Realizadora carioca apaixonada pelo que faz, Julia Rezende está estreando como diretora cinematográfica de longas-metragens com a comédia romântica Meu Passado Me Condena, estrelada por Fábio Porchat e Miá Mello. O longa é baseado na série homônima exibida pelo canal à cabo Multishow desde 2012. Com produção de Mariza Leão – atual midas das comédias nacionais campeãs de bilheteria, como De Pernas Pro Ar (2010) e Até Que a Sorte nos Separe (2012) – o filme teve a maioria das suas cenas registradas a bordo do transatlântico italiano Costa Favolosa, com passagens também pelas cidades de Salvador, Casablanca (Marrocos) e Savona (Itália).
Julia Rezende começou como assistente de direção de documentários e seriados para televisão. Trabalhou também em projetos como Zuzu Angel (2006) e Salve Geral (2009), além de ter atuado ao lado de cineastas como Rosane Svartman, Roberto Santucci e Cao Hamburger. Sua primeira obra autoral foi o curta Elke (2007), documentário sobre Elke Maravilha. Depois veio o curta de ficção Nesta Data Querida (2009), premiado no Festival de Paulínia, e agora Meu Passado Me Condena. E ela não está parada: seu segundo longa, que tem o título provisório Ponte Aérea, já está em produção. No meio de todos estes compromissos, a diretora arrumou tempo para conversar com o Papo de Cinema, neste bate papo inédito e exclusivo. Confira!
Como surgiu o projeto Meu Passado Me Condena?
Eu já vinha fazendo algumas séries para o Multishow. Estava envolvida em outras duas series, mas tinha muita vontade de voltar a trabalhar com a Tati Bernardi, que viria a ser a roteirista. Quando conseguimos nos encontrar, propus essa ideia de um projeto novo, e juntas, no meio de muita discussão, chegamos a essa história de um casal que se casa após um mês juntos. A diferença é que será na lua de mel que os dois irão se conhecer de verdade. A série, no entanto, se passa numa pousada – era até na casa da minha família em Itaipava, montamos um verdadeiro acampamento, acabamos ficando lá uns dois meses, filmando tudo que era possível. No meio disso tudo surgiu a ideia de fazer o filme. Mas o que poderíamos oferecer de diferente, que interessasse tanto quem já via o programa como os novos espectadores? Foi quando veio a sugestão de mudarmos a trama para uma viagem marítima, com novos personagens, um ar mais internacional. Começamos a pensar, vimos que dava pra transpor – afinal, lua de mel pode ser em qualquer lugar, né? Daí em diante foi o processo de criação, analisando o que poderia ser acrescentado, o que seria de novo. Este é o primeiro filme brasileiro feito num navio, então as possibilidades eram muitas.
Você já estava envolvida com o programa de televisão. Como foi adaptá-lo para o cinema?
Sempre tive a certeza de que adaptar um projeto de tevê para o cinema exigiria um cuidado muito grande. Não bastava apenas transpor a história, é preciso estar atento de que se trata de uma outra linguagem. Isso tem que aparecer desde o início, nas filmagens, na decupagem, no tipo de equipamento utilizado, como também nos cuidados com figurino, cenário, luz… A série é quase que algo independente, de um episodio para o outro é preciso respeitar uma unidade, mas cada programa se encerra em si mesmo. Mas agora estamos contando uma história de uma hora e meia, foi tudo muito pensado. Mas a base foi bem cuidada, tinha que estar no roteiro antes de qualquer coisa. Foram quatro meses para escrever. Neste processo, participaram a Tati, o Leonardo Muniz e com colaboração da Patricia Korgut. E eu, é claro, que volta e meia dava os meus pitacos (risos). Tivemos muita troca, cada um contribuindo da melhor maneira. Inclusive com os atores, lemos juntos, abraçamos as sugestões. Tudo em conjunto, de forma coletiva.
Por que manter os nomes dos atores nos personagens? Não há uma confusão para o público entre real e ficção?
