Helio Goldsztejn vem se especializando em inventariar a vida e a obra de figuras brasileiras proeminentes. Antes de Inezita (2018), longa-metragem que passa a limpo a importância multifacetada de Inezita Barroso, ele dirigiu os documentários Tomie Ohtake (2015), sobre a artista plástica japonesa, durante muitos anos radicada no Brasil, uma das principais representantes do abstracionismo, e Lygia: Uma Escritora Brasileira (2017), acerca da literata Lygia Fagundes Telles. Helio é diretor do programa Metrópolis, da TV Cultura, o que inevitavelmente o colocou em vários momentos próximo à Inezita, artista que apresentou o programa Viola, Minha Viola por décadas na mesma emissora. Conversamos brevemente com o cineasta por telefone para entender um pouco melhor o processo que o levou a desvendar as várias Inezitas. Confira mais este Papo de Cinema exclusivo, agora com Helio Goldsztejn.
O quão árduo foi o processo de pesquisa do Inezita?
A TV Cultura é um manancial. O arquivo deles é de uma preciosidade impressionante. Fora isso, a Inezita era absolutamente rigorosa e sistemática. Ela registrava seu cotidiano, suas músicas, situações, gravações, etc. O arquivo pessoal dela é absurdo. Não usei tudo, boa parte ficou de fora. Quem cuidou desse material foi o Aloisio Milani que, inclusive, aparece no documentário. Por conta própria, Inezita resolveu manter esse arquivo que depois a família preservou. Essa junção de riquezas, a da TV Cultura e a pessoal, nos deu essa baita matéria-prima à disposição. Foi um trabalho bem legal. E a Eneida Barbosa, produtora executiva, teve um papel fundamental nesse processo.
Essa Inezita empoderada, que aparece no filme, você encontrou no contato com tal material?
Foi realmente o material que me deu isso. Em 2017 houve uma exposição no Itaú Cultural sobre a Inezita. Ali já ficava claro que ela não era apenas apresentadora, cantora e pesquisadora. Era bem mais. Antes de existir essa palavra “empoderamento”, ela era empoderada, tinha determinação desde criança. E isso continuou ao longo da vida. Inezita precisou se separar do marido para poder, de fato, exercer sua profissão. Brigou por espaço para tocar viola e cantar, começando nos anos 1950, algo então impensável para uma mulher. “A Marvada Pinga” foi gravada em 1953. E tem aquilo dela viajar sozinha com dois homens num jipe, mas dirigindo. Você pode ser determinado e não ter talento. Ela tinha as duas coisas.
Qual a importância da família dela para o resultado do filme?
Vital. Primeiro, ao fornecer a autorização para uso do material, mas, claro, tivemos de conquista-los. Conversamos com a Marta, a filha que aparece no filme, para teus seus apoio e incentivo. Ela foi fundamental, até porque praticamente alinhava uma parte do documentário. Marta conta coisas únicas, por exemplo, aquilo com o Juscelino Kubitschek, com a Inezita batendo o telefone na cara do presidente (risos). Em certos momentos há dramaturgia, como quando a neta a representa. O papel da família foi também de incentivo e, portanto, de participação efetiva.
E como foi esse resgate da faceta “atriz de cinema” da Inezita?
Desconhecia completamente essa faceta dela. Tive contato com a apresentadora, que, inclusive trabalhava próximo a mim. Descobri a Inezita pesquisadora, a professora e a atriz de cinema que chegou a ganhar o Prêmio Saci, naquela época extremamente importante. A ideia de mesclar a narração e a dramaturgia, em algumas partes, era para pode mostrar a força dessa mulher, especialmente dentro daquele contexto, permitindo vislumbres de até onde ela foi.
Há alguma controvérsia que você tenha suprimido intencionalmente?
O que consideramos relevante, inclusive quanto às controvérsias, com aquilo dela não aceitar determinados instrumentos por não considera-los de raiz, tudo entrou. Mesmo a história com a família, de toda a pressão que ela sofreu, foi aproveitada. Gostaria de ter mostrado um pouco mais sobre a famigerada pesquisa perdida. Mas, contam a lenda e a filha, que Inezita queimou tudo. Ela voltou da famosa viagem de jipe com um material vasto que ninguém quis. Inezita ficou tão furiosa, ressentida, que o destruiu. Essa era a Inezita, uma mulher forte. Como diz o Renato Teixeira, às vezes você precisa ter atitudes mais drásticas para chamar atenção ao seu trabalho.
(Entrevista concedida por telefone, em março de 2019)
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