The Plot Against America :: T01

14 ANOS 60 minutos
Direção:
Título original:
Gênero: Drama
Ano: 2023
País de origem: EUA

Crítica

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Sinopse

Herói da aviação, historicamente populista, Charles Lindbergh derrota Franklin D. Roosevelt nas urnas e se torna presidente dos Estados Unidos. Sua ascensão ao poder faz com que o país mergulhe gradativamente no fascismo.

Crítica

É mais fácil oferecer uma resposta à altura de um ataque surpresa do que de um há muito anunciado. Esta, ao menos, é a lógica por trás da minissérie The Plot Against America, produção original da HBO baseada no romance de Philip Roth. Ambientada no início dos anos 1940, durante a eleição presidencial dos Estados Unidos, a trama parte de uma questão hipotética: e se Franklin Delano Roosevelt tivesse perdido e não sido eleito presidente do país? E, para piorar, o que teria acontecido caso, no seu lugar, o escolhido fosse uma figura de forte apelo popular, mas nenhum histórico na política – como, por exemplo, o aviador Charles Lindbergh? A partir desse conceito, o escritor criou uma utopia perturbadora para sua nação e, principalmente, para a parcela judaica da população. Este, portanto, é o viés assumidos pelos criadores Ed Burns e David Simon (os dois haviam trabalhado juntos antes na série The Wire, 2002-2008, indicada ao Emmy): criar o pior cenário possível a partir de uma situação que não aconteceu, mas podia ter, perfeitamente, se sucedido. E deixar claro o quão perto se está tanto da vitória quanto da tragédia, ainda mais para os cegos que insistem em não enxergar o óbvio. Algo que alcançam com imensa precisão e objetividade.

A ideia é que Lindbergh se elegeria com uma única proposta: a imparcialidade dos Estados Unidos diante da Segunda Guerra Mundial. Ou seja, ao invés de interferir de forma decisiva para a vitória dos Aliados contra os países do Eixo, decisão tomada a partir da posse de Roosevelt, o aventureiro teria preferido manter distância do conflito, seguindo o lema “America First!” (ou seja, América em primeiro lugar). Com isso, o Nazismo se consagraria vitorioso, espalhando-se pelo mundo – inclusive no outro lado do Atlântico. Esse movimento é acompanhado pelo olhar de uma família de judeus que mora num subúrbio de Nova Iorque. Herman (Morgan Spector, de Punhos de Sangue, 2016) e Bess (Zoe Kazan) possuem dois filhos ainda pequenos. Ao redor convivem ainda a irmã dela, Evelyn (Winona Ryder), e o sobrinho dele, Alvin (Anthony Boyle, de Tolkien, 2019). Cada um irá, a seu modo, enfrentar essa mudança de comportamento. E o mais curioso da trama: apesar de serem todos ligados, as reações serão distintas e, portanto, ilustrativas de um modo pensar diverso, válido mais de meio século atrás, assim como persiste até hoje.

Nessa divisão reside o verdadeiro drama da história criada por Roth. Enquanto Herman percebe que algo de grave está prestes a acontecer, mas insiste em resistir como forma de protesto, Evelyn agirá sob outro modelo de comportamento, acreditando que os supostos alertas não passam de teorias conspiratórias, principalmente a partir do seu envolvimento com o rabino Bengelsdorf (John Turturro, excelente na construção de uma figura tão ostensiva quanto distorcida, igualmente digna de pena e de desprezo). Moça solteira e já de uma certa idade, ela não oferece nenhuma resistência a partir das demonstrações de interesse por parte dele. Assim como aceita sem questionar seus discursos e um ponto de vista no mínimo problemático, que acredita que os sinais dados por Lindbergh são mal compreendidos e que, na verdade, ele está certo em ignorar o confronto europeu. Por outro lado, Alvin é o jovem que não hesita em partir para a ação, ansioso por fazer diferença. Primeiro atravessa a fronteira para se unir ao esforço de guerra canadense. Após um acidente, volta para casa tendo que lidar com seus novos traumas, mas segue combativo e inquieto. Ele representa uma parcela que não se resigna, ainda que nem sempre – justamente por não pensar direito antes de agir – acabe tomando as melhores decisões.

É importante ter claro que, ainda que Lindberg, em vida, nunca tenha tido uma carreira política, ele sempre esteve longe de ser o herói que muito se alardeou. Pra começar, sequer foi pioneiro no feito pelo qual colhia todos os louros possíveis: a travessia aérea inaugural pelo oceano Atlântico data de 1919 – ou seja, oito anos antes da viagem dele. Seu mérito estava no fato de ter percorrido o percurso sozinho, sem nenhuma companhia. Segundo, foi acusado de ser simpático ao nazismo – chegou a comparecer na abertura das Olímpiadas de Berlim, em 1936, subindo no palanque ao lado de Adolf Hitler. O tal movimento isolacionista “America First” realmente existiu, e foi, de fato, liderado por ele. Tanto que, após o ataque a Pearl Harbor, em 1941, quando os EUA finalmente entraram no confronto, chegou a se oferecer para lutar pelo país – e seus serviços foram recusados! Ou seja, sua biografia cai como uma luva na ficção desenvolvida por Roth. E os medos e expectativas vividos por estes personagens encontram nele uma ressonância bastante singular.

Veja bem: nessa versão alternativa dos fatos, o novato não assume a presidência declarando publicamente seu antissemitismo. É justamente pela postura dissimulada que defendia que muitos levaram tanto tempo para identificar nele uma ameaça. O que não chega a ser nenhuma novidade: há inúmeros exemplos na história da humanidade similares e, infelizmente, eles seguem se repetindo – muito em parte, é claro, pela eficácia em atingir seus torpes intentos. Há os que gritam, e os que agem nas sombras. Porém, é justamente a falta de um discurso unificado que abre portas para as mais diversas interpretações – até mesmo as mais violentas. E, assim, o perigo vai crescendo, sempre por perto, mas nunca se anunciando com clareza para que algum sistema de defesa possa ser posto em prática. Os que acreditarem antes, talvez tenham mais chances. Mas e os que preferirem pagar para ver, o que lhes restará? Herman está sempre nervoso, briga com mulher, filhos e vizinhos, e tudo isso por dizer o óbvio que ninguém quer ver. Evelyn, por outro lado, tem fala mansa, duvida de poucos e acredita estar fazendo o certo. Os dois, no entanto, estão em extremos opostos de um mesmo debate.

Quem tenta se equilibrar entre eles é Bess. Sua presença seria mero empecilho para os objetivos de cada um, não fosse a performance hipnotizante de Zoe Kazan. Filha dos roteiristas Nicholas Kazan (indicado ao Oscar por O Reverso da Fortuna, 1990) e Robin Swicord (indicada ao Oscar por O Curioso Caso de Benjamin Button, 2008) e neta do grande Elia Kazan (cineasta vencedor de 2 Oscars), ela até então vinha tendo uma carreira discreta, seja como atriz, mas também como roteirista. Aqui, no entanto, entrega uma atuação maiúscula, principalmente nos capítulos finais, quando é, aparentemente, a única capaz de tomar as atitudes corretas e partir para os enfrentamentos necessários. Tudo isso com a atitude adequada e medindo cada um dos seus passos. O trabalho corporal dela é impressionante, seja na condução dos diálogos, como também pela entrega e compromisso que revela. É, indiscutivelmente, um dos trabalhos mais marcantes dessa temporada, e certamente deverá ser lembrado por ainda muito tempo.

Os diretores Thomas Schlamme (vencedor de 9 Emmys) e Minkie Spiro (indicada ao DGA por Fosse/Verdon, 2019) fazem de The Plot Against America um programa de forte teor político, mas visto na maior parte das vezes pela ótica de quem sofre as consequências das campanhas e frases feitas para impressionar, e raramente pelos ombros de quem lidera as massas. Lindberg é mal percebido em um ou outro episódio, Roosevelt é apenas uma menção que nunca se concretiza, e outros jogadores desse tabuleiro, se chegam a ser citados, não passam disso. No entanto, é através das mães de família, dos homens trabalhadores e das crianças que se espelham – ou não – em seus pais que as transformações poderão ocorrer – com maior ou menor impacto, dependendo da força de cada gesto. E se o final poderia ser mais direto e incisivo, deixando às claras as conclusões ainda não obtidas, é também nesse ponto de dúvida que o enredo divide essas responsabilidades com a audiência, mostrando que não está apenas na observação dos fatos, mas na participação ativa dos mesmos, que o dia a dia se faz. Tanto nos acertos, como também – e principalmente – nos equívocos.

backup

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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