Há uma certa tradição do Multishow essa questão, que vem de outros projetos. No Cilada, por exemplo, com o Bruno Mazzeo, o nome do personagem principal é Bruno. Talvez se tivesse surgido primeiro como longa, isso certamente não teria acontecido, teríamos pensado em outros nomes. Mas era algo do canal, eles propuseram e embarcamos. Não vemos como problema, os personagens são bem diferentes. A Miá Mello não tem nada a ver com a Miá do filme, assim como o Fábio Porchat, que é outra pessoa, não aquele Fábio que vemos no filme – ou na televisão. São totalmente diferentes. Se os atores ficassem incomodados, até poderíamos ter revisto essa situação, mas isso nunca aconteceu. Em nenhum momento chegou a ser um problema, um elemento de confusão. Ao menos não da nossa parte. Cabe ao público, agora, decidir essa percepção ou não.
Como foi fazer um filme que se passa quase que inteiramente em alto mar?
Esse é um filme de estreias. É o meu primeiro longa, e o primeiro trabalho no cinema de muita gente da equipe e do elenco. Do fotógrafo, do figurinista, do técnico de som. É também o primeiro filme de verdade da Miá, do Alejandro Claveaux, que faz o ex-namorado da protagonista. Era um clima de todo mundo estar fazendo essa coisa pela primeira vez. E o local foi mais um grande desafio, estávamos num navio com 5 mil pessoas, passageiros que estavam pagando pelo passeio. Sabe, a gente não podia parar tudo, isolar uma área, pois aquelas pessoas pagaram para estar ali, era preciso respeitar isso. Tínhamos que ser muito cuidadosos, contamos sempre com o apoio da tripulação para fazer esse meio de campo. E tinha também a questão dos figurantes, de todos os outros personagens, não tínhamos condições de lotar o navio só com quem iria aparecer no filme. Tivemos que contar com o interesse e com a participação de quem já estava por ali, fomos conquistá-los. Nos primeiros dias contamos com a tripulação, mas logo os passageiros embarcaram na brincadeira. Quando percebemos, estávamos às 6h da manhã e já tinham várias senhoras vestidas e maquiadas. O filme virou uma atração do navio! Foram vinte dias dentro de um navio, chega uma hora que quem esta ali a passeio já fez de tudo! Então vinham atrás de nós. Viramos parte da brincadeira.
Além disso, Meu Passado Me Condena apresenta bonitas passagens pela Bahia e por Marrocos e Itália. Foi necessário uma pesquisa antes por estes lugares? Como foi a produção para combinar todos estes elementos num mesmo filme?
Na verdade, a partir do momento que definimos qual viagem faríamos, pegamos o percurso do navio e encaixamos no roteiro do filme. Estudamos onde seriam as paradas, qual seria o tempo em cada lugar, para que fossem possíveis essas filmagens extras. Salvador era uma cidade onde teríamos 8 horas parados, e por isso a escolhemos. Toda a parte na casa da madrinha foi filmada no Rio de Janeiro, por exemplo, fizemos ali apenas as externas pela cidade. Em Casablanca e na Itália, no entanto, foi diferente. Na Itália desembarcamos, ficamos mais três dias filmando, com mais tempo, aproveitando bem o lugar. Nestas três cidades tínhamos equipes separadas, com tudo pronto. O único susto aconteceu em Casablanca. Lá eu tinha escolhido as locações por fotos e vídeos, e no meio da viagem as locações foram canceladas. Havia sido feito um filme anterior nos mesmos lugares, porém de conteúdo erótico, com cenas dentro de uma mesquita, e por causa disso os responsáveis proibiram novos acessos. Chegamos às 8h da manhã, ficaríamos somente até às 17h e na hora que pisamos em terra firme tivemos que sair desesperados procurando onde filmar. Demos uma volta, achamos o mercado e decidimos na hora. Tínhamos 20 pessoas, no entanto, e isso nos deu muito suporte. Mas na Itália foi maravilhoso, nossa produção cuidou de tudo. Bem mais tranquilo. Os equipamentos foram alugados, pudemos usar até uma grua na cena da igreja! Contamos bastante com o suporte de produção.
Gosto muito dos personagens da Inez Viana e do Marcelo Valle, são coadjuvantes que quase roubam a cena. Como foi dosar a participação deles?
