Crítica


5

Leitores


20 votos 7

Sinopse

No pequeno vilarejo de Manscheid, em Luxemburgo, uma garota de 15 anos de idade é encontrada morta, e sua irmã gêmea é dada como desaparecida. Luc Capitani, investigador de outra parte do país, é encarregado de solucionar o crime. Aos poucos, ele descobre que o lugar esconde muito mais segredos do que o assassinato da adolescente. Pior do que isso: talvez os moradores não queiram que o caso seja esclarecido.

Crítica

Os primeiros episódios dificultam a tarefa do espectador em se identificar com os personagens. O investigador Luc Capitani (Luc Schiltz), nosso protagonista, é um sujeito grosseiro, arrogante, que trata os moradores da pequena Manscheid como inferiores. Os habitantes constituem basicamente políticos corruptos, soldados agressivos, jovens rebeldes, esposas apáticas, vizinhas fofoqueiras e padres intrusivos. Mesmo a policial Elsa Ley (Sophie Mousel), única figura minimamente gentil do grupo, se revela excessivamente ingênua quanto à má índole alheia. Na intenção de construir um painel sombrio sobre os segredos por trás de um lugar pacato, o criador Thierry Faber oferece uma galeria de personagens desagradáveis. Quando uma garota de 15 anos de idade é assassinada, Luc não demonstra qualquer investimento emocional no caso: ele apenas deseja capturar rapidamente o culpado e partir daquele local o quanto antes. Os moradores tampouco transparecem interesse em ter o mistério desvendado, preferindo ver o forasteiro longe de suas ruas. Os doze episódios são compostos por pessoas descontentes, amargas, cínicas e debochadas, tratando bastante mal umas às outras.

Luc adquire poucos traços de personalidade para além das pistas sobre o crime. Desconhecemos o seu passado, sua visão de mundo, sua especialidade dentro da polícia (ele não aparenta ser um profissional incrivelmente competente, nem muito ruim). Para um projeto voltado às evidências do passado, Os Segredos de Manscheid (2019 – 2020) surpreende ao excluir reconstituições e flashbacks. A maioria dos projetos criminais, de C.S.I. a Lições de um Crime, se baseia na descoberta progressiva da verdade, reconstituída em imagens para o espectador. No entanto, a série luxemburguesa solicita ao público que imagine os conflitos por si próprio, incluindo o importante caso da execução de Da Costa, a suposta crise de drogas sintéticas na região, que jamais parece afetar a comunidade em geral, e o local onde uma das irmãs gêmeas permanece escondida por 24h. Há diversas lacunas que, pelo menos em imagem, Faber opta por deixar sem solução. Os personagens explicam uns aos outros o que ocorreu e como os conflitos sem solucionaram, porém precisamos confiar nas palavras destas pessoas pouco idôneas. Apenas no episódio final o diretor se presta a uma rápida reconstituição do crime, de caráter fantasista, com uma forte luz azulada típica das histórias de fantasia – curiosa escolha para um projeto tão realista.

No que diz respeito às regras do gênero, o roteiro decepciona em comparação com tantas séries mais engenhosas, seja na construção psicológica dos personagens (Mindhunter, The Sinner, A Desordem que Ficou), seja nas reviravoltas da trama (Fargo, O Assassino de Valhalla). As escolhas de direção soam inverossímeis: quando uma adolescente é encontrada viva, os policiais efetuam esforço quase nulo para descobrir o que aconteceu com ela durante o desaparecimento. Luc está investigando um caso capaz de revelar esquemas ilegais dos homens mais poderosos da região, entretanto, não sofre qualquer ameaça ou represália. Seu escritório improvisado em Manscheid deixa provas à mostra, por onde todos os moradores do vilarejo – inclusive os suspeitos – circulam. Um personagem relevante planta uma pista falsa, sem sofrer punição por isso. Outra vende drogas aos jovens da escola, e o fator tampouco importa ao desfecho. Os habitantes e o espectador descobrem dados fundamentais sobre a investigação por meio da televisão e da rádio, aparentemente cobrindo o caso à exaustão. No entanto, não há repórteres à vista.

A série carrega grandes ambições ao embutir alto número de dilemas dentro de um único crime. Talvez por isso sucumba ao peso autoatribuído, sem conseguir desenvolver satisfatoriamente tantas pontas soltas – vide a anexação das cidades, a nova eleição para prefeito e o passado de Carla. Nos episódios do terço central, a dinâmica entre as irmãs Jenny e Tanja torna-se secundária, porque os diretores dedicam tempo excessivo às subtramas. Por um lado, é louvável que busquem construir um suspense tenso passado durante o dia, a partir de “pessoas de bem” – entenda-se: os moradores conservadores, de aparência gentil. Por outro lado, Os Segredos de Manscheid passa longe de uma crítica social ou política mais ampla – drogas, esquemas de corrupção, estupro e abuso de poder funcionam enquanto meros segredos a serem revelados, sem extrair alguma conclusão a respeito desta dinâmica social. A série se encerra no exato momento em que a investigação termina – sinal de que o olhar da mise en scène jamais se preocupou de fato com o impacto do crime na vida dos personagens, apenas com os segredos e mentiras que poderiam plantar no caminho de Luc.

Além disso, o diretor Christophe Wagner, que assina o roteiro junto de Thierry Faber e Eric Lamhene, possui uma maneira atípica de conceber o suspense. Seria esperado que o espectador descobrisse a verdade junto de Luc, nosso herói. Ora, a narrativa decide fornecer apenas para os nossos olhos a resposta de alguns conflitos, sem os personagens o saibam. Quando um homem anônimo deixa um botão caído na floresta após uma luta, a câmera revela ao espectador o dono do objeto. Quando os personagens digitam mensagens secretas de celular, o conteúdo do texto é exposto na tela. Uma troca de identidades é revelada primeiro ao público. O diretor entrega os pontos sem esforço, antes que policiais e moradores juntem as provas suficientes para encontrar a verdade – Wagner se assemelha ao humorista ansioso que conta o final da piada antes de desenvolvê-la. Essa estrutura prejudica ainda mais a tarefa de torcer por Luc, sujeito morno, de camisetas surradas e barba por fazer, porém vaidoso e orgulhoso. As metáforas do lobo representando o perigo na região, e da Chapeuzinho Vermelho na floresta soam óbvias dentro deste contexto. O projeto se conclui de maneira razoável enquanto percurso criminal, porém muito fraca na potência nas imagens e na construção de personagens.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *