Aruandar é preciso! Esse é o tema do Fest Aruanda, o festival do audiovisual da Paraíba. Com nome tirado do clássico Aruanda (1960), de Linduarte Noronha, o evento mais importante do cenário cinematográfico paraibano foi idealizado pelo jornalista, crítico de cinema, produtor, professor e documentarista Lucio Vilar, que desde a primeira edição, há quase duas décadas, comanda essa iniciativa. Docente na Universidade Federal da Paraíba, desde 2003 tem roteirizado e produzido curtas sobre a história do audiovisual no estado. É também autor de livros, organizador de coletâneas e coordenador do Circuito Audiovisual no Campus I – Aruandando no Campus, dentro da UFPB. Atualmente, está envolvido com uma série documental sobre o cineasta Linduarte Noronha e com um longa-metragem que terá como tema principal Walfredo Rodriguez, cineasta paraibano pioneiro que foi objeto de estudo e pesquisa de sua tese de doutorado. No meio disso tudo, se mantém à frente do 16º Fest Aruanda, que ocorre de 09 até 15 de dezembro de 2021 em João Pessoa. Foi no meio dessa intensa programação que o Papo de Cinema, presente na capital paraibana, conversou com o diretor, que falou sobre os desafios desse ano, os aprendizados das edições anteriores e as expectativas para os próximos encontros. Confira!
Em 2021 comemora-se dezesseis anos do Fest Aruanda. O que essa edição tem de diferencial em relação aos anos anteriores?
Em primeiro lugar, depois de um ano que o evento foi realizado 90% de forma virtual – apenas a abertura e o encerramento foram presenciais no ano passado – em 2021 conseguimos fazer todas as sessões presenciais. Significou a volta à sala escura, à magia do cinema. Traz de volta o festival em todo o seu vigor. Tem também um caráter de expansão. Conseguimos contemplar vários públicos e segmentos que não havíamos conseguido dar a devida atenção em edições anteriores. Dessa vez, tivemos sessões em todos os turnos: manhã, tarde e noite. Conseguimos, pela primeira vez, realizar o Cine Aruandinha, pela manhã, com mais de 350 crianças vindas da periferia, que nunca haviam entrado em um shopping. Foi muito emocionante.
Você está envolvido com o Aruanda desde a primeira edição?
Sim, fui eu quem idealizei o festival. A primeira edição, em 2003, foi para consumo interno, dentro da universidade. Era uma mostra, apenas. No ano seguinte teve greve, e em 2005 voltamos já com o nome Aruanda, como festival. É o único festival latino-americano com nome de filme.
Qual a importância do Fest Aruanda para o cenário cultural da Paraíba?
No ano passado fizemos 15 anos. Foi um momento interessante para olhar para trás, quase como numa retrospectiva. Toda a movimentação do audiovisual paraibano nos últimos quinze anos passou pelas telas do Aruanda. É uma curva ascendente. O festival de transformou em uma plataforma, uma vitrine do audiovisual da Paraíba. Pois até então isso não existia por aqui. Lembro de estar no Festival de Brasília, no início dos anos 2000, e o grande Vladimir Carvalho, durante uma entrevista, falou para mim: “toda biboca desse país tem um festival de cinema, só a Paraíba que não tem”. Era uma frase muito forte, que ficou na minha cabeça.
Quantos festivais de cinema existem na Paraíba atualmente?
Depois do Fest Aruanda, o primeiro que surgiu foi o ComuniCurtas. Outros vieram, e houve uma época com 12, 15 festivais do gênero. Foi criado um edital do estado, para apoiar esses festivais do interior, há poucos anos. Hoje em dia existem uns 17, se não estou enganado. E tudo começou com o Aruanda.
São todos meio que filhos do Aruanda?
Pode parecer pretensioso dizer isso, mas entendo que é um pouco assim. Foi essa necessidade de tomar o Aruanda, primeiro, como uma referência. Mas também uma interiorização da produção do estado nos últimos quinze anos. Tem muita coisa sendo produzida no sertão, nas várias regiões. Isso influenciou também no sentido de cada lugar ter também a sua vitrine. Um processo normal.
Além de coordenador e idealizador, você é também curador do Aruanda. Qual o foco da curadoria do evento?
A seleção dos curtas é sempre feita por um comitê. O Amilton Pinheiro é quem coordena, e cada novo membro permanece por até três anos. Eu não interfiro nas decisões deles, possuem total autonomia. Já a curadoria dos longas conta com uma participação maior minha, também ao lado do Amilton. Nesse ano, optamos por filmes que haviam passado primeiro em festivais no exterior, que possuíam algum tipo de repercussão internacional. Isso colaborou na parceria que desenvolvemos com a Universidade de Lisboa, e estamos realizando, pela primeira vez, uma mostra lusófona. Foi algo pequeno, de curtas-metragistas da União Europeia. Não vou chamar de internacionalização do festival, é claro, mas já é um aceno nesse sentido. Se você for caracterizar essa edição, a palavra é “expansão”.
Pelo que percebo, o pensar do Fest Aruanda é voltado tanto para o fazer cinematográfico quanto para a formação de novos públicos.
Exatamente. Temos mostras de Cinema e Saúde Pública, junto com instituições públicas de ensino, oficinas de realizadores. Estamos aumentando nossas audiências, e tentando dar início a um olhar d’além mar. E já pensando em outras ações, até em nível acadêmico.