Acho que estes personagens são coadjuvantes por excelência. A história não é deles, mas por outro lado queria muito explorá-los melhor, com mais destaque, pois ambos são ótimos. Em nenhum momento tive a intenção de fazer um filme só com comediantes. Dirigir atores é a parte mais gostosa do meu trabalho, é o que me dá mais prazer, é uma troca muito enriquecedora. Tanto a Inez quanto o Marcelo já estavam na série, só que no programa eles faziam os donos da pousada. Meu primeiro curta de ficção era com a Inez, e ela topou o convite na hora. O Marcelo eu o admirava há tempo, então foi ótimo contar com ele. Ambos trabalharam com muita generosidade.
Então o filme não é uma continuação do seriado da televisão? É uma história diferente, com personagens distintos?
Mais ou menos. O filme não é uma continuidade da série, mas é um espelhado. É quase que a mesma história, mas transposta para um outro universo. Uma realidade alternativa, digamos. São as mesmas personalidades, mas não os mesmos personagens. Por exemplo, o humor que usamos desde o início era super politicamente incorreto, e levamos isso também para o filme. O tom é o mesmo, mas numa concepção mais ambiciosa, apropriada para a tela grande.
Meu Passado Me Condena apresenta ainda, em sua versão cinematográfica, algumas importantes participações especiais. Como foi atrair nomes como o de Elke Maravilha para o projeto?
A Elke, assim como a Inez, esteve em um trabalho anterior meu. O primeiro curta que fiz era um documentário sobre ela, chamado justamente Elke. Eu tinha 19 anos, e nossa relação vem desde lá, é de muitos anos. A admiro muito, brinco que é a minha musa. É uma pessoa fantástica, muito inteligente, sempre muito bem informada, com senso crítico sobre as coisas. Tê-la no filme foi um luxo, o personagem não estava à altura dela, mas ela super topou, embarcou conosco desde o princípio. Para o elenco todo foi muito bacana, e no navio, então, era uma atração à parte – as pessoas só queriam saber dela, pedir autógrafos, tirar fotos. Ela tá tendo um resgate nesse sentido, depois do filme do Jabor o A Suprema Felicidade (2010), teve também uma série no Multishow com ela, agora está também em cartaz no Mato sem Cachorro (2013)… isso tudo é muito bom! Fiz esse curta muito por causa disso, mas já a conhecia desde quando fiz assistência de direção do Zuzu Angel (2006). Naquela ocasião, teve um momento em que tive que ir na casa dela para fazer um teste, e quando nos recebeu estava desmontada, sem cabelo, sem maquiagem. Foi um susto, só conseguia me perguntar: quem é essa mulher que ninguém conhece, que está por trás de tudo aquilo? Ninguém imagina quem ela é de verdade! E é uma mulher que viajou o mundo, que tem opinião sobre tudo. Amo ela de verdade!
Como foi transformar o humor do Fabio Porchat e da Miá Mello do frenesi televisivo para uma trama cinematográfica?
Tanto o Fabio quanto a Miá os conheci para o seriado, e desde então estabelecemos uma relação de muita cumplicidade e de parceria. Às vezes até esqueço que não são um casal de verdade (brincadeira). A questão do improviso é um elemento importante, atores como eles possuem essa característica e cabe ao diretor saber explorar isso da melhor forma possível, contribuindo para o produto final. O Fabio, além de ser um ator que gosto muito, é também um ótimo roteirista. Fomos muito fiéis ao roteiro, mas sempre abrindo espaço para o improviso – claro, com limites, podendo avaliar o que era demais ou não. A contribuição deles foi muito importante. Miá é muito dedicada, disposta em dar o melhor, sempre. O desafio para o Fábio era criar um personagem que tinha uma narrativa dramática. Era a primeira vez que teve que chorar em cena, tinha que ter verdade nisso, acreditar no amor desse casal. É isso que buscamos com Meu Passado Me Condena no cinema, criar uma verdade que as pessoas acreditassem, se envolvessem e torcessem juntas pelos personagens.
(Entrevista feita pelo telefone desde o Rio de Janeiro no dia 21 de outubro de 2013)
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