Nascido em Maceió, Alagoas, Erom Cordeiro se mudou para o Rio de Janeiro em busca de um sonho: trabalhar como ator. A paixão começou a se tornar realidade como o personagem ‘Pipoqueiro’, na minissérie Presença de Anita (2001), da Rede Globo. Logo em seguida, no entanto, estava no centro de uma discussão nacional, ao interpretar o jovem gay Zeca, da novela América (2005), que protagonizou um romance com outro rapaz, o Júnior vivido por Bruno Gagliasso. E mesmo sem beijo no final, a polêmica foi suficiente para que se tornasse conhecido em todo país. A partir daí, se aventurar no cinema foi mera consequência. No mesmo ano, apareceu na comédia romântica Sexo com Amor? (2008) e no thriller Vingança (2008). Mais um tempo se passou, e trabalhos de maior peso começaram a surgir, como os premiados Heleno (2011), com Rodrigo Santoro, e O Palhaço (2011), de e com Selton Mello. Desde então tem marcado presença em trabalhos de prestígio tanto na telinha como na telona. Um desses, que combina ambos os formatos de exibição, é A Divisão, que primeiro virou série, e agora chega também aos cinemas. Aproveitando o lançamento, o ator conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!
Oi, Erom. Como A Divisão surgiu na tua vida?
Isso foi em 2017. Eu não sabia do projeto, mas fui chamado para fazer um teste, assim como grande parte do elenco. Tinha esse personagem, o Santiago, mas não sabia muito bem do que se tratava. Apenas que o filme seria sobre a onda de sequestros no Rio de Janeiro, no final dos anos 1990, mas não mais do que isso. Não sabia da dimensão que teria, por exemplo. O Vicente Amorim é muito bom diretor de atores, tem domínio de cena. Ele estava no teste e foi me direcionando para aquilo que queria, o que buscava. Depois me falou que vinha me observando há tempos, a gente se acompanhava pelas redes sociais. E conhecia os filmes dele, é claro. Também nutria essa vontade de trabalhar com ele. Quando me chamaram para o teste, fui bastante animado. Foi um belo encontro.
O Santiago é um personagem complexo. Como foi a tua abordagem? Houve algum tipo de pesquisa?
Cara, vou te falar que foi um dos personagens mais complexos com o qual já tive oportunidade de lidar. Para tanto, era preciso ter um cuidado meticuloso. Mas muito já vinha do roteiro, o que me tranquilizou. E o Vicente tinha essa noção, do quanto o Santiago seria transformado no decorrer da história. Pra começar, tivemos uma preparação de um mês antes das filmagens. À medida que o longa foi avançando, os roteiristas foram criando essa continuidade. Ou seja, quando começamos a filmar, já estava sabendo como lá na frente a coisa iria se desenrolar.
Imagino uma figura fundamental na tua criação foi o José Luís Magalhães, certo?
Dentro daquele esquema, a figura do Magalhães foi imprescindível. Além de ser um dos roteiristas, foi também um dos caras que idealizou esse projeto. Ele era uma das figuras-chave pra desmantelar a onda de sequestros quando trabalhava como policial. Ou seja, viveu tudo aquilo de verdade. Então, poder acessá-lo era muito importante. Mas sem se impor, pois é um cara até bastante tímido. Muito querido e talentoso. Tinha o Vicente, claro, com o domínio completo do que queria fazer, e o Magalhães, como fonte preciosa dentro do set. Tive uma base muito forte.
O Santiago é alguém que nunca está sozinho, não é mesmo?
Para construir o Santiago, é preciso prestar atenção nesse trio no qual ele está envolvido, ao lado da Natalia Lage e do Thelmo Fernandes. É uma estrutura que tá dando super certo onde quer que eles se inserem, pois estão dentro da própria polícia, e protegem uns aos outros. Quem eram aquelas pessoas, essa banda podre da polícia? Era o que perguntávamos. Com esse time, jogando muito bem entre si, e com pouquíssimos recursos, formar essa equipe foi muito importante para que tudo ganhasse vida.
Você conheceu algum “Santiago” da vida real? Como foi esse espelhamento entre realidade e ficção?
Na verdade, o Magalhães tinha conhecimento de toda essa logística de como ir atrás das pessoas que mereciam ser ouvidas. Ele foi um grande detetive. Tinha esse know how como alguém que passou anos dentro desse negócio. O sexto sentido, o faro, o tino para a pessoa deduzir. Era o talento dele, o que podia oferecer a mais. O Santiago tem um pouco isso, essa parabólica que vai captando tudo que acontece ao seu redor. Tivemos contatos com outros policiais durante o processo, e claro que o Santiago é uma mistura de vários, com uma parcela grande de ficção.
Você chegou a sair em campo, viver o dia a dia de um policial?
Tivemos alguns laboratórios do tipo, com a produção e a ajuda do AfroReggae Audiovisual, que assumiu uma responsabilidade muito bonita, que era esse trabalho de reinserção de ex-detentos na sociedade. Filmamos em comunidades que nunca haviam sido retratadas no cinema. Eram lugares “pacificados”, mas bem entre aspas, pois eram espaços abertos, não tínhamos muito controle sobre o que iria acontecer. Houve situações que me sentia como se estivesse entrando em território minado. Por isso era preciso ter muito controle, para não invadir o espaço do outro ou passar do ponto. E isso levei para o set. Conversando com outros personagens, mas calculando o que estavam pensando e como iriam reagir. Foi muito prazerosa essa construção.
Você chegou a viver esse período caótico do Rio de Janeiro?
