Diane Maia é uma das produtoras mais ativas do cinema brasileiro contemporâneo. Sócia da cineasta Joana Mariani, juntas comandam a Mar Filmes, responsável por filmes como Aeroporto Central: THF (2019), exibido no Festival de Berlim, e Vou Nadar Até Você (2019), selecionado para a mostra competitiva do Festival de Gramado do ano passado. Antes disso, esteve envolvido na produção de sucessos como Carrossel: O Filme (2015) e Mais Forte que o Mundo (2016), que levaram milhões de espectadores aos cinemas. As duas, agora, estão por trás do documentário Me Chama Que Eu Vou (2020), que conta a vida e a obra do cantor e ídolo popular Sidney Magal! O longa, exibido nessa semana no Festival de Gramado 2020, foi um dos mais aplaudidos pelo público. Para saber mais um pouco sobre esse projeto, fomos bater um papo com a realizadora, que contou como nasceu toda essa história. Confira!
Diane, como você se envolveu com o filme Me Chama Que Eu Vou?
Na verdade, meu envolvimento começou, com a Mar Filmes, pelo longa de ficção Meu Sangue Ferve Por Você, que contará a história do Sidney Magal. Estávamos em plena pré-produção quando tivemos que parar tudo por causa da quarentena provocada pela pandemia do covid-19, infelizmente. Eu e a Joana Mariani, a diretora, havíamos recém terminado o documentário o A Imagem da Tolerância (2017), e percebemos que havia sido uma parceria muito boa. Queríamos continuar, e esse pareceu um projeto interessante para nós duas. Já tínhamos, inclusive, contratado pesquisadores para o longa de ficção. Foi quando nos demos conta de que era muita coisa, e vimos que daria também um documentário.
Como começou esse mergulho na vida do Sidney Magal?
O Paulo Machline, que vai ser o diretor do Meu Sangue Ferve Por Você, estava junto, no primeiro desenho do roteiro. Ele fez antes o Trinta (2014), sobre o Joãosinho Trinta, então entende bem de cinebiografia. Fomos descobrindo juntos essa figura maravilhosa que é o Magal, e como existe isso dele, enquanto indivíduo, versus o personagem dele com o público. Graças a uma parceria de sucesso que temos com a Globonews, e também pelo fato da ficção sobre o mesmo artista estar também dentro da casa, tudo facilitou. Estamos nesse “momento Magal” há quatro anos. Íamos filmar a ficção no ano passado, mas não deu por causa da confusão da Ancine. A previsão agora é filmar em 2021, mas ainda oscilante. Talvez a gente comece ainda em 2020, em novembro, se os protocolos permitirem. Vai ser um filme muito animado, um romance com muita música, muita dança, e partindo de um personagem que é público.
Quais as principais diferenças entre os dois filmes, além do fato de um ser ficção e o outro um documentário?
O Meu Sangue Ferve Por Você é um recorte de apenas três meses da vida do Sidney Magal. É quando ele conhece a Magali, que é esposa dele até hoje, estão juntos há mais de quarenta anos. É uma história de amor musical que se estende por quatro décadas. Embalado pela trilha magalesca, uma fábula de amor. E o doc é sobre a carreira dele, tem de um tudo. Do começo até os dias de hoje. Acho que, pelas restrições orçamentárias que tínhamos, por ser um projeto pequeno, decidimos fazer entrevistas apenas com o Magal e família dele. A partir disso, teve muito trabalho de montagem, pesquisa, até encontrarmos a história. É um filme que revelou uma narrativa que tendia a nos colocar trabalhando muito juntos, em busca de saídas positivas que transformaram o resultado final.
Você tem uma relação antiga com a diretora Joana Mariani, certo? Como é trabalhar com ela?
Esse é o terceiro projeto juntos que vamos lançar, e de produção temos mais um, o Vou Nadar Até Você (2019). Temos mais um, ainda, além do Meu Sangue Ferve Por Você. Em quatro anos, fizemos quase 10 projetos juntas. É o ritmo que duas mulheres, amigas, encontraram. Fui atrás da Joana, alguns anos atrás, e ela não queria naquele momento. Depois de um tempo, ela que veio me procurar, mas daí fui eu que não podia. Afina, começamos a trabalhar em projetos, que também ocuparam meu tempo. Aos poucos fui percebendo que o que ela tinha feito, durante esse tempo todo, e o que eu também estava envolvida, todos eram do interesse uma da outra. Nos unimos pelas histórias. Independente das funções, são tramas que nos interessam contar. Seja como produtora, ou como diretora. Tem se mostrado potente, uma união de características que tem dado certo.
E com o Sidney Magal? Qual foi a maior surpresa nesse contato com ele?
