O cearense Edmilson Filho se tornou um verdadeiro fenômeno da comédia brasileira. Residente em Los Angeles, cidade na qual foi morar inicialmente para viver como instrutor de artes marciais, ele manteve uma carreira simultânea fazendo graça. E chegou o momento em que foi possível aliar essas duas paixões aparentemente distintas. Ao associar-se com o cineasta Halder Gomes, cativou as plateias do Brasil inteiro em Cine Holliúdy (2013), projeto de humor popular tão bem-sucedido que rendeu uma sequência e uma série de televisão derivada (atualmente está em processo de filmagem a segunda temporada). Edmilson gravou um especial de comédia para a Netflix, viu crescer a sua base de seguidores nas redes sociais e se transformou rapidamente numa espécie de herdeiro natural de grandes nomes da área, tais como Renato Aragão, com quem frequentemente é comparado. Em Cabras da Peste (2021), ele vive um policial forjado pelos filmes norte-americanos, alguém que deseja uma ação parecida com a das telonas, mesmo morando numa acanhada cidade interiorana. A perda da cabra de estimação a localidade é motivo mais que suficiente para desembestar até São Paulo, onde acaba se envolvendo numa complexa rede de crimes e corrupção, claro, sem abdicar do bom humor. Conversamos com Edmilson por telefone para saber um pouco mais sobre essa produção que vem dando o que falar. Confira mais este Papo de Cinema exclusivo.
Como você tem recebido esse sucesso do Cabras da Peste, filme que está em primeiro lugar no Brasil entre as produções da Netflix praticamente desde a estreia?
A gente sabia que tinha um filme muito bom na mão. Imaginávamos que o público poderia responder dessa forma. Pessoalmente, esperava que ele chegasse ao topo da Netflix, mas não tão rápido. No dia seguinte à estreia, alcançou o primeiro lugar. É só felicidade, não tem muito o que inventar, não (risos). Feliz de saber que o público está reagindo maravilhosamente bem. O principal é saber que é uma comédia descompromissada, para assistir com toda a família.
No Cabras da Peste, você cria uma dobradinha afiada com o Matheus Nachtergaele, com quem dividiu a cena na série Cine Holliúdy. Mas, dessa vez, como foi formar com ele essa dupla que remonta aos filmes policiais norte-americanos?
Na série tínhamos bastante cenas juntos. Quando estávamos contracenando, crescíamos mutuamente. Ficamos meses na cidade onde gravamos o programa e tivemos a oportunidade de construir uma relação de afinidade. Continuamos posteriormente o contato. Apareceu a oportunidade de fazer o filme. Eu já estava no projeto e dei a ideia de convidar o Matheus, até porque fazia tempo que não o víamos numa comédia. Passei para ele o roteiro e dois dias depois veio a resposta positiva.
Um dos destaques do filme são as coreografias de luta. Mas, os efeitos cômicos não estão nos movimentos precisos, que aludem mais ao cinema de ação. Como foi pensar nessa equação de fazer as cenas engraçadas, mas sem tantos gestos atrapalhados e/ou algo que os valha?
O objetivo era esse. Tínhamos feito algo parecido no O Shaolin do Sertão (2016), filme ambientado nos anos 1980. Esse é mais moderno, a proposta então era outra. A mistura de ação e comédia foi uma junção dos estilos de Hong Kong e Hollywood, completamente diferentes. Tentamos fazer um mix e mostrar planos abertos, especialmente para deixar bem claro que eu e meus companheiros de cena tínhamos qualidade técnica. Não se tratava de um truque feito pelo jogo da câmera. E a comédia vem fácil para mim, especialmente essa corporal, presente em outros dos meus trabalhos. Espero que o filme seja o primeiro de muitos nesse sentido de ter lutas de qualidade.
Você integra uma leva de artistas que reconectaram nosso cinema com a comédia de raízes populares. Na sua opinião, parte desse sucesso também passa por compreender a quais públicos vocês estão se direcionando?