Foi uma época que vivi, sim, mas meio que sem entender muito bem o que estava acontecendo. Não sou do Rio, mas moro há 25 anos nessa cidade. Cheguei em 1995, então presenciei tudo isso logo no começo, quando ainda estava me instalando. Lembro de estar na faculdade, e era uma instituição pública, com pessoas que todas as classes. Lembro de comentarem. Começou a assustar geral, era muito louco passar por aquilo sem entender muito bem quais eram as reais dimensões.
A Divisão conta com várias cenas de ação. Houve algum treinamento específico?
Tivemos, sim. Visitamos umas duas ou três vezes a Cidade da Polícia, no Jacaré, e conhecemos o cotidiano deles. Era como uma central de DPs no Rio de Janeiro. A Divisão de Sequestros fica no Leblon, no entanto. Enfim, acompanhamos as ocorrências, tivemos aulas de como manusear as armas. Já tinha um conhecimento prévio, de outros trabalhos, mas fomos orientados no sentido de dar credibilidade a cada situação. Fomos cercados por profissionais que nos ensinaram até como pegar uma arma, ou onde colocar a arma atrás das calças, por exemplo. Esse tipo de macete, dica, foi determinante. Em todas as cenas a arma estava comigo, mesmo quando ela não aparecia. Mesmo que não vissem, era parte do personagem. E era essa a vida desses caras, tínhamos que passar por isso também. Estávamos sempre preparados.
Você está em várias séries de sucesso, como a própria A Divisão, e a televisão tem alcançado uma qualidade cada vez maior. Por que fazer cinema ainda é uma opção?
Cara, a experiência de ir até algum lugar para fazer determinada coisa… o cinema nunca vai perder o seu lugar. Apesar dessa época de ouro das séries. Consumo muito, adoro fazer, mas o cinema tem algo especial. É uma experiência coletiva. Mesmo que esteja sozinho na sala, como às vezes acontece. Sem falar das dimensões, pois através dele podemos ver o mundo com uma outra lente, de aumento. Isso não vai se perder. Sou apaixonado pelo cinema, vou ser sempre plateia. Ontem mesmo, na pré de A Divisão, esse sentimento se renova na gente a todo momento. É um lugar que não vai se perder nunca.
Você tem um outro filme já pronto, O Buscador? O que pode nos adiantar sobre ele?
Dirigido pelo Bernardo Barreto, era projeto dele, e tem circulado por festivais. Ganhou um prêmio na Estônia há pouco tempo, para se ter uma ideia. Conta a história de uma garota que vem visitar a família, o pai é um grande empresário, mas está envolvido com denúncias de corrupção. Eu faço um amigo da família, que retrata uma elite corrosiva. É um drama social, com uma questão forte sendo discutida. Ele é, praticamente, um grande plano sequência. Para isso, tivemos que ensaiar por semanas. Com poucas tomadas, um take inteiro de uma hora e vinte. Não vi ainda pronto, mas to bem curioso.
O cinema como discurso de denúncia é algo que te interessa?
Tem outro que fiz, e também já está finalizado, que tem a mesma pegada. O nome é Prisioneiro da Liberdade, e foi dirigido pelo Jeferson De. Filmamos no ano passado, e é sobre o Luis Gama, um advogado abolicionista, que nasceu livre e foi escravizado. O Cesar Melo faz o protagonista, conta com um grande elenco e uma equipe maravilhosa. Trata-se de um filme de época, e acho que vai jogar luz nessa figura essencial. Foi um cara que advogou na cidade de São Paulo a favor de escravos. O final caminha para um grande julgamento, o Luiz Gama está defendendo um escravo que teve problemas com seu ex-patrão, e interpreto o advogado de acusação. Foi um trabalho bem bacana.
Na tua filmografia, que vai desde comédias românticas a projetos mais independentes, que espaço ocupa o Santiago?
O Santiago ocupa um lugar muito especial. Ele tem uma grande curva, um arco de desenvolvimento, e posso falar que é um dos melhores personagens que já fiz. Tem um lugar bem alto na minha escala pessoal. Me exigiu muito, estava no set todo dia, vivi como integrante da equipe. Muito suor, esforço, concentração. Engraçado, lembro de ter passado por algo parecido em um dos primeiros filmes que fiz, o Vingança (2008), mais de uma década atrás. O Miguel era muito distante de mim, mas o vivi muito intensamente. O Santiago também tinha uma estrada maior a ser percorrida, e hoje posso dizer que me sinto mais seguro para um desafio como esse. Mas tudo é relativo. Quando estiver completamente seguro, a gente para! É bom sentir o erro por perto. É como a gente costuma dizer, o melhor personagem sempre será o próximo, mas, até agora, este é um dos que mais me dá orgulho.
Falar com você passa a impressão de ser uma pessoa muito calma, tranquila. No entanto, tem se habituado a interpretar personagens de caráter duvidoso. Essas figuras mais complexas lhe atraem?
Cara, nem sei… nos últimos anos, só tem vindo tranqueira pro meu lado (risos). No Ilha de Ferro (2019), o playboy era um demônio. No 1 Contra Todos (2017-2018), eu era um lobo em pele de cordeiro. Assim como o Santiago. Vai de encontro ao problema. Pode ser uma inquietação artística, que foge ao meu leque pessoal, mas confesso que é muito prazeroso. Poder experimentar essas zonas sombrias, mais violentas, que estão em todo mundo. No trabalho a gente permite pisar nesses terrenos, e realmente gosto de fazer esses personagens. Apesar de que seria bem-vindo também alguém mais pacifico (risos).
(Entrevista feita em janeiro de 2020)
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