1 dez

5+1 :: Woody Allen

Chamar Woody Allen de um dos gênios do século XX seria um exagero? A resposta para isso dependerá de que lado você está. Se você é um admirador das comédias non sense que o cineasta comandava em início de carreira, considera incríveis os filmes neuróticos e bem humorados produzidos a partir de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), tem uma queda pelas comédias que brincam com situações fantásticas vistas em Zelig (1983), Memórias (1980) ou Simplesmente Alice (1990), e tem para si que os dramas profundos inspirados em Bergman são gemas imperdíveis, certamente concorda com a afirmação. Agora, se o estimado leitor não está de acordo com nenhuma das afirmações acima, chances existem de você ser o próprio Woody Allen. Ele é o maior crítico de seus trabalhos e tem certeza absoluta de que não é um gênio. É um trabalhador, que gosta muito do que faz, se sente um privilegiado por ter sido bem sucedido em sua profissão, mas que não toma pra si metade dos elogios que lhe são atribuídos. Para os fãs, serve como alívio o fato de que mesmo com essa autoestima um tanto baixa, ele raramente passa um ano sem lançar novo trabalho. Polêmicas à parte, o fato é que, enquanto artista, Woody Allen já assinou mais de 50 longas-metragens, tornando difícil o processo de escolher apenas 5 para uma lista com tantos bons trabalhos. Mas é isso que a equipe do Papo de Cinema tenta fazer no dia em que o cineasta mais nova-iorquino de todos completa mais um aniversário. Confira logo abaixo a nossa lista dos 5 melhores (mais um, muito especial).

 

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall, 1977)
– por Marcelo Müller
Se possível, esqueça o estapafúrdio título que Annie Hall ganhou no Brasil (o próprio Woody Allen teria se escandalizado com essa adaptação, não sem razão). Único trabalho do cineasta a levar para casa o Oscar de Melhor Filme – venceu também nas categorias Direção, Atriz e Roteiro Original –, esta é uma das principais realizações do nova-iorquino, senão a fundamental para entender do que é feito o cinema alleniano. A trama aborda o romance de idas e vindas entre o humorista Alvy Singer e a cantora iniciante Annie Hall (Diane Keaton), relacionamento visto em flashback desde a gênese até o momento em que romper parece inevitável. O contumaz humor (tipicamente judeu) impresso por Allen em seus filmes é enriquecido, também como de costume, por observações acerca das dificuldades de envolver-se plenamente num mundo repleto de gente neurótica e nervosa. Cenas antológicas: o monólogo inicial de Singer, no qual ele cita de Freud a Groucho Marx enquanto lamenta o fim do namoro e relembra passagens da infância, o desmascare do pedante na fila do cinema, com direito à especialíssima participação do comunicólogo Marshall McLuhan, e o jantar de lagostas deliciosamente atrapalhado. Só para ficar em três, de muitas.

 

A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo, 1985)
– por Rodrigo de Oliveira
Conheci o trabalho de Woody Allen de forma um pouco diferente do que a maioria. Em vez de iniciar com seus filmes mais famosos, foi na literatura meu primeiro contato com a obra do cineasta/ator/escritor. Seus contos, hilários, fizeram com que o interesse nos filmes viesse de carona. E o primeiro longa-metragem conferido calhou de ser um dos mais belos trabalhos de Woody Allen. Em A Rosa Púrpura do Cairo, ele dirige Mia Farrow, perfeita no papel de uma sonhadora espectadora de cinema que sonha encontrar o protagonista de seu filme preferido. Num passe de mágica que, infelizmente, acontece apenas na ficção, o personagem que brilhava na tela grande escapa da clausura da película e resolve viver um romance com sua maior fã. Além de ser uma fantasia deliciosa, com direção de arte muito bem trabalhada (revivendo os anos de depressão norte-americana) e com elenco inspirado, Allen capricha nas brincadeiras entre a linguagem cinematográfica e nossa vida real – fechando seu trabalho com um dos finais mais agridoces de toda sua filmografia. Ainda que não seja necessariamente meu preferido – acredito que Noivo Neurótico Noiva Nervosa, Zelig e Manhattan (1979) ocupem as primeiras colocações no meu ranking – por ter sido o primeiro e por certamente figurar em um ranking bastante concorrido, A Rosa Púrpura do Cairo merece um espaço nesta pequena homenagem realizada pelo Papo de Cinema a esse grande cineasta.

 

