Meu Mundial: Para Vencer Não Basta Jogar (2018) chegou nesta quinta-feira, 19, aos cinemas brasileiros depois de fazer bonito em festivais, como o de Gramado em 2018. Do evento sediado na serra gaúcha, o longa-metragem do cineasta Carlos Andrés Morelli saiu com o kikito de Melhor Ator para Néstor Guzzini, intérprete do pai do menino que começa a ascender na carreira de jogador de futebol com apenas 12 anos de idade. Figurinha carimbada do novo cinema uruguaio, Néstor conversou conosco em Gramado, logo após a projeção do filme que o mostra novamente interpretando um pai de família com dificuldades sensíveis para conectar-se com o filho jovem. Esse personagem diligente, uma espécie de voz da consciência que frequentemente alerta o garoto a respeito das inúmeras armadilhas do sucesso meteórico, presentes num mundo traiçoeiro como o do futebol, é um dos pilares do filme baseado num prévio sucesso literário. Confira, então, o nosso Papo de Cinema inédito com o ator uruguaio Néstor Guzzini.
Você é uma espécie de novo César Troncoso (risos). Está em praticamente todos os recentes filmes uruguaios…
Primeiro, é um orgulho ser comparado com o César. Além de ser um grande ator, é um amigo. A verdade é que essa constância não é fruto de planejamento. Comecei num grupo de teatro pequeno, musical, que participava bastante do carnaval uruguaio. Por isso tive muita exposição. Várias pessoas me viram lá, fui criando vínculos de amizade e em 2004 fiz o meu primeiro curta-metragem. Uma coisa foi levando à outra. É curioso que as limitações da produção uruguaia têm uma vantagem, pois as pessoas acabam se conhecendo nesse meio mais facilmente. Não há necessidade de intermediários ou representantes. Os diretores acabam te conhecendo. Também há as novas gerações fazendo curtas egressos da universidade. Ao trabalhar com eles, invariavelmente, acabamos nos deparando com novos diretores. Sempre recebo com gratidão os convites, pois se trata de um pedaço da história dessas pessoas.
No filme Tanta Água (2013) você também interpreta um personagem que tenta se conectar com o filho, ou seja, algo parecido com o que acontece no Meu Mundial. Esse tipo de figura te encanta?
Experimentar esse papel da paternidade sempre é interessante. Encarei os dois de formas bem diferentes. Quando filmei o Tanta Água, se tratava do meu primeiro protagonista. Eu não era pai, me tornei no meio das filmagens. No entanto, para construir aquele personagem, tive como referência a relação com meus sobrinhos. Já o pai do Meu Mundial me encontrou noutro momento. Há semelhanças entre os dois, tais como a dificuldade de conexão com os filhos, mas enormes diferenças. As esferas econômicas são distintas. Mas, guardadas as particularidades, a questão do poder nessa relação me parece a mesma. Existe uma disputa de poder com filho. Há também aquilo que você perde. Esse pai que se vira uma situação econômica precária tem a ganhar com o talento do filho, mas também tem a perder. Dentro desse mundo precário ele sabia como se organizar e se movimentar. Seu espaço de poder estava claro. Quando o filho assume financeiramente o encargo da família, ele se incomoda porque não sabe o que fazer.
Como foi esse processo de não eclipsar o menino como protagonista e ainda assim apresentar com tamanha densidade a história do seu personagem no filme?
Aprendemos fazendo. Quando você participa de muitos filmes, vai entendendo a importância de cada papel dentro da história, independentemente do protagonismo. A figura desse pai é importante como secundária. Para contar a história principal, é vital entender como isso se reflete nele. Conversávamos com o Carlos, o diretor, sobre não ser condescendentes com os personagens. Havia um cenário claro com o pai que protegia um pouco mais o filho e a mãe propensa a agarrar as oportunidades. Todavia, era importante descobrir um pouco mais desses personagens, não ficar apenas na superfície, mostrar suas misérias. E o meu personagem acaba aceitando as novas condições.
É muito difícil para o seu personagem essa perda de poder…
Claro. Inclusive é difícil para o personagem do Facundo. Ele é quase um adolescente, não deveria estar nesse lugar, pois é uma criança ainda Ele também tem atitudes que, do ponto de vista ético, são questionáveis. Como lidar com esse poder aos 12 anos? Muito difícil. Conversamos sobre isso dos personagens não perderem a humanidade, independentemente de qualquer coisa. Era preciso conferir a eles matizes para que a história fosse mais rica.
O filme estreou bem antes no Uruguai. Como foi a recepção por lá?
Como acontece muitas vezes, as estreias nacionais competem com os “tanques” estrangeiros. Neste caso houve uma bem-vinda exceção. Tivemos mais de 50 mil espectadores. Foi um dos maiores êxitos dos últimos 10 anos do cinema uruguaio. Meu Mundial estreou na semana de férias de julho, competindo com as produções estadunidenses. É claro que ajuda bastante o fato do livro no qual o filme se baseia também ter sido um sucesso. Foi um risco calculado da produção isso de estrear com as demais produções estrangeiras nas férias de julho, mas acabou se tratando de algo muito positivo. Chegamos inclusive a cativar um público infantojuvenil, o que para a gente geralmente é mais difícil.
Não apenas o futebol, mas principalmente essa questão do mundo que se abre, pela via do dinheiro, a pessoas tão jovens gera um debate que encontra ressonância na sociedade uruguaia?
Até pouco tempo atrás ninguém questionava nossas equipes de futebol quanto ao cuidado com a escolaridade dos jogadores. Há uma mudança desse paradigma. Agora é prioridade que as crianças sigam estudando. Falta muito para o ideal, mas já é um tema constantemente em pauta. Podemos questionar a ética de um pai que decide a mudança do filho para a Europa, algo que transforma completamente sua vida. Com que autoridade alguém pode dizer que isso é bom ou ruim? É difícil. Às vezes essas decisões são contraproducentes, pois os meninos são jovens, imaturos e isso tem efeito negativo. Recorrentemente penso que refletimos sobre as coisas tão e somente a partir do nosso lugar, não temos a empatia devida para entender o lado dos outros, algo que me parece absolutamente necessário.
(Entrevista concedida no Festival de Gramado de 2018)
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