as locações onde iriam filmar durante a parte italiana da trama. Só de ter feito parte de algo tão grandioso, mesmo que tenha sido tão pequeno, já me enche de orgulho.
O Caravaggio Roubado termina com várias brincadeiras, do Festival de Veneza ao Oscar, passando até pela televisão brasileira. Como você acha que o público brasileiro vai receber essa piada?
Não sei. Olha, talvez você possa me dizer (risos). Enfim, espero que entendam que é só uma brincadeira, afinal. É uma fantasia. Temos essa tradição de criminosos na Itália que são impossíveis de serem encontrados. Foi divertido pensar que um dos bandidos poderia se transformar numa mulher, e acabar indo parar no Brasil. Afinal, quem não gostaria de passar seus últimos dias num paraíso como o país de vocês? Quer dizer, ao menos essa é a ideia que muitos de nós temos a respeito do Brasil. Nunca estive aí, o que é uma grande falha que espero corrigir em breve. No entanto, conheço um pouco dos clássicos do cinema brasileiro, mesmo que não muito dos atuais. Lembro do Glauber Rocha, que foi um mestre. Ele é, até hoje, para mim, uma grande referência.
(Entrevista feita por telefone na conexão Porto Alegre / Roma em maio de 2019)
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