A primeira vez que entrevistei Fernanda Montenegro foi em 2005, durante o lançamento do filme Casa de Areia, que ela fez sob o comando do genro Andrucha Waddington e ao lado da filha Fernanda Torres. A impressão imediata que tive foi de que se tratava de uma mulher de idade avançada, frágil e muito delicada, longe daquele furacão que irrompia nas telas. Ao me aproximar, no início da conversa, a chamei de “senhora”, para ser imediatamente interrompido: “senhora não, melhor me chamar de ‘você’, afinal ninguém é especial aqui”. Continuei a entrevista adotando uma intimidade forçada, pois ela estava muito enganada, e esse encontro só comprovou o que já imaginava. Fernanda Montenegro é, sim, muito especial. E o Festival de Gramado finalmente reconheceu, em sua 39° edição, o quão ela é estimada por todos nós.
Como foi receber a notícia de que seria a homenageada desse ano com o Troféu Oscarito?
A vida nos apronta cada uma, não é mesmo? Aqui estou eu, recebendo esse prêmio tão importante logo das mãos do (cineasta e produtor) Roberto (Farias)! O que pouca gente sabe é que ele foi assistente de direção do Oscarito, e teve uma vez em que fiz um teste para estar numa das chanchadas dele – e não fui aprovada! Foi-se a minha chance de ter trabalhado com o grande e inesquecível Oscarito! Mas eu sou do tempo – e isso faz muito tempo mesmo! – de ir pra fila de cinema assistir aos filmes dele, sou “cinemeira” de carteirinha. Muito admirei o Oscarito, já trabalhei com o Roberto, e agora estamos nós três – nós dois aqui e ele lá em cima – juntos nessa homenagem. Isso me deixa muito feliz.
Como tu definiria a tua relação com o cinema?
Sempre foi um romance de idas e vindas. Nunca fui muito fiel ao cinema, não. Eu sou atriz de teatro, em primeira instância. Depois fui me tornando bicho da televisão. E só por fim que descobri o cinema – ou ele me descobriu, não sei. Nunca imaginaria, quando jovem, no início da carreira, que um dia estaria lá em Hollywood, ao lado dos astros que tanto admirava nas minhas matinês. Foi lá em que me encontrei com monstros como Gregory Peck, que na minha época todas eram loucas por ele, e agora estava lá, um senhor, quietinho no canto dele. Nessa ocasião ele me disse: “o cinema que é feito hoje em dia não tem mais espaço pra mim”. Poxa, se não tinha mais espaço para ele, como é que iria ter espaço pra mim? E não é que teve um cantinho sobrando, e lá fui parar? Poucos anos depois o Gregory morreu, mas eu ainda estou aqui, conquistando coisas que nunca havia imaginado.
Quais dos teus filmes mais te marcaram?
Não posso apontar um ou outro filme. São todos como meus filmes, todos foram feitos com grandes dificuldades e me deram imensas alegrias. Mas o que posso falar, sim, foi daquele trabalho em que tudo mudou, a Dora do Central do Brasil. Minha relação com o cinema é Antes de Dora e Depois de Dora. Aquele foi um ano maluco e intenso, em que percorri o mundo inteiro ao lado do Waltinho (Salles, diretor do filme) defendendo nosso trabalho e nosso país. Foi muito bom, mas muito diferente de tudo que eu já havia feito até aquele momento. Sou muito feliz no teatro, amo tudo que já fiz na televisão, mas é o cinema que nos imortaliza. E eu sou muito grata à Dora por tudo que, juntos, conquistamos.
Qual a maior alegria de estar em Gramado?
Reencontrar os amigos e relembrar dos que já se foram. Tantos já nos deram adeus. O Oscarito já se foi, o Grande Otelo, o primeiro a ser homenageado com esse belo troféu, também já se foi. Estar aqui é uma felicidade enorme no meio de uma grande tristeza. Há pouco mais de uma semana o Brasil perdeu um dos maiores nomes da nossa arte: Ítalo Rossi. Ele era um fenomenal comediante, era a alegria das nossas vidas. Estar ao lado dele era inesquecível, foi um dos meus maiores e melhores companheiros – de cena, de trabalho. Tínhamos uma parceria que nunca irei repetir. Esse Oscarito que recebo hoje é dedicado ao Ítalo. Tenho certeza de que, nesse exato momento, os dois – o Ítalo e o Oscarito – estão juntos, lá em cima, rindo muito de tudo isso. É o que nos conforta, que me anima. Por isso estou aqui, pois é importante celebrar. Comemoramos a arte, a vida!
O primeiro trabalho no cinema de Fernanda Montenegro foi em 1965, em A Falecida, de Leon Hirszman, e pelo qual ela ganhou o Candango de Melhor Atriz no Festival de Brasília. Desde então, foram mais de 20 prêmios e reconhecimentos no Brasil e no exterior. Em 81 veio Tudo Bem, de Arnaldo Jabor (Melhor Filme em Brasília), em 82 foi a vez de Eles Não Usam Black-Tie, também de Hirszman (premiado em Veneza e em Havana), depois A Hora da Estrela (1986), de Suzana Amaral (premiado em Berlim), O que é isso, companheiro? (1997), de Bruno Barreto (indicado ao Oscar), Central do Brasil (1998), de Walter Salles (Melhor Filme e Atriz em Berlim e dono de quase 30 prêmios internacionais, além de duas indicações ao Oscar – Atriz e Filme Estrangeiro), O Outro Lado da Rua (2004), de Marcos Bernstein (Melhor Atriz em Recife, em Nova York e no Grande Prêmio de Cinema Brasileiro), Redentor (2004), do filho Cláudio Torres, o já citadoCasa de Areia (Melhor Atriz em Guadalajara) e sua única aventura internacional até o momento, a adaptação do clássico latino-americano O Amor nos Tempos de Cólera (2007), de Mike Newell (Quatro Casamentos e um Funeral, 1994), em que apareceu como a mãe do protagonista interpretado por Javier Bardem. Ou seja, uma seleção de impor respeito ao mais severo dos críticos. E uma pequena amostra de um talento único e acima de qualquer suspeita, uma dama da interpretação que merece todo e qualquer aplauso.
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