Foi-se o tempo em que pensar em Desenho de Audiência e ponderar previamente para que tipo de público os filmes se destinam era exclusividade de produções com polpudas verbas. No mundo atual, repleto de players, janelas, públicos-alvo e possibilidades, é cada vez mais fundamental planejar diversos aspectos (criativos e práticos) das obras cinematográficas para elas terem um desempenho condizente com suas pretensões cinematográficas e mercadológicas. E nesse panorama, o BrLab aparece como um acontecimento fundamental. A 12ª edição do BrLab, um dos principais laboratórios de desenvolvimento audiovisual da América Latina, acontecerá de 21 a 26 de novembro na cidade de São Paulo, mas também terá atrações online. Atividades de formação, rodadas de negócios, workshops e encontros com diversos membros do ecossistema audiovisual numa jornada que em 2022 volta às suas atividades presenciais, mas sem prescindir da democratização do online que, por sinal, o evento promove desde 2017, ou seja, antes mesmo disso se tornar comum por causa dos efeitos da pandemia da Covid-19. Para saber um pouco mais sobre a 12ª edição desse evento tão importante, conversamos remotamente com Rafael Sampaio, seu diretor. E o resultado desse bate-papo você confere a seguir.
Pensando num público que não consegue o BrLab, você poderia defini-lo, por favor?
Sempre bom dizer: dá muito trabalho fazer um filme. E ele principia no que é anterior à filmagem. Reunir os recursos necessários, desenvolver o roteiro, empacotar o projeto com tudo o que está no entorno da ideia. Esse trabalho de desenvolvimento é cada vez mais importante e reconhecido como um investimento essencial nas indústrias audiovisuais de diversos países. Para um público mais abrangente, vale destacar que o BrLab é dedicado a futuros filmes que ainda estão em etapa de maturação. É preciso compreender todos os lugares a serem ocupados numa cadeia audiovisual. Essas ideias precisam ser compartilhadas, amadurecidas, melhoradas,. É preciso uma discussão ampla sobre os lugares que as histórias ocuparão no mundo. É preciso também pensar a distribuição. E o BrLab tem discussões, workshops, rodadas de negócios, mercados, em que a nossa indústria se conecta, se articula e se conhece. Nessa ideia de vender um projeto que ainda é só palavra, estamos trabalhando com expectativas. Eventos como o BrLab são importantes porque profissionais de diferentes elos da cadeia se conhecem, tomam conhecimento de projetos em etapas distintas de desenvolvimento e criam relações, confiança e tudo o que pode viabilizar projetos. Vale destacar que o BrLab a gente tem um prêmio da Vitrine Filmes de R$ 250 mil. A Vitrine Filmes vê no BrLab um espaço onde consegue encontrar projetos de qualidade.
E o ecossistema do cinema é muito dinâmico. Me parece que um dos principais desafios de vocês do BrLab é estar em sintonia com esse dinamismo, mapeando novos cenários e afins, não é mesmo?
Justamente. Temos de estar atentos a isso, pois a nossa vocação é também trazer aos profissionais latino-americanos o que está acontecendo. Por isso a cada ano o nosso workshop de produção traz novas questões. Ele se desdobra na análise estratégica desses projetos, nos seus planos de financiamento e estratégias de viabilização. Convidados que vêm de outros lugares dão um sentido prático a muitas dessas ideias. Quando falamos de vendas internacionais, distribuição ou mesmo financiamento, os últimos três anos geraram um tsunami cujos efeitos ainda estamos entendendo. Por isso temos atividades que se interconectam, como o programa Industry Academy, que temos junto com o Festival de Locarno, focado na formação de profissionais de venda, curadoria e programação, ou seja, da etapa final da cadeia. O de Design de Audiência, que fazemos desde 2017, em que discutimos um pouco o público final, mas que é focados nos projetos. E o Reach é centrado na audiência e nos impactos da pandemia. Neste ano o Reach está reduzido um pouco, especialmente por questões de financiamento. O último ano de Bolsonaro (Nota da redação: Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil) não está sendo muito fácil.
Você percebe que o mercado brasileiro está amadurecendo, abrindo os olhos à importância das consultorias, dos desenhos de audiência, dessa cadeia de iniciativas como é o BrLab?
Amadurecimento é a palavra. Há um entendimento crescente sobre essas coisas. Não há como diferenciar completamente arte e indústria. Cinema é uma arte industrial. Como o público está cada vez mais disperso, nichado, arredio, os integrantes dessa cadeia estão percebendo que é importante entender o acesso que os filmes terão. Produzimos muito nos últimos anos e isso é maravilhoso. Mas, de fato, existe uma necessidade de amadurecimento quanto a essa inteligência de audiência para conseguirmos que os filmes cheguem a mais pessoas, a mais festivais. Em muitos casos, decisões tomadas na fase de desenvolvimento impactam a futura distribuição do filme. É importante pensar previamente em que público você quer chegar e como. Vejo o Design de Audiência muito menos como algo que interfere na narrativa visando atingir mais público e muito mais como o entendimento da força desse filme para assim compreender a quem ele se dirige. No BrLab fazemos até hoje em parceria com o Projeto Paradiso, com os projetos incubados nele. Pensamos muito em audiências iniciais nesse momento. Fomos apreendendo aos poucos a incorporar a ideia do marketing. É preciso ter ferramentas para dialogar com fundos, patrocinadores, financiadores e agentes de venda. Isso também é Design de Audiência.
Nesse cenário de quase pós-pandemia e de mudança dos rumos políticos, qual foram os principais desafios para realizar o BrLab em 2022?
Temos uma equipe muito dedicada. Realizamos algumas ações ao longo do ano, como o BrLab Santa Catarina (nota da redação: sobre o qual você pode ler aqui). Mas, está sendo difícil, claro. Temos uma rede de profissionais que reconhecem o BrLab como um espaço de qualidade, uma oportunidade necessária de encontros. Uma parte dos convidados vem por vontade própria, alguns projetos até autofinanciam as suas participações. Contamos com a parceria maravilhosa do Programa Ibermedia, por meio da qual conseguimos oferecer bolsa de participação para alguns projetos. E ainda contamos com os suportes fundamentais da Spcine e do Projeto Paradiso. Voltando à equipe, ela é genial, especialmente para desenhar esse retorno ao presencial. Mas, de todo modo, está sendo difícil. O orçamento é menor do que o da edição de 2019, mas com insumos mais caros. Sabe aquela coisa de “ninguém larga a mão de ninguém”? Isso acabou acontecendo no BrLab (risos).
Aproveitando a tua expertise, você acredita serem cada vez mais fundamentais as coproduções internacionais para o Brasil ter sua indústria audiovisual fortalecida?
Sim, acho isso fundamental. O número de coproduções só cresce, especialmente entre países da América latina. É cada vez mais somar esforços, até mesmo dentro do próprio território. A coprodução internacional é importante para o financiamento, mas também para abrir novos territórios aos filmes. Esses arranjos entre países latino-americanos muitas vezes abrem mercados de difícil alcance. Até porque essa organização do mundo é complexa. A maioria dos agentes de venda está na Europa e às vezes, por conta dos arranjos de venda, os próprios produtores latino-americanos não conseguem mostrar seus filmes no continente. Essas coproduções também têm servido para defender territórios de distribuição.
Vou te fazer uma pergunta agora daquelas que não se faz para quem tem filhos: de todas as atividades do BrLab, qual é a menina dos teus olhos?
Ah, é difícil dizer (risos). Neste ano a nossa mesa de abertura está muito emblemática e poderosa. A ideia é poder juntar ideias sobre narrativas e outras discussões atuais do cinema num momento em que plataformas hegemônicas estão valorizando narrativas não hegemônicas. É um momento em que narrativas decoloniais ganham mais força na nossa indústria. Por exemplo, atualmente temos uma maior organização de um cinema indígena brasileiro. Juntamos nessa mesa os brasileiros Ailton Krenak, Everlane de Moraes e Laís Bodanzky, além do francês Sébastien Onomo para poder fazer desse pensamento decolonial nas narrativas. Essa mesa vai ser muito boa. Há uma mesa maravilhosa sobre a relação entre produtores e roteiristas em parceria com a ABRA, a Associação Brasileira de Roteiristas. Tudo isso no YouTube, algo que fazemos desde 2017, ou seja, antes da pandemia. Queremos dar um sentido prático para as ideias com esses encontros.
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