O que acontece com o cinema no Brasil é que muitos filmes são feitos e depois são jogados no circuito. Vários deles sofrem por causa disso. Uma receita que tentamos manter, pois está dando certo, é uma estratégia meio Disney, quanto a oferecer atrativos para todo mundo. A família toda é contemplada pelo filme/série. Claro que existem situações mais subliminares que vão obrigar os pais a dar uma enrolada nas crianças que perguntarem (risos). Mas, essencialmente, vai ter piada para todos os universos. Estou recebendo muitas mensagens de carinho sobre isso. Tentamos levar o popular para o brasileiro, independentemente de estado ou classe social. Estamos acertando.
E como é importante essa ênfase na palavra popular…
Pois é, sinto que algumas comédias brasileiras recentes são um pouco elitizadas, talvez nem seja essa a palavra a ser utilizada, mas são comédias ambientadas na zona sul carioca, nos bairros nobres de São Paulo. Trazemos uma comédia que se comunica com mais gente, que tem as caras do Brasil. Conseguimos fazer algo para o povo em geral, não para determinadas classes. Até na televisão há isso, comédias muito boas, sem dúvida, mas que nem sempre chegam ao porteiro, ao frentista e que, em certos momentos, contêm piadas feitas com eles, não para eles.
Costumamos pensar que na comédia o improviso é quem manda. Mas, nesse filme, qual a porcentagem que você poderia estabelecer entre improviso e obediência estrita ao roteiro?
Cara, teve muito pouco improviso. Quando meu personagem está no restaurante japonês, e eu digo “coloque mais uma pouquinho dessa miséria”, foi um caco (improviso). Achei que iria ficar engraçado. Mas, muita coisa a gente combina antes, até mesmo por conta das questões técnicas implicadas. O que acontece mais é um pré-improviso. Lembro que fizemos uma mesa para melhorar o roteiro, onde propomos várias coisas, ou seja, alteramos previamente. As pessoas acham que é improviso por conta da naturalidade. Isso é uma grande coisa que trago comigo. Nos meus espetáculos, o pessoal fica com a impressão de que é tudo improvisado. Que nada. Foram 50 páginas de roteiro. Aí entra mesmo o trabalho do ator. Passo horas olhando no espelho, percebendo como funcionam os músculos do meu rosto para compreender de que maneira me expressar buscando determinado efeito na plateia.
Com o filme lançado globalmente, estão à disposição cópias dubladas em diversas línguas. Você chegou a testar como é o Edmilson falando em alemão, francês, espanhol e etc.?
Fico olhando como funciona isso. É engraçado. Tenho alguns amigos meus norte-americanos que tentaram assistir dublado, mas disseram que não funcionou. Preferiram ler a legenda. Tenho notado que o pessoal daqui realmente escolhe a legenda nesse caso. O norte-americano em geral odeia a dublagem, não é como a gente no Brasil, acostumado desde pequeno a assistir a filmes dublados na televisão. Moro há 21 anos nos Estados Unidos e posso te dizer que eles odeiam dublagem, não gostam muito de legenda e às vezes ficam até sem ver por causa disso.
Já estamos ouvindo e lendo por aí clamores de sequência para Cabras da Peste. Certamente o sucesso do primeiro avaliza isso, mas houve alguma conversa ou sinalização nesse sentido?
Na época em que filmamos, já falávamos nisso. Agora muito mais, sem sombra de dúvida. Precisamos ter paciência com esse momento da pandemia, consultar a minha agenda, a do Matheus, a do diretor para viabilizar. Se conseguimos colocar tudo isso num calendário, fato que haverá continuação. Em filme? Série? Não sei, mas que vai ter continuação, ah isso vai. Há outras janelas de aventura e ação a serem exploradas. O filme de ação norte-americano possui grana, não temos como competir. Então, tentamos fazer o melhor que nos cabe. A luta entra nesse sentido como um valor de produção muito grande. Recebi vários elogios por conta da dinâmica de lutas no filme.
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