Tiros na Broadway (Bullets over Broadway, 1994)
– por Matheus Bonez
Nos anos 1990, Woody Allen teve uma de suas fases mais inspiradas em que flertou com vários gêneros em obras como Maridos e Esposas (1992), Poderosa Afrodite (1995) e Todos Dizem Eu Te Amo (1996). Porém, foi com a subversão do cinema noir de Tiros na Broadway que o cineasta apresentou um de seus filmes mais divertidos e com um roteiro fenomenal, repleto de referências à própria história da sétima arte. A trama é recheada de personagens clichês que ganham uma nova abordagem sob o viés cômico. Na Broadway dos anos 1920, um escritor fracassado e egocêntrico (John Cusack, numa performance à lá Woody Allen) só consegue dirigir uma peça de teatro bancada por gângsteres. Por isso tem que engolir a namorada (Jennifer Tilly) do chefão, que nunca consegue decorar as falas e está sempre acompanhada do guarda-costas (Chazz Palminteri) que, por outro lado, vive dando pitacos – extremamente corretos – no espetáculo. Sem contar que a principal estrela da peça (Dianne Wiest) está em crise (e lembra muito Gloria Swanson em Crepúsculo dos Deuses, 1950). Não apenas por ter sido uma das obras mais elogiadas na carreira de Allen – foram sete indicações ao Oscar (com uma conquista de atriz coadjuvante para Wiest) e mais 19 prêmios – Tiros na Broadway merece um lugar de destaque por ser aquele tipo de filme que você vê, revê e continua assistindo todas as vezes que o encontra sendo exibido na televisão. É inteligente o bastante para atingir não só a massa crítica como o público em geral. Por sinal, foi pela TV que descobri esta pérola (isso com pouco mais de 15 anos de idade) e que até hoje faz parte do meu Top 10 de toda história do cinema. Curiosamente, foi também um dos títulos do cineasta que mais demorou a chegar em DVD (lançado apenas em 2010). Este tem um lugar especial na estante de casa.

 

Match Point: Ponto Final (Match Point, 2005)
– por Willian Silveira e Robledo Milani
Com cores de Raskólnikov, Woody Allen constrói em Match Point um clássico moderno. Chris Wilton (Jonathan Rhys Meyers) é instrutor de tênis no subúrbio de Londres. O mesmo desígnio que lhe privou das quadras profissionais lhe apresentou a Tom Hewett. Quando a bola bate na rede, resta torcer para que caia no outro lado. E caiu. Chloe, irmã de Tom, se apaixona por Chris. A família Hewett passa a proporcionar uma vida cuja origem de irlandês humilde jamais pensaria possível. Mas a estabilidade não é o forte das pessoas, principalmente quando se conhece Nola, ex-namorada de Tom. Desejo e culpa tensionam a todos. A moral é uma velha usurária. Sartre estava errado. O inferno não são os outros. Ele está em cada um de nós. Match Point é importante também por registrar a primeira parceria com a nova musa Scarlett Johansson – os trabalhariam juntos ainda em Scoop: O Grande Furo (2006) e em Vicky Cristina Barcelona (2008) – tendo ela sido, inclusive, indicada ao Globo de Ouro. Já Allen, por sua vez, com esse trabalho conseguiu voltar ao Oscar – foi indicado a Melhor Roteiro Original – sendo que essa foi sua primeira indicação em um hiato de quase uma década (a anterior havia sido, na mesma categoria, por Desconstruindo Harry, 1997).

 

Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011)
– Por Robledo Milani
Um dos últimos grandes trabalhos do cineasta, Meia-Noite em Paris fez parte da temporada europeia do diretor – depois de passar pela Inglaterra e Espanha, e antes de deslizar pela Itália, fez na França um dos seus longas mais belos e sensíveis. Quem assume a responsabilidade de oferecer a sua própria “versão de Woody Allen” é Owen Wilson, ator mais ligado à comédias besteirol, que aqui marca presença de modo mais comedido, na medida exata dessa história fantástica que combina ilusão com sonho, a respeito de um escritor que, durante as noites pela capital francesa, acaba empreendendo uma viagem no tempo e conhecendo pessoalmente alguns dos maiores nomes da cultura mundial, como Cole Porter, F. Scott Fitzgerald, Joséphine Baker, Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Pablo Picasso, Salvador Dalí, Man Ray, Luis Buñuel, Henri Matisse e Paul Gauguin, entre tantos outros. Indeciso pelo compromisso assumido com a noiva controladora (Rachel McAdams) e passeios pelo museu acompanhado pela cantora Carla Bruni, o protagonista ainda arruma tempo para se encantar por Marion Cotillard e Léa Seydoux, em um mosaico de muita criatividade e transbordante paixão. Não por acaso, foi indicado a 4 Oscars – inclusive à Melhor Filme e Direção – e ganhou como Melhor Roteiro Original!

 

+ 1

 

Neblina e Sombras (Shadows and Fog, 1991)
– por Robledo Milani
Se os cinco títulos anteriores são clássicos da filmografia alleniana, facilmente encontráveis em qualquer lista de melhores do diretor, o +1 tem como objetivo apontar um trabalho mais obscuro e menos conhecido, mas ainda assim digno de crédito. E Neblina e Sombras não poderia ser um exemplo melhor. Um filme que muitos poucos viram – é uma das suas menores bilheterias – e com menos ainda defensores, é o típico caso daquele que merece ser descoberto. Filmado em preto e branco, essa comédia de erros se passa numa única noite e tem o próprio Allen como protagonista, aparecendo como um covarde em busca de qualquer desculpa para não ter que ir atrás de um assassino que tem atormentado uma pequena vila. Ao lado de um dos seus melhores elencos – John Malkovich, Kathy Bates, John Cusack, Jodie Foster e até Madonna! – e na penúltima parceria com a musa Mia Farrow, ele conseguiu construir um divertido pesadelo que cresceu em genialidade e relevância com o tempo, mostrando como alcançar notas tão altas com tão pouco. Uma obra muito especial e um dos seus melhores longas.

backup

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *