É compreensível que, na tenra infância, meninas tenham o desejo de se tornar princesas. Uma geração, na qual esta colunista se inclui, que possuía poucas personagens sem babadinhos e coroas para chamar de suas, precisava se contentar com o que Disney e companhia limitada ofereciam. Mas o lado bom de crescer é que novas protagonistas surgem em nossa vida, mostrando outras possibilidades. Algumas fãs de Cinderela encontraram na independente Carrie Bradshaw, vivida por Sarah Jessica Parker na série de TV Sex And The City, uma musa para os primeiros anos da vida adulta. Mas, isso seria uma evolução?

O sucesso da série é inegável. Influenciou não somente novas produções protagonizadas por mulheres como também rompeu a barreira das telas e lançou moda, como o sapato de solado vermelho que custa uma pequena fortuna, o sonho de Carrie tanto quanto o amor do Mr. Big. Espera aí: sapatos e homens? Já ouvimos essa história antes. Por mais que as fãs exaltem o poder de Carrie e suas amigas de tocar a própria vida e manter a carreira sempre exitosa, não há como negar que nada disso parece trazer a tal felicidade. Carrie pode até comprar um vestido lindo, mas ele só terá sentido se for visto por um homem. Não que mulheres não queiram se sentir desejadas, longe disso, mas Sex And The City reforça o mito da Cinderela que só vai ver graça na vida quando encontrar o príncipe. A diferença é que, ao invés do baile, ela vai sair em busca dele em alguma balada cara e badalada de Nova York. Sai o sapatinho de cristal encantado pela fada madrinha, entra o Louboutin com salto de 15 cm e nenhum conforto. A busca ainda é por um homem que dê sentido à sua vida. Sim, elas parecem livres, leves e soltas, mas nunca estiveram tão presas.

Óbvio que o texto de Sex And The City é bom, que os primeiros episódios ainda divertem até quem não tem a idade das personagens. Mas, após finalizado o riso, paramos para pensar que a graça está na princesa, um tipo ainda pior que os dos contos de fada. Varinhas de condão podem ser perdoadas, mas viver atrelada à ideia de que para se sentir completa é preciso ter ao lado o homem perfeito é um feitiço imperdoável. Sim, é apenas uma série, veículo de entretenimento. Mas até na hora da diversão podemos pensar sobre nós mesmos. Assim como existem as que seguem a linha de Carrie, falando, escrevendo e vivendo em torno de relacionamentos, há também a turma ciente de que muitos outros assuntos nos incomodam e excitam. Nem só de escova e salto alto se leva a vida na boa. Somos muitas. Sex And The City tem apenas quatro. E não precisamos nos encaixar em alguma delas.

Este texto não é um manifesto contra a série, muito menos ao seu legado no cinema. É apenas a sugestão de encarar a arte com mais dúvida e menos aceitação. Brincar de Carrie experimentando um sapato novo é muito divertido. Mas na próxima esquina a gente precisa encarar nossos reais sonhos e desafios. E eles nem sempre são do nosso número.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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