Atualmente em solo brasileiro para participar da 8 ½ Festa do Cinema Italiano 2019, o cineasta Marco Tullio Giordana veio apresentar A Melhor Juventude (2003), seu mais celebrado filme. Além de comparecer na abertura do evento, nesta quarta-feira, 07, em São Paulo, exibindo seu curta-metragem Scarlatti (2017), ele vai ministrar masterclasses em São Paulo e no Rio de Janeiro, além de outras atividades em ambas capitais e em Goiânia, por onde encerra sua passagem pelo nosso país. Marco Tullio Giordana nasceu em Milão, em 1950, e iniciou sua carreira nos cinemas em 1977 como assistente de produção de Força Itália!, de Roberto Faenza. Sua estreia como diretor se deu dois anos depois, com Maledetti Vi Ameró (1979). Ao todo, Giordana dirigiu 19 filmes até o momento, sendo A Melhor Juventude comumente assinalado como sua obra-prima, uma jornada de seis horas de duração que sintetiza mais de 30 anos da história italiana a partir de uma família romana. Marco Tullio Giordana falou conosco por telefone sobre sua estada no Brasil, a possibilidade de reapresentar seu maior êxito e as pressões do sucesso. Confira.
Conte-nos um pouco como um projeto inicialmente televisivo, como A Melhor Juventude, foi parar nos cinemas? Tem alguém diretamente responsável por essa mudança?
Tem um culpado, sim (risos). O “assassino” foi Thierry Fremaux. Ele teve a ideia de exibir o filme no Festival de Cannes sem a divisão de capítulos, diferente de como estava programado para ir ao ar na televisão. Aliás, os diretores da RAI (televisão italiana) se comoveram, choravam após assistir, mas disseram que A Melhor Juventude era bom demais para o padrão televisivo. Assim, o filme acabou passando em Cannes e vencendo a mostra Um Certo Olhar.
Como é apresentar novamente A Melhor Juventude passados mais de 15 anos da estreia e de todo o sucesso que o filme fez? De que forma você o enxerga atualmente?
Curioso, pois no ano passado eu estava assistindo à televisão e vi uma cena com o Luigi Lo Cascio, um dos meus atores favoritos, que no filme interpreta o Nicola. Mas precisei de uns quatro segundos para reconhecer que se tratava de A Melhor Juventude (risos). Não tinha reconhecido, mesmo. Acabei permanecendo diante da tela e vendo o filme todo. Hoje em dia finalmente consigo aproveita-lo como espectador, não mais apenas julgando, vendo os erros. Consigo perdoar os erros e finalmente curtir.
Que tipo de peso um filme amplamente celebrado como A Melhor Juventude traz para a sequência da carreira de alguém? A expectativa por uma nova obra-prima é algo opressor?
Não é necessariamente algo opressor. No ano seguinte fiz outro filme, o Quando Sei Nato Non Puoi Più Nasconderti (2005), que também foi apresentado em Cannes. Entendi logo que não dá para se guiar por essa ideia de construir obras-primas, pois isso vai fazer você copiar a própria obra. Uns filmes fazem mais sucesso, outros menos. Normal. O importante é sempre procurar algo diferente, mas não condicionar-se pela tentativa de realizar uma obra-prima.
Quais as memórias mais afetivas que você guarda das filmagens de A Melhor Juventude?
Na verdade, foi um processo muito longo, que nos ocupou por seis meses. A casa em que filmamos, na cidade de Roma, virou um grande QG, onde foi instalada, inclusive, a ilha de edição. O longa ia sendo montado enquanto filmávamos. O elenco pegava comida num restaurante chinês perto dali, criamos um senso de comunidade, de família. Isso está na base das minhas memórias mais ternas dessa bonita jornada. Nós morávamos no filme. Atualmente essa casa em que rodamos virou um hotel. Às vezes passo na frente dele e fico lembrado desse tempo.
Já houve ou há uma ideia ou proposta de continuar acompanhando a família Carati, seja numa série de televisão ou num novo filme?
Já tive vários convites, inclusive proposta para fazer uma sequência tendo os filhos como protagonistas. Todavia, para mim essa experiência está completa, por isso recusei. Filmamos o primeiro de forma tão espontânea, sem saber necessariamente no que ia dar. Se tentássemos fazer uma sequência, competiríamos conosco. Realizar A Melhor Juventude foi tão orgânico e especial que não me vejo trabalhando em algo, a ele relacionado, partindo da mesa de um produtor, sem essa naturalidade. A experiência anterior foi algo do coração, não desejo macula-la.
Qual o seu grau de intimidade com o cinema brasileiro?
É um grau de intimidade que diz mais respeito aos meus anos de formação, quando assistíamos a todos os tipos de filme, inclusive os do Cinema Novo. Víamos os longas de Glauber Rocha, Ruy Guerra e Carlos Diegues. Aliás, Carlos, como jurado, premiou o meu primeiro filme no Festival de Locarno. Conferir o Cinema Novo era como ver a Nouvelle Vague. Mas, curiosamente, eu tinha mais intimidade com o cinema brasileiro nessa época, havia mais troca, bem mais do que atualmente, nesses tempos de internet. Conheço pouco do cinema brasileiro contemporâneo e me envergonho um pouco disso. Infelizmente os filmes de vocês chegam pouco à Itália.
O que acha de iniciativas como a 8 ½ Festa do Cinema Italiano, inclusive como forma de resgatar clássicos relativamente recentes como o seu e apresenta-lo para novas plateias?
É importantíssimo, fundamental. As trocas são a nossa única esperança, não apenas quanto ao cinema. Trocas são necessárias, surgem como as únicas coisas com potencial para nos salvar. Imprescindível estabelecer pontes recíprocas, porque elas nos permitem conhecer o outro. É como trocar figurinha. A graça está no fato de haver diferentes. Quanto ao cinema, não pode existir uma oposição colonial, como se um cinema fosse modelo ao mundo.
(Entrevista concedida por telefone em agosto de 2019)
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