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Nascido na Bélgica, Guillaume Senez está prestes a lançar A Nossa Espera (2018) nos cinemas brasileiros, isso após uma elogiada passagem pela importante janela da Semana da Crítica do Festival de Cannes 2018 e pelo Festival do Rio 2018. Neste, que é seu segundo longa-metragem, ele aborda as dificuldades de um homem abandonado pela esposa com os dois filhos pequenos, isso em meio a uma crise trabalhista que amplifica a sensação de desespero. Depois do sucesso de sua estreia, Keeper (2015), que circulou por mais de 70 festivais, angariando cerca de 20 prêmios, Guillaume agora colhe os frutos da sensibilidade com que apresenta uma crise familiar bastante singular. O cineasta gentilmente nos concedeu esta entrevista por e-mail, falando acerca de seu processo curioso de construção dos diálogos, bem como acerca da forma de integrar o elenco infantil, tão importante para o resultado, com intérpretes tarimbados, do calibre de Romain Duris. Confira, então, nosso Papo de Cinema com Guillaume Senez.

  

O filme intercala as experiências de Olivier no trabalho e em casa. Para você, qual a importância de equilibrar essas instâncias?
Não queria fazer um filme estritamente sobre o mundo do seu trabalho. Meu desejo era realizar algo que mostrasse as repercussões da rotina laboral na família, na intimidade, nas crianças…Quando voltamos para casa, depois do expediente, não deixamos nossos problemas do lado de fora da porta. Voltamos com eles, comemos com eles, lavamos com eles, dormimos com eles. Não aspiro a um cinema demonstrativo, mas a algo sensível. Gosto de mostrar as coisas como elas são, da forma como existem. Não gosto de dizer ao público o que é bom ou ruim. Tenho a sensação de que as verdadeiras batalhas, aliás, às quais o título original se refere, estão no íntimo, na vida pessoal. Elas estão ancorados em nós. Não podemos provar, mas devemos tentar fazer o espectador sentir.

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Como foi criar a naturalidade da relação entre Romain Duris e os atores mirins que interpretam seus filhos?
Nos encontramos muito, não necessariamente para trabalhar, mas indo ao parque, comendo sorvete, tudo para que eles se familiarizassem. Como no meu primeiro longa, Keeper (2015), o dispositivo é leve, utilizamos uma câmera no ombro que segue a ação sem precedê-la, deixando o máximo de liberdade possível nesse jogo entre os atores. Os diálogos são escritos, mas não são dados integralmente aos intérpretes. Trabalhamos sequência por sequência. Primeiro, na improvisação, então, pouco a pouco, acompanhando-os o mais próximo possível, chegamos juntos às versões finais dos diálogos. E isso coloca os atores no mesmo nível. Com crianças, funciona particularmente bem.

  

Há uma perceptível leveza na forma como você conduz a história. Fazia parte de suas preocupações não pesar a mão no drama familiar?
Como eu disse antes, não me interessa o cinema meramente demonstrativo/afirmativo, mas um cinema de sentimentos. Tento compartilhar com o público uma emoção, gerar uma empatia. Não estou trabalhando dentro de estruturas narrativas clássicas, onde tendemos a um clímax conciliador ou catártico. Tento transmitir emoções, levemente, ao longo de todo o filme, e isso vai funcionar, também, de acordo com a sensibilidade do espectador.

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Desde o princípio você desejava conduzir um personagem masculino não atrelado à ideia tradicional e tacanha de masculinidade, um sujeito terno e complexo?
Desde o princípio. Adorei a ideia de explorar um personagem que reproduz um padrão patriarcal instilado por seu pai, mas que evolui gradativamente a uma abertura quanto a esses conceitos. E, graças a todas as mulheres que cercam Olivier, ele começa a evoluir, a progredir em direção a algo mais sutil.

 

O filme é marcado por uma ausência sentida e influente. Este elemento, a evasão materna do lar, estava presente desde o começo do projeto?
Sim. Acima de tudo, queria mostrar que é uma escolha livre da mulher abandonar os filhos. Ela não está morta ou encarcerada. Acabou de sair, isso é tudo o que vamos saber. Não queria explicar nem julgar: entendemos que essa mulher não mais se sentia confortável naquela vida doméstica/de trabalho. Ela continua existindo em sua ausência, seus traços permanecem nas coisas ou nas lembranças que os outros têm dela.

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Como foi, especificamente, o trabalho com o Romain Duris para a delineação desse protagonista aparentemente simples, sem tantos traços característicos?
Discutimos muito a metodologia, inclusive o fato de não fornecermos os diálogos integralmente. Isso implica um risco para os atores, algo como uma queda livre. Entendo as apreensões que todos podem ter com relação a isso. Romain nunca havia trabalhado assim. Ele é muito criativo e gosta de se renovar, então foi um desafio emocionante. Antes do filme, conversamos bastante sobre o personagem. O que dá ao filme uma textura singular (de veracidade) é isso de ir construindo os diálogos no processo. Daí surgem os momentos nos quais os personagens parecem hesitar um pouco, quando as falas podem ser sobrepostas – todos os pequenos acidentes que acontecem na vida cotidiana e que você tende a perder nos filmes. Isso dá uma honestidade, uma sinceridade ao filme e ao personagem.

 

(Entrevista concedida por e-mail, em dezembro de 2018)

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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