Vamos falar das parcerias para a realização do evento. Como é o apoio das instituições públicas e privadas em João Pessoa e na Paraíba ao Fest Aruanda?
Olha, costumo dizer que estamos sempre com a faca nos dentes. É uma expressão forte, mas especialmente nesses últimos anos, faz muito sentido. Há uns cinco anos estamos contanto com o apoio da Energisa, que é um grupo forte, grande, que está presente em 14 estados. Tem muita força no mercado. Estamos também com a Cagepa. E isso porque percebi que era preciso expandir também o nosso arco de alianças. Era preciso ampliar, e não depender de um só parceiro. O empresário a qualquer momento pode virar para nós e dizer: “nesse ano não vai dar”. E como a gente fica? A lei é de incentivo, então se a empresa não tem lucro, não tem imposto a ser pago que pode ser direcionado para nós. Estamos também com a PBGás, que é outra empresa de economia mista. O Banco do Nordeste, que já havia sido nosso parceiro, voltou a estar conosco. O festival já é um patrimônio, pertence à toda sociedade.
Vamos falar dos homenageados deste ano. Como chegaram ao nome do Othon Bastos, por exemplo?
O Othon Bastos era uma ideia que há muito tempo a gente perseguia. Tentamos em anos anteriores, e por um motivo ou outro nunca dava certo. Dessa vez, porém, surgiu também a notícia de que existia uma nova cópia, em 4K, de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), que dizem que está uma coisa de tão linda. Imagina encerrar o festival com esse filme? Seria um assombro. E o Othon está com quase 90 anos, era a oportunidade perfeita. Por isso tomamos essa decisão. E ele é um símbolo, um marco do cinema. Tanto que é a cara dessa edição, está na vinheta, por tudo. Já homenageamos grandes nomes do cinema brasileiro, e ele realmente faltava. O único porém foi que a negociação para conseguir essa cópia acabou não dando certo. Mas o Othon foi um gol e tanto!
Mas há outras figuras sendo celebradas nesse ano, certo?
Isso aí. O W.J. Solha é um paulista de Sorocaba que mora aqui desde os anos 1970. É um cara que é uma figura renascentista, como disse Kleber Mendonça Filho, por causa da multiplicidade de talentos que assume. É ator, escritor, roteirista, produtor, artista plástico. E está comemorando 80 anos. Ele não gosta de homenagens – tanto que nem veio ao festival. Anos atrás já queríamos fazer essa homenagem, e quando ficou sabendo, recusou. Mas dessa vez, até pela data especial, aceitou e está muito feliz. A Cristina Amaral é uma montadora, uma pioneira, e merece muito esse reconhecimento. Personagem do universo do cinema feminino e negro. O José Siqueira é um cara que está sendo resgatado, na área musical erudita, e tem esse filme sobre ele (Toada para José Siqueira, 2021). Era o momento. E o Ely Marques é um editor maravilhoso que morreu nesse ano, vítima da covid-19. Uma perda enorme. Ele merece tudo e mais um pouco.
E para 2022, o que já estão pensando para o ano que vem?
A data da próxima edição é sempre anunciada no encerramento. O Aruanda tem essa característica de ser o festival que encerra a temporada de festivais no Brasil. Já temos data, mas não temos desenho de como será. Não desligamos em nenhum momento, passamos o ano todo em função do evento. Fazemos uma avaliação do ano anterior, levantamos expectativas do que será feito no próximo, pesamos prós e contras da edição atual. É sempre um olhar para o antes, para o agora e para o amanhã.
Há novidades que vieram para ficar? Como, por exemplo, o AruandaPlay, a plataforma de streaming do festival?
Acho que há uma incógnita nessa seara. Eu, pessoalmente, tenho a percepção de que as plataformas vieram para ficar. Já existiam, mas não as usávamos dessa forma antes da pandemia. E elas estão aí para facilitar a vida da gente. Era tão distante, e agora está aí, no nosso dia a dia. Foram muito bem-vindas. Mas no caso dos festivais, será que vão permanecer? Fico inclinado a dizer que sim. No AruandaPlay estamos trabalhando com a perspectiva de continuar ao longo de 2022, mas não só em função do festival. Pensamos num formato mais simples, menos oneroso, que fique até pela ausência de telas que enfrentamos. Será mais uma opção. Pensando na produção audiovisual local, parcerias com secretarias de educação, curtas-metragens. Tem muito a ser explorado.
Já com a edição 2021 em andamento, como tem sido a tua avaliação?
Acho que alcançamos as nossas expectativas. A plataforma, que começamos a usar no ano passado, deu tão certo que chegamos a instituir um prêmio para o curta e para o longa mais assistidos na AruandaPlay. A repercussão tem sido incrível. Fora isso, temos percebido muita gente fazendo contato, comentando, presente nas sessões, nas redes sociais. Estou muito satisfeito com o que conseguimos fazer. Avançamos mais, apesar do ano difícil que temos enfrentado. Conseguimos reiterar esse patamar no qual nos colocamos no cenário dos festivais brasileiros.
Entrevista feita ao vivo em dezembro de 2021 em João Pessoa, PB, durante o 16º Fest Aruanda
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