Crescemos ouvindo sobre a fama de falantes das mulheres. Há pesquisas, inclusive, comprobatórias de que o número de palavras ditas diariamente por uma mulher é muito superior ao do homem. O que alguns consideram desperdício de saliva, pode ser o resultado de outra fama que as moças carregam: a de que é preciso um discurso mais longo e alto para convencer uma plateia masculina. Isso sem contar o fato das constantes interrupções. Logo, se falamos demais, é porque homens nos cortam, muitas vezes sem um mínimo de educação. Divagações feministas à parte, o falatório da mulherada rendeu na Sétima Arte, justamente no momento em que o som dava seus primeiros passos. A partir da década de 30, com o cinema sonoro tornando-se comum, a comédia, em especial a produzida em Hollywood, precisou se reinventar. Gags físicas já não eram suficientes para sustentar um roteiro e manter o público gargalhando. As piadas agora precisavam de uma voz. E ela surgiu em alta velocidade.

As chamadas screwball comedies, batizadas com uma referência de velocidade vinda do beisebol, apesar de reforçarem o mito de que mulheres sempre precisam de um homem para ter sua felicidade completa, colocou as atrizes em primeiro plano de uma forma bem diversa da do início do cinema. A diva impecável, fotografada com uma luz que sempre a favorecia, cuja movimentação em cena se dava para o diretor encontrar seu melhor ângulo, agora tinha muitos diálogos, tornando-se responsável pelas melhores tiradas dos filmes. Como esquecer Claudette Claubert tentando uma carona enquanto troca insultos com Clark Gable em Aconteceu Naquela Noite (1934), de Frank Capra? Nem a Academia esqueceu, e o longa-metragem levou cinco estatuetas para casa, incluindo a de Melhor Filme.

As mulheres conduziam a trama, provocando situações que causavam alvoroço na plateia. Carole Lombard muda a vida de um mendigo ao convencê-lo a tornar-se seu mordomo em Irene: A Teimosa (1936). As trapalhadas do “mocinho” sempre começam com as ideias malucas da “mocinha”. Katharine Hepburn, impecável em tramas dramáticas, também deu grandes contribuições para as screwball comedies. Em Núpcias de Escândalo (1940), ela chama o ex-marido (um escândalo, literalmente, para aqueles tempos) para participar dos preparativos de seu novo matrimônio. E o provoca com frases ácidas de cinco em cinco minutos. Já em Levada da Breca (1938), um dos exemplares mais divertidos do gênero, Hepburn inventa as mais diversas desculpas para estar ao lado de um paleontólogo que só quer patrocínio para suas pesquisas. Até a blasé Greta Garbo entrou na onda. Ninotchka (1939) é um filme sobre uma moça focada no trabalho que vive às turras com um playboy francês. E que tem sempre uma resposta na ponta da língua, entre um cigarro e outro.

Dar a função do humor à mulher por meio das palavras e não de simples ações ridículas, torna a screwball comedy um dedinho bem longo do feminismo em Hollywood. Óbvio que ainda haviam os finais só resolvidos quando a mulher dava o braço a torcer e se rendia ao charme do homem, mas, mesmo assim, havia firmeza e autoconfiança de sobra nas personagens. Eram donas de si, antes de desejar serem donas de casa com marido e aliança. Triste é perceber que esses filmes são considerados os precursores das comédias românticas atuais, que transformaram as mocinhas poderosas e de língua ferida em cinderelas em busca de sapatos e príncipes, tudo maquiado para dar uma ideia de “mulher moderna”. Quem sabe essa nova onda feminista e cinéfila, que incentiva mulheres realizadoras e tramas mais abrangentes sobre a ideia de feminino, possam nos presentear com boas comédias com ares de screwball. Afinal, rir é o melhor remédio. Rir do machista que se acha indispensável é melhor ainda.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
avatar

Últimos artigos deBianca Zasso (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *