Italiano residente em Portugal, entusiasta do intercâmbio possibilitado pela circulação dos filmes da vecchia bota em outros países, Stefano Savio tem na 8½ Festa do Cinema Italiano uma ferramenta cultural e de mercado. Como empresário ligado a outras esferas cinematográficas, o diretor artístico do evento que acontece no Brasil até o dia 06 de setembro sabe muito bem da importância do equilíbrio, seja ele financeiro ou de ordem curatorial, para continuar crescendo, especialmente em tempos de crise, como os que vivemos no nosso país. Stefano gentilmente nos recebeu para conceder esta entrevista exclusiva, na qual comenta as particularidades da mostra já tradicional, especialmente em países lusófonos, e as vicissitudes do mercado, que afetam, inclusive, os modos de produção. Confira!
Como é a relação da 8½ Festa do Cinema Italiano com o Brasil?
A ideia base, sabendo que há aqui outros festivais ligados à cultura italiana, é mostrar ao espectador brasileiro o cinema italiano contemporâneo. Nosso intuito é abrir espaço na programação local a esse tipo de cinema bastante transversal, claramente fora do circuito principal, mas não fechado e estritamente de autor. Queremos dar visibilidade a um cinema pensado para encontrar algum tipo de público. Quase todos os filmes serão distribuídos adiante nas salas do circuito comercial. Nossa função é praticamente introdutória. Queremos que as realizações tenham sobrevida fora do festival.
Quais são os critérios de seleção?
Filmes atuais, que possam se encaixar em vários tipos de público. Não estritamente autorais, tampouco totalmente comerciais. Para mim é muito interessante misturar os públicos. Nossa vantagem é que o cinema italiano fala diretamente com o espectador, é bastante emotivo, empático. Então, queremos trabalhar nesse meio termo entre os polos mais artísticos e comerciais, não sendo blockbuster ou hermético, assim como alguns festivais franceses já fazem com sucesso mundo afora.
Como você acha que os realizadores atuais lidam com o fantasma do cinema italiano do passado, que foi vanguardista, o melhor e mais fértil do mundo?
A geração das décadas de 80 e 90 pagou muito, sofreu o peso dos, digamos, “pais”. Existia uma carga demasiadamente grande. Era difícil, principalmente para encontrar fórmulas autorais e autônomas. Boa parte dos filmes dessa época são fechados em si próprios, pois tentam se debater exatamente com esse fantasma. Mais ou menos de 2000 em diante, os realizadores começaram, obviamente tendo o cinema do passado como referência, a ser influenciados por obras e estilos não necessariamente locais, de outros autores europeus, de realizadores contemporâneos. São dessa leva Matteo Garrone e Paolo Sorrentino, por exemplo, que não se ligam diretamente ao cinema clássico italiano, apesar de claramente possuírem pontos de contato com ele. Então, desenvolveu-se uma nova autoralidade. Cinco ou seis anos atrás, foram a uma escola de Roma chamada Escola Federico Fellini e perguntaram aos alunos quem era Fellini. Poucos sabiam. Daqui a algumas gerações vai ser ainda mais difícil as pessoas lembrarem quem eram esses grandes autores.
Na condição de empresário ligado ao cinema, como você percebe essas novas janelas de exibição, tais como streaming e VOD?
Começamos a desenvolver um projeto desse tipo em Portugal, voltado ao cinema alternativo. Estamos ainda num percurso intermediário. Supostamente, as novas telas iriam substituir o DVD e Blu-ray, que já não possuem o mesmo espaço. Porém, atualmente o espectador desenvolveu uma incapacidade de esperar, tornou-se imediatista. Estamos numa fase de transição. A sala de cinema vai continuar a ter um apelo diferente. Nessas novas telas, ocorre uma fruição massiva de conteúdo. A sala pode, muito bem, representar uma volta à experiência puramente cinematográfica. Temos de lidar com a necessidade de consumo rápido, mas também com a experiência da sala cinematográfica, jogando com esses dois elementos. Na minha concepção, a sala é mais ligada a experiências que ao consumo. As novas telas, dentro do grande mercado, ainda têm uma participação muito pequena. Praticamente apenas a Netflix ganha dinheiro com isso, o resto ainda não.
E a quem favorece essa nova realidade?
Ao cinema de autor. Esse tipo de filme perde cada vez mais espaço na sala de cinema. Então, sistemas leves e dinâmicos podem permitir aberturas. Percebo as diferentes telas, incluindo aí a sala de cinema, não se canibalizando, pelo contrário, se alimentando mutuamente. A grande disponibilidade nos novos meios de consumo estimula a fome de voltar às salas, ou seja, cultiva esse desejo pelo cinema, quase como se fosse um vício que realmente não temos como alimentar integralmente nos meios convencionais. Claro, isso aplicado ao cinema de autor. O grande inimigo dessa cadeia, na verdade, é a disponibilidade do download legal.
O Brasil vive uma crise crônica, econômica, política e eticamente falando. Qual é o desafio de fazer a 8½ Festa do Cinema Italiano nesse cenário de crise?
Tecnicamente ela foi criada com uma estrutura leve, ou seja, não necessita de grandes investimentos. É um evento de colaboração entre o organizador, a sala e os distribuidores, é uma soma de forças. Portanto, desde o princípio pensamos em algo que pudesse enfrentar crises. Eventualmente chega uma ajuda, como a da embaixada da Itália, que nos permitiu neste ano trazer realizadores ao Brasil (Antonio Piazza e Fabio Grassadonia – leia aqui a entrevista com eles), ou de um parceiro que propicia outras realidades. Mas, a ideia central da festa é ser leve. Não estamos aqui para fazer dinheiro, com certeza. Queremos otimizar recursos. A cada dia recebo e-mails e contatos de outras cidades que querem participar. Estou muito contente. A festa nasceu em 2008, no pico da crise em Portugal, um período bastante pesado. Mas com essa modelo de sustentabilidade econômica, é um evento cultural que não precisa dispor de grandes recursos financeiros para existir.
(Entrevista concedida ao vivo no Rio de Janeiro em agosto de 2017)
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