Cassio Gabus Mendes nasceu em berço de ouro – ao menos no que diz respeito ao talento artístico, é claro. Neto do crítico, radialista, ator, roteirista e diretor de cinema Otávio Gabus Mendes, filho do escritor e novelista Cassiano Gabus Mendes, um dos pioneiros da televisão brasileira, e sobrinho de Luis Gustavo, um dos nossos grandes intérpretes, desde pequeno demonstrou interesse pela arte da atuação. Estreou em 1982, na telenovela Elas por Elas, da Rede Globo, e na telinha ficou por mais de uma década, até ser chamado por Ugo Giorgetti para participar do elenco de Boleiros: Era Uma Vez o Futebol… (1998). Ali, no entanto, nascia uma paixão, e de lá para cá já foram mais de uma dezena de longas, desde sucessos de bilheteria, como Chico Xavier (2010) e Assalto ao Banco Central (2011), até apostas mais ousadas, como Batismo de Sangue (2006) e Bruna Surfistinha (2011). Considerado um dos coadjuvantes mais confiáveis da dramaturgia nacional, ele agora enfrenta um novo desafio, e marca presença em um dos seus primeiros papéis como protagonista na comédia gastronômica Gosto se Discute, na qual faz par romântico com a youtuber Kefera Buchmann. E a gente conversou com o astro justamente sobre como foi essa parceria. Confira!
Cassio, você tem uma extensa carreira no cinema, mas Gosto se Discute é um dos seus primeiros trabalhos como protagonista, certo?
Pois é, como protagonista é, sim. Quer dizer, teve o do Torero, a comédia romântica Como Fazer um Filme de Amor (2004), em que fazia par romântico com a Denise Fraga. Mas faz tanto tempo, mais de dez anos. É muito bom estar de volta, assumindo mais responsabilidades, cuidando do que vai acontecer. O desafio, na verdade, me foi apresentado há uns quatro ou cinco anos. Por isso que dizemos que a dificuldade maior, ao menos no cinema, é conseguir juntar tudo para que as coisas aconteçam. Por isso esse tempo todo, entende? Mas fiquei muito interessado por esse personagem, que tinha esse perfil, era chef de cozinha, mas tinha essa questão pessoal que ele precisava lidar. A gente vinha conversando há um tempo, e agora, felizmente, está acontecendo.
Você sempre gostou de gastronomia? É uma atividade que te interessa?
Sempre fui fascinado pela gastronomia. É algo que gosto muito, procuro assistir a todos os programas de televisão a respeito. É um hobby pelo qual tenho fascinação. Então, quando veio a proposta, alguns anos atrás, eu meio que já estava preparado. Claro, naquela época era outra coisa. Mas o perfil do personagem já existia. Quanto à gastronomia, infelizmente, é apenas um passatempo, mesmo. Tenho consciência absoluta que não tenho talento algum para a cozinha. Essas experiências que vivi nesse filme só me reforçaram essa certeza. Não sei nem fritar um ovo direito. Mas adoro, procuro ver, é algo que me distrai. Sabe, gosto do cheiro, de brincar com os temperos, assisto a tudo que encontro na internet, na televisão… é algo que faz parte da minha vida. Já tentei enganar, com uma massa, por exemplo, mas me falta talento. Não adianta (risos).
O que te atrai quando te fazem um convite? É o personagem?
Dou uma avaliada na história, de forma geral. Esse é o primeiro passo. E não só no personagem. Quero saber com quem irei trabalhar, como o projeto está sendo conduzido. E gosto de me envolver. No Gosto se Discute, por exemplo, dei várias sugestões. E não só eu, muita gente participou desse processo, em busca do que era melhor para o filme. Porém, mesmo com as modificações, o perfil e os conflitos já estavam bem impostos. Isso me chamou a atenção. Independente de ser o protagonista ou não. Certamente, não foi em função disso que aceitei esse papel. Foi o perfil deste personagem que me atraiu, e a história na qual ele estava envolvido. Achei muito legal. Com conflito, o que é importante para a história se desenvolver. Com tudo isso junto, faria de qualquer jeito, sendo principal ou não. Essa nunca foi uma questão para mim.
Falando em personagens… o que foi aquilo de misturar gaúchos com baianos? Será que todo mundo vai entender a piada?
Mas aquilo foi sensacional. E não tem como não entender, né? O clima inteiro do filme é muito leve, é pra todo mundo, não tem como não gostar. Quando me contaram que existem mais terreiros em Porto Alegre do que em Salvador, na hora vimos que ali tinha algo que precisava ser explorado! É genial! Uma verdadeira delícia. Imagina, um Pai de Santo gaúcho? Eu adorei! E os meninos estão incríveis. Foi muito bacana brincar com esses estereótipos e desconstruí-los. É importante saber rir de nós mesmos, né?
Este é o segundo filme nacional neste ano a falar sobre gastronomia, após o Duas de Mim (2017). Como você explica esse interesse pelo assunto?
Veja bem, como te disse, a gente já vinha falando sobre fazer o Gosto se Discute há muito tempo. Então, deu a coincidência. De uns dois ou três anos pra cá, o assunto ficou, mesmo, mais popular. E é muito bacana perceber que o nosso filme se coloca dentro dessa corrente. Adoro, acho interessantíssimo. Mas não foi algo feito para seguir uma moda, pois o filme já estava nessa pegada. O interesse pelo tema até pode ajudar, é claro, mas não foi por causa da moda que fizemos. A proposta já existia. Ainda não vi o Duas de Mim, tenho muita curiosidade. É legal perceber que não estamos sozinhos na mesma ideia, que mais alguém também pensou que esse era um caminho que valia à pena ser percorrido.
O que mudou na tua vida após participar do Gosto se Discute? Você agora se sente mais seguro na cozinha?
Bom, como te disse, esse universo não era uma novidade pra mim. Sempre tive interesse, curiosidade pelo tema. O que o filme me proporcionou foi a chance desse mergulho. Um privilégio, por exemplo, foi estar no restaurante Mani, com a Helena Rizzo, onde fiz uma espécie de estágio. Passei um dia inteiro dentro da cozinha, com ela e com a equipe dela. Ainda mais pra mim, que gosto tanto desse ambiente, foi uma experiência incrível. Pude observar, descobrir como se comportam naquele ambiente, o que fazem, como pegam no alimento, trocam a textura, provam os sabores. Fazer parte desse balé, ainda mais dentro de uma cozinha de tão alto nível como a da Helena… nossa, foi fascinante.
No filme, o seu personagem, o Chef Augusto, passa por vários problemas. Se tivesse que lidar com essas situações na vida real, qual você considera a mais complicada?
A mais complicada é a crise pessoal, com certeza. Tem o lado profissional, claro, que é muito importante, também. Puxa, o cara perdeu a ferramenta de trabalho dele, o paladar. Então, essa experiência que ele tá passando, é muito transformadora. Veja bem, ele é um chef clássico, e quanto mais conhecimento e vivência se tem, mais resistente se fica às mudanças. É muito difícil, para ele. E aqui se tem um conflito muito interessante. Ele tem que mudar. Isso é muito forte. Até para se relacionar com os outros. O filme dedica muita atenção a esse dilema, pois o André, nosso diretor, colocou esse assunto com muito cuidado no filme. Então, digamos, os dois lados geram bastante reflexão, tanto o pessoal quanto o profissional.
Gosto se Discute é uma comédia, mas também combina drama e romance. O que você acha dessa mistura?
Nesse caso, acho que funcionou muito bem. Veja bem, o filme não é só comédia, nem um drama puro, muito menos um romance tradicional. É um pouco de cada. E é isso o barato dele. O meu personagem, por exemplo: o envolvimento dele com a Kéfera vem das realizações dela, do que ela acaba fazendo pelo restaurante e da relação que surge entre os dois. Ela o ajuda a se transformar, é quem estará ao lado dele dando o apoio para aceitar essa nova situação. A atração que um começa a sentir pelo outro vem dessas mudanças. E isso é muito bem colocado, nada é gratuito. Esse momento de crise, as pessoas se encontram na mudança.
Fale um pouco da Kéfera, tua parceira de elenco. Ela vem de uma escola bem diferente da sua. Como foi atuar com ela?
Olha, a Kéfera é, sem sombra de dúvida, uma atriz. Ela tem o que é preciso, sabe? Tudo bem, ela é jovem, uma iniciante. Este, se não me engano, é o segundo ou terceiro filme dela. Então, pra quem está vendo de fora, pode parecer uma coisa. Mas garanto: é uma realidade, e tenho certeza que ela vai ter uma carreira muito bacana e bonita, principalmente por causa da forma com a qual tem lidado com isso. Ela não caiu de paraquedas no filme, sabe? Fizemos muitas leituras, testamos muita gente até chegarmos no nome dela. Eu, honestamente, não conhecia esse mundo na internet, das youtubers. Quando surgiu o nome dela, fui estudar, saber quem era. E fiquei impressionado. Nem ela tem consciência do tamanho que possui. Ela tem uma base, um peso, que não pode ser desconsiderado. E tem outra: ela está habituada com essa atmosfera, das câmeras, da atuação. Ela contracena, mesmo sem ter consciência, e domina o ambiente. Então, trouxe isso também, pois é alguém que consegue contracenar. Ninguém faria um negócio desses, de convidá-la para o filme, se ela não estivesse preparada. Eu não faria isso, ainda mais em um filme com o qual estou tão ligado. Foi uma experiência incrível fazer esse filme, e ter a Kéfera ao meu lado durante todo o processo foi maravilhoso.
O diretor André Pellenz vem de dois grandes sucessos de bilheteria – Minha Mãe é uma Peça (2013) e Detetives do Prédio Azul (2017). Você acha que Gosto se Discute poderá ter o mesmo apelo junto ao público?
Olha, espero que sim. Temos sempre a melhor expectativa possível, por mais que a gente entenda as dificuldades pelas quais o cinema brasileiro passa. Temos um filme muito gostoso, bonito de se ver, que discute coisas bacanas e atuais, que foi muito bem fotografado. Ou seja, fizemos o melhor possível. Porém, tem uma coisa que ouvi anos atrás, foi a Denise Fraga que me falou, e é uma grande verdade, por isso não me canso de repetir: se você ficou curioso e tem a intenção de ver o filme, vá na primeira semana. Pois, se ficar esperando, talvez ele não sobreviva. É bom a gente marcar, pois essa é uma realidade. O nosso mercado está muito predatório, são muitos filmes entrando em cartaz ao mesmo tempo, e nem todos encontram o espaço que merecem. Por isso é tão importante ter isso em mente. Por mais que seja um sonho, esperamos muito, e com muito prazer, que dê tudo certo, e que o público encontre o nosso filme e se divirta com ele tanto quanto nós nos divertimos para fazê-lo.
(Entrevista feita por telefone direto de São Paulo em outubro de 2017)
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