Crítica


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1 voto 8

Sinopse

Dee Dee Blanchard sempre cuidou de sua filha, Gypsy, com extremo cuidado e carinho. Aos 15 anos, a garota se movimenta através de uma cadeira de rodas e possui as mais variadas doenças, que fazem com que se alimente especialmente através de um tubo colocado em seu umbigo. Com o tempo, Gypsy percebe que nem tudo que a mãe lhe diz é verdade, assim como seu estado clínico. Aos poucos, ela começa a dar vazão ao desejo de independência.

Crítica

Os defensores das séries costumam usar como argumento a possibilidade de melhor desenvolver os personagens e suas variadas camadas, em comparação ao cinema que costuma girar em torno das duas horas de duração. Quando bem feito, é a mais pura verdade. The Act é um destes casos.

Baseado em uma história tão surpreendente quanto real, The Act faz um trabalho hercúleo ao investigar o fundo psicológico por trás de suas duas protagonistas, Dee Dee e Gypsy, mãe e filha. Fossem apenas as nuances deste relacionamento, já haveria farto material a ser desenvolvido mas há ainda um crime, que escancarou a verdade até então oculta. Entretanto, é importante ressaltar: o objetivo aqui não é criar mistério em torno do que acontece, revelado já em seu primeiro episódio, mas sim compreender o porquê de ter acontecido.

Para tanto, os showrunners (e roteiristas) Michelle Dean e Nick Antosca elaboram uma narrativa repleta de idas e vindas no tempo, mas com uma certa linha temporal a ser seguida, que acompanha a idade e a progressiva consciência de Gypsy. Inicialmente aos 15 anos e dotada das mais variadas doenças, que incluem o uso constante de uma cadeira de rodas, ela aos poucos percebe que a história sobre si mesma não é bem como a mãe lhe conta. À devoção extrema existente até então soma-se uma desconfiança contínua, que cresce no decorrer dos anos a partir de vários pequenos atos, ou deslizes, reveladores. Detalhar tais momentos é tarefa de mais da metade desta minissérie, de forma a estabelecer a natureza desta relação tão intensa quanto destrutiva, de lado a lado.

Neste cenário, é essencial ressaltar o trabalho primoroso realizado tanto por Joey King, a filha, quanto por Patricia Arquette, a mãe. Se Patricia não surpreende ao compôr uma mãe tão devotada quanto rigorosa, mesmo quando está sob pesada maquiagem em busca do rejuvenescimento, é Joey quem assombra ao incorporar a verdadeira Gypsy Rose Blanchard na voz infantilizada e na capacidade de sedução, manipulando a seu favor a condição clínica que aparenta ter. Encantadora de pessoas por natureza, se apropria do contexto para adaptá-lo de forma que possa, sempre, lhe parecer favorável. Isto com uma inocência estonteante, que tanto contrasta com os rumos desta história.

Sem jamais julgar suas personagens principais, mas também sem santificá-las, The Act apresenta uma jornada que, de certa forma, lembra a ocorrida com o recente Coringa (2019). Não no sentido de inocentar os feitos, mas de compreender o porquê de terem ocorrido e, neste caminhar, apontar para as várias falhas existentes no histórico médico, que permitiram tamanha manipulação sem qualquer comprovação. Além de um minucioso estudo psicológico, The Act traz nas entrelinhas uma pergunta sem resposta: como uma farsa deste porte pôde acontecer, por tanto tempo? Talvez seja este o fato mais chocante de todos os inusitados da trama.

Muito bem produzida e com um figurino que acompanha o envelhecimento de Gypsy, assim como o gestual e a postura corporal da personagem, The Act é ainda precisa na composição de cores da casa onde quase toda a minissérie se passa, sempre ressaltando a infância eterna tão sonhada por Dee Dee. Um belo exemplo do quão positivo pode ser o formato das séries para destrinchar uma história tão cheia de nuances, seja as de cunho familiar ou as que envolvem o mundo ao redor.

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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Grade crítica

CríticoNota
Francisco Russo
8
Daniel Oliveira
6
MÉDIA
7