Em A Um Toque das Suas Teclas (2024), o cineasta caxiense Le Daros volta a explorar o tema da virtualidade, como havia feito em seu curta-metragem anterior, O Grande L (2014). Com estreia prevista para o dia 21 de março, numa sessão na cidade de Porto Alegre (sobre a qual você fica sabendo ao clicar aqui), a nova produção é estrelada por Rodrigo Teixeira, Duda Andreazza, João Perozzo, Simone Canuto, Fábio Vergani, Jéssica Braga, Daiane Giacomelli e Leonardo da Silva Santos. Nela, o protagonista é João, rapaz que precisa administrar impulsos amorosos na realidade que supervaloriza o virtual. Essa virtualidade dificulta seu posicionamento numa festa noturna, algo que o faz titubear ao tentar impressionar Jusy, a garota dos seus sonhos. Para saber mais sobre o desenvolvimento do filme, conversamos remotamente com o diretor e roteirista Le Daros. O resultado você confere em primeiríssima mão e com exclusividade logo a seguir.

A Um Toque das Suas Teclas retoma o assunto da virtualidade antes abordado no seu curta ficcional anterior, O Grande L. O que te motivou a voltar a esse universo?
O Grande L teve muita repercussão, contando com mais de 30 sessões presenciais e cerca de três mil espectadores. A virtualidade realmente é um tema que me interessa muito. Lá pelo fim de 2016, início de 2017, comecei a desenvolver essa ideia de um novo filme sobre o assunto, ou seja, ela não surgiu há pouco. Queria pegar a geração do curta-metragem anterior e observá-la 10 anos à frente. O intuito era questionar como seria a vida desses jovens adultos do ponto de vista dos relacionamentos num mundo que chamo de pré-distópico, no qual a virtualidade está além do que foi retratado em O Grande L. O primeiro projeto surgiu em 2018, submetido a uma comissão aqui de Caxias do Sul, mas acredito que eles não entenderam. Acabou não sendo aprovado. Claro, fiquei frustrado. Dois anos depois montamos um projeto para a Lei de Incentivo à Cultura estadual, fomos contemplados, mas com apenas três meses para captação ficou inviável. Em 2022, quando surgiu o edital do FAC Filme RS, tentamos e fomos novamente aprovados. Então, é uma coisa que vem de muito tempo. Claro, como esse mundo virtual está sempre evoluindo, tivemos de inserir elementos que inicialmente não existiam no roteiro.

Como você chegou ao molde do João, esse protagonista sequestrado pela tecnologia, um rapaz bem de vida, mas que tem dificuldades de socialização fora dos ambientes virtuais?
De novo, acredito que tem a ver com O Grande L. Como você disse, o João vem de uma família estável financeiramente, mas vive inserido numa sociedade na qual está instalada uma confusão mental com papeis não muito claros. As questão que salta aos olhos surge quando ele conhece uma garota por quem se interessa. Como fará para se aproximar dela? Nesse universo que criamos, tudo passa pela intermediação dos meios virtuais, pelo celular, laptop e tablet. Para a minha geração parece óbvio que, caso haja interesse por alguém numa festa, basta chegar e demonstrar isso. Simples assim. Mas, para os mais jovens, a intermediação virtual é fundamental. Então, até que ponto desenvolver essa relação virtual para conseguir transformar a interação em algo físico? A narrativa retrata essa loucura, por isso as cenas com um aspecto lírico. Há a intenção de nos conectar com a confusão mental do protagonista.

Como se deu a colaboração com o Alesi Ditadi, o diretor de fotografia com o qual você já havia colaborado em O Grande L? Como se deu, no diálogo entre vocês, a construção do aspecto estético do filme?
O Alesi é meu parceiro de muitos anos. Na maior parte dos meus curtas ficcionais ele está comigo, trata-se de um excelente profissional. Durante a elaboração do projeto, já era mina intenção dar ao curta um aspecto semelhante ao dos filmes do David Lynch, cineasta que admiro bastante. Achei que pare esse trabalho precisava isso de uma fotografia low key para chegar a uma atmosfera meio neo noir. O Alesi adora esse tipo de proposta, então fechou tudo (risos). Nem teve muita discussão conceitual.

