Crítica


5

Leitores


3 votos 8

Sinopse

Enquanto Eleven tenta reencontrar seus poderes, os demais membros da turma formada em Hawkins está em busca de ideias para poder derrotar o temido Vecna. E todos estão correndo contra o relógio que dá quatro badaladas.

Crítica

A decisão de dividir a quarta temporada de Stranger Things em duas partes (chamadas de volumes) faz parte de uma estratégia mercadológica. Primeiro, a fim de propiciar uma etapa dupla de fomento de expectativas; segundo, para os fãs não “sentirem” tanto o peso das quase quatro horas do par de episódios derradeiros. Já o primeiro volume (cuja crítica você pode conferir aqui) ficou distante dos melhores momentos desta que é uma das meninas dos olhos da Netflix, vide: a quantidade de núcleos se desenvolvimento ao mesmo tempo; a sensação de enrolação para os episódios ultrapassarem uma hora de duração; a atenção dispersada entre os núcleos; e a pouca consistência de algumas subtramas. No entanto, os Irmãos Duffer (os criadores da série) ainda tinham como trunfo: os personagens carismáticos; as ótimas alusões à cultura pop; a manutenção de uma atmosfera de aventura juvenil; e o acréscimo de um terror mais gráfico. Portanto, entre mortos e feridos, o saldo foi positivo. Não empolgante, mas positivo. É mais ou menos o que se pode dizer desse Volume 02. De acordo com o andamento da carruagem, tudo prometia ser mais apoteótico. No entanto, o resultado é uma viagem divertida entre Hawkins e o Mundo Invertido, com momentos até mesmo comoventes, mas ainda assim marcado por certo conformismo e pelo esquematismo que engessa a narrativa em prol de uma ideia.

O Volume 02 da quarta temporada de Stranger Things continua na toada de antes, especialmente com vários núcleos se desenvolvendo independentemente até o ponto de uma anunciada (e óbvia) convergência. Sim, pois, enquanto uns retornam ao Mundo Invertido, outros seguem no encalço de Eleven (Millie Bobby Brown), há ainda aqueles que tentam escapar a gélida União Soviética e a própria menina com nome de número na caminhada solitária de volta ao heroísmo. Para começo de conversa, é incômoda a fórmula que roteiro utiliza para galvanizar a mensagem “juntos eles conseguem”. Conservando uma dinâmica característica da série, a da valorização da amizade e do trabalho em conjunto para acabar com inimigos extraordinários, os roteiristas lidam de modo um tanto forçado com dois desafios: manter os personagens unidos mesmo que eles estejam geograficamente distantes e, a partir disso, gerar uma sincronicidade impressionante. E o que eles resolvem fazer? Partir para o velho esquema de “quando tudo está correndo mal para A, também tudo está correndo mal para B” e vice-versa. O saldo dessa operação é uma previsibilidade que ameniza a intensidade dramática de determinadas ações e situações. Uma vez assimilado o conceito de simultaneidade (utilizado em muitos instantes de ambos os episódios), podemos antecipar coisas importantes em cada núcleo.

Mas, e a impeditiva distância geográfica? Como Eleven e companhia chegarão de Nevada a Hawkins a tempo? De que modo os exilados na União Soviética igualmente retornarão dentro do prazo estabelecido para o alardeado fim do mundo? Diante desses questionamentos, os roteiristas pegam o caminho simples, ou seja, aceitam a distância e incorporam meios para os personagens estarem juntos sem fisicamente estar. Dentro do universo Stranger Things isso não é nada implausível, mas soa como tremenda facilidade depois da expectativa em torno do problema "distância". Num piscar de olhos o obstáculo está prontamente superado. Ainda dentro das fragilidades dessa temporada está a vocação pelos diálogos meramente explicativos, como se fosse necessário doutrinar um espectador incapaz de assimilar sugestões e/ou de formar a sua opinião sobre alguém com base em ações, não em palavras. Vecna é um vilão que gosta de parar a carnificina para explanar métodos, revelar porquês e afins. Essa atitude faria todo sentido se o personagem fosse construído como alguém vaidoso, o que não é o caso. Não bastasse isso, alguns núcleos simplesmente perdem importância, como o do valentão que decide fazer justiça com as próprias mãos baseado em superstições e num cristianismo distorcido pelas lógicas brutais da vingança. Na verdade, o único momento em que esse personagem serve para algo, efetivamente, é ao ser compreendido como o modelo de uma “normalidade” psicopata e agressiva.

Como havia sido no primeiro, o Volume 02 da quarta temporada de Stranger Things tem como núcleo mais descartável o de Mike (Finn Wolfhard). Note que ele e os amigos servem somente como torcedores à beira da banheira salgada enquanto a menina superpoderosa resolve tudo remotamente. Só. Mas, é preciso fazer um adendo. Há algo bonito acontecendo entre dois garotos: a reconexão entre os irmãos Jonathan (Charlie Heaton) e Will (Noah Schnapp). São notáveis a sensibilidade do mais velho às turbulências emocionais do mais novo e a abnegação final deste em prol do amigo amado. Embora ainda dentro da lógica esquemática seguida pelo roteiro, os instantes “fazendo as pazes” são bonitos e emocionantes. Como na cena de Lucas (Caleb McLaughlin) e a ameaçada Max (Sadie Sink) trocando bilhetes enquanto esperam o ataque do vilão. De novo, uma pena que quando A se reconecte com B isso aconteça quase simultaneamente entre C e D, E e F, G e H, e por aí vai. A série continua martelando com mantra “juntos eles conseguem”. Nesse caminho um tanto quadrado demais, somos impelidos às lágrimas em alguns segmentos. Porém, uma ponderação posterior sobre essa comoção revela mais senso comum do que necessariamente um apelo genuíno ao aflorar de nossas emoções. O mundo está acabando, mas ainda não há uma angustiante sensação de que tudo pode acontecer.

E chegamos às mortes. Tão especuladas pelos fãs, elas acontecem no Volume 02 da quarta temporada de Stranger Things, mas, infelizmente, são convenientes, utilitárias e partes do esquematismo. Existe uma acomodação quanto à segurança dos personagens que acompanhamos desde a primeira temporada, aqueles que fazem parte do chamado "núcleo duro" da série. Uma coisa seria matar um integrante desse grupo e ter de lidar com as efeitos maiores. Outra é simplesmente se livrar de coadjuvantes relativamente recentes dentro de uma lógica torpe de descartabilidade. Essa jornada está se aproximando do seu encerramento (ao que tudo indica, a quinta temporada será realmente a última), mas os Irmãos Duffer ainda não acreditam ser possível dizer adeus às figuras realmente imprescindíveis. E essa dificuldade ajuda a compor uma previsibilidade ruim. Sabemos de antemão que meia dúzia de pessoas está praticamente a salvo, não importando se elas estiverem encurraladas pelo Demogorgon, pelo Devorador de Mentes ou por Vecna. No fim das contas, mesmo que defendam com unhas e dentes a ideia do conjunto, de que todos são importantes para que a pequena cidade sobreviva aos ataques do Mundo Invertido, os Duffer se apoiam demais na menina superpoderosa que passou os últimos episódios sendo basicamente torturada para termos acesso aos flashbacks que esclareceram tudo.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *