Crítica


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Sinopse

Aos 12 anos, Kingsley é fascinado por astronautas e foguetes. Quando levado ao escritório do diretor por perturbar as aulas, descobre que está prestes a ser enviado a uma escola para pessoas com "necessidades especiais". Distraídos por trabalhar em dois empregos, seus pais desconhecem a política de segregação não oficial em jogo, responsável por impedir que muitas crianças negras recebam a educação que merecem.

Crítica

O quinto filme da antologia Small Axe se chama Educação. Seu tema é a precarização sistemática do ensino oferecido aos descendentes de imigrantes no Reino Unido, especialmente aos filhos dos homens e mulheres (geralmente negros) que vieram das regiões antes designadas como Índias Ocidentais – termo arcaico utilizado para descrever as diversas colônias britânicas do Caribe. Aparentemente, o protagonista é Kingsley (Kenyah Sandy), menino negro ridicularizado na escola (inclusive pelo professor) por não ler bem. Somadas a isso, suas leves indisciplinas fornecem a desculpa ideal para a diretoria recomendar sua imediata transferência para uma escola "especial" – eufemismo para aquilo que a própria política governamental britânica rotulava oficialmente como ensino subnormal. No entanto, a verdadeira personagem principal da jornada é a mãe do garoto, Agnes (Sharlene Whyte, excepcional), alguém que precisa de diversos empregos para conseguir contribuir ao sustento da casa. Desde o princípio essa mulher é compreendida como o núcleo forte da residência pela qual passam diversas questões de relevância vital. E o cineasta Steve McQueen estabelece um elo especial entre mãe e filho, sobretudo ao apresenta-los paralelamente em suas lutas diárias contra o sistema. Ele não encontra saídas para as suas dificuldades; ela possui pouco tempo para zelar pelos seus.

O roteiro assinado por Steve McQueen e Alastair Siddons parte da mudança significativa na rotina de Kingsley. A forma como a estrutura educacional britânica o trata é um sintoma dessa lógica que tenta padronizar os alunos. Dentro dessa ideia, o mesmo método precisa ser eficaz para pessoas que contam com necessidades únicas e peculiaridades quanto aos seus aprendizados. Como o pequeno que sonha em ser astronauta não se enquadra nisso, “precisa” ser apartado dos demais com a desculpa de que é necessário lhe dar atenção “focada”. No entanto, a nova escola chamada de “especial” é praticamente um depósito dessas crianças que não se encaixam nos restritivos modelos tradicionais – de meninos e meninas com déficits de atenção a pessoas com particularidades cognitivas e talvez até alguns no espectro autista. Há denúncias veladas na primeira metade de Educação, mas algo suficientemente sugerido para ser captado antes de qualquer personagem aparecer para verbalizar essa indignação. Concomitantemente à exposição da precarização metódica, motivada por uma ordem racista e discriminatória, o filme mostra Agnes mal tendo espaço para cuidar dos filhos e interagir com seu marido. Fica implícito que ela é um subproduto dessa dinâmica impeditiva do aprimoramento de parcelas da população que, assim, ficam restritas a determinados espaços.

Depois de deixar bastante evidente que a nova escola não tem nada a oferecer a Kingsley, Steve McQueen vira delicadamente o seu foco a Agnes, sobretudo às resistências iniciais diante da revelação de que seu menino está sendo sabotado para caber num método de perpetuação de pobreza (monetária, intelectual, emocional). Fica subentendido que os Smith são vítimas desse círculo vicioso a ser combatido urgentemente com informação e esclarecimento. Uma vez que Agnes foi precarizada ao chegar ao Reino Unido, como imigrante em busca de novas oportunidades de vida, privada das oportunidades de estudar para galgar outros degraus sociais, obrigada a dividir o tempo entre várias ocupações para subsistir, como ela reuniria condições para ter uma noção consistente de que o filho está sendo gradativamente tragado para o mesmo redemoinho? E como seu marido, Esmond (Daniel Francis), pode ser criticado por não dar bola para a escola e preferir que o filho comece imediatamente a aprender uma profissão, se ele mesmo deve ser fruto desse pensamento consolidado como um condicionamento? Portanto, a educação surge nesse filme como uma ferramenta capaz de insinuar as revoluções. E a mudança de pensamento acontece aos poucos, não como se os personagens repentinamente fossem iluminados por uma verdade incontestável. Há resistências, desconfianças e inúmeras barreiras.

Os filmes que compõe a antologia Small Axe podem ser apreciados separadamente. No entanto, há uma complementariedade entre eles. Em Os Nove do Mangrove, a brutalidade policial se estende às engrenagens de segregação do sistema judiciário; em Lovers Rock, o oásis quase imperturbável de sons, cores e sabores é constantemente ameaçado pela vizinhança agressiva; em Vermelho, Branco e Azul, novamente a questão policial entra em voga, mas agora em meio à dificuldade de diálogo entre pai e filho discordantes; em Alex Wheatle, a história de um escritor marginalizado basicamente por ser negro elege a necessidade de aprender sobre as próprias raízes como forma de escapar à subjugação da sociedade racista. Por fim, neste Educação, o sistema educacional massificador e tendencioso é apontado como um agente zelador da manutenção da subalternidade da população negra. Já o estudo da história do povo marginalizado aparece novamente como um antídoto poderoso contra esse veneno secular. Aqui, Steve McQueen tem o mérito de abordar essas questões em pouco mais de uma hora, sem que elas pareçam superficiais ou que as soluções sejam oferecidas como milagres/passes de mágica. A cena da família testemunhando Kingsley lendo sobre os feitos de uma princesa africana é um símbolo dessa sensibilidade da direção. A câmera se detém nos gestos, nas pequenas alterações de fisionomia ocasionadas pelo orgulho, algo potente também pelo desempenho notável do elenco.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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