Sim, posso dizer que houve muita coisa que a gente nem imaginava sobre ele que acabamos descobrindo. Colocamos duas pessoas dentro da casa dele. Ele tem dez vezes mais coisas guardadas, de recortes, recordações, lembranças e arquivos, do que mostra no filme. Digitalizamos mais de dez mil documentos, e demos todo esse trabalho de presente para ele, deixamos tudo organizado. Isso meio que virou a direção de arte do filme. A equipe foi bem misturada, gente que a Joana trouxe, outros da minha confiança. O Magal, no dia a dia, já tinha uma intimidade com a Joana, por causa do clipe da música Tenho, que ela produziu. Eu ganhei essa amizade por osmose, digamos (risos). Ele foi sempre muito receptivo com todos nós.
Como surgiu o envolvimento do Rodrigo West, filho do Sidney Magal, que também assina como produtor do filme?
Quando começamos, de fato, o Rodrigo se tornou muito próximo e uma fonte incrível, essencial para todo o resultado. Tanto que acabamos convidando ele a assinar como produtor executivo. Todos os contatos, as músicas, essa parte pessoal, com a família, foi ele que trouxe. É personagem, pois afinal, é o pai dele, e se coloca em cena, mas também foi produtor. Ele foi o primeiro da família a assistir ao filme pronto, e no final estava chorando de emoção. Bom, com o Magal nem se fala, esse chorou durante toda a projeção (risos). Mas o Rodrigo, no final, só disse “obrigado”, de tão emocionado que estava. Que bom que tivemos isso! Foi um prazer estar perto do Magal, só conhecia a figura! Mas agora é um amigo. A melhor característica dele é o humor, é um homem muito divertido.
Como foi o processo de pesquisa do filme?
Fomos muito além de onde imaginamos que iríamos num primeiro instante. A própria Globo, por serem nossos parceiros, abriram as portas do arquivo deles e deixaram a gente usar o que quisesse. A maioria das imagens são da Globo, afinal. Depois, contratamos também um pesquisador de imagens, que vasculhou os arquivos da Band, do SBT, da Record, até da Tupi. Um trabalho de formiguinha, mesmo. Fomos descobrindo coisas incríveis, como a passagem da Emanuelle Araújo, pelo Faustão. Ela própria que nos contou que pediu para ir fantasiada de Magal pois era um sonho de infância dela. Coisas que descobrimos no processo. Foi muito gostoso. E depois pelo acesso com os personagens das imagens. Muita coisa no youtube também foi aproveitada. Uma imagem, por exemplo, nos chegou um dia antes do corte final, e já incorporamos. Tivemos que ir atrás de muita liberação de imagens. Quatro pesquisadores fizeram parte do filme. Também teve muita captação de som, com entrevistas. Estivemos duas vezes em Salvador, na casa dele. Captamos o carnaval de 2018, e também o show de 2019, dos 50 anos da carreira dele. Muita coisa, mesmo.
Me Chama Que Eu Vou está na mostra competitiva do Festival de Gramado. Qual a importância de participar de um evento como esse, ainda mais num ano como 2020?
Vejo como a alegria maior. As pessoas me perguntam se estou triste em não ir até Gramado, já que o festival está acontecendo de forma online, e digo que não. É a resistência, e a existência, de acontecer de forma remota, que é muito incrível. Por essa parceria com o Canal Brasil, o filme ficou ainda mais acessível. Claro que faz falta a sala cheia, os aplausos no final, tudo. Mas veja só, há 6 anos não tinha um documentário na seleção de Gramado, e neste ano temos dois. Ou seja, foi uma alegria em dobro! Quando veio o convite, corremos muito pra finalizar a tempo. Foi muito especial, ainda mais nesse ano, que não foi fácil pra ninguém. Essa pressão em cima da cultura por parte do (des)governo, que tem desmontado várias politicas de estado, dificultando lançamentos, produções. Lançar, e num festival, potente como esse, é um prémio por si só. Ficamos muito contentes, e trabalhamos por isso.
Que tipo de retorno o filme tem gerado?
Foi uma adrenalina estar pronto no festival, mas merecia o esforço, até estar com o filme impecável. Espero que todos que assistiram tenham gostado, que tenha servido para alegrar os corações. Como as pessoas estão recebendo, os comentários que chegaram até nós, como produtora, nos deixou muito felizes. Nem sei quais os filmes que fiz que mais gosto, mas o Carrossel (2015) me trouxe uma satisfação pessoal por causa das reações do público. As salas estavam sempre cheias, e todo mundo rindo e aplaudindo. Fazer filmes alegres demonstra que você sai da sua realidade e se joga. Diz que, se temos tempo ruim, depois vai ficar bom. Calma, a vida é longeva, e chegar ao final celebrando uma vida de amor e de arte, como o Magal, é o mais importante. Me Chama Que Eu Vou é isso, uma celebração da vida.
(Entrevista feita por telefone em setembro de 2020)
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