Making Of: Edson Fulber

E além do David Lynch, vocês chegaram a trabalhar com outras referências?
Assisti a alguns trabalhos que tinham certo vínculo narrativo com aquilo que queria fazer. Não estou me lembrando agora do título, mas há um filme alemão parecido com o que eu desejava, especialmente por essa virtualidade hiperpresente. Então, claro que fui atrás de elementos, mas acho que não poderia apontar uma produção como influência direta ao nosso projeto. Além disso, tivemos de nos adaptar aos sets prontos, o que influenciou o plano de produção. Precisamos repensar coisas com base no que tínhamos disponível como elemento cênico.

Voltando ao cinema do David Lynch, nele sobressai muito o desenho sonoro. A Um Toque das Suas Teclas lhe permite exercitar artisticamente a direção de cinema, mas também o seu lado músico. Como foi o desenho sonoro do filme?
Isso foi uma preocupação grande desde o início. Como iríamos filmar num pub e queríamos dar uma atmosfera de festa para o elenco, precisávamos de música. Fizemos um trabalho inicial de pensar as músicas com os beats programados, num crescendo, mas num volume que fosse possível captar as falas sem haver essa sujeira por baixo. Fizemos uma série de testes técnicos para chegar a um resultado satisfatório. Depois trabalhamos em conjunto a pós-produção sonora com o Rodrigo Marcon. Já a música, produzida com o Duda Goldani, tem papel vital. A maior parte da música eletrônica é fruto de pesquisa, já os temas psicodélicos foram pensados para enfatizar as reações. Foi um trabalho minucioso que contou, inclusive, com a produção de uma faixa eletrônica, aquela que embala o momento mais tenso do filme.

E como se deu o trabalho com o elenco? Foi possível fazer ensaios? Você é o tipo do diretor que gosta dessa relação com atores e atrizes?
Até pelo fato de ser um curta-metragem, não tínhamos previsão de verba para contratar preparador de elenco. De todo modo, gosto de fazer essa preparação. Não sei se faço exatamente uma preparação (risos), mas me aproximo muito dos atores e das atrizes para conversar sobre seus personagens e a trama. Tivemos várias conversas antes, primeiro individualmente. Quando o elenco chegou para filmar, todos sabiam muito claramente quem eram esses personagens. Conseguimos realizar ensaio uma semana antes das filmagens, quando o Rodrigo e a Duda vieram de Porto Alegre a Caxias do Sul para ensaiarmos e afinar alguns detalhes importantíssimo. Foi uma dinâmica muito legal. No set, me parece que o elenco precisa ser a grande preocupação da direção. Depois que os atores entram nos personagens, é uma delícia.

Depois das sessões de estreia em Porto Alegre e Caxias do Sul, qual a sua ideia de carreira para o filme? Vai inscrevê-lo em festivais e depois tentar uma comercialização com streaming, por exemplo?
Minha primeira expectativa sempre é fazer mais sessões presenciais. O retorno de uma sessão presencial é insubstituível. Temos algumas coisas engatilhadas nesse sentido. Me parece que esse curta gerará muitas sessões presenciais, até em faculdades e escolas, pois ele trata de um tema pertinente que precisa ser debatido. Vamos tentar entrar em festivais, claro, embora não tenha muita experiência com esse universo, até porque meus últimos trabalhos audiovisuais foram documentários de cunho essencialmente regional. Mas, acho que por conta do tema, A Um Toque das Suas Teclas  tem boa chance de ser aceito em festivais. Então, depois das sessões presenciais, vêm os festivais e, quem sabe, a comercialização com algum streaming. Temos inclusive versões em inglês e espanhol. Estamos torcendo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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