Crítica


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Sinopse

Com Nairobi baleada, os demais assaltantes precisam se organizar para fazer uma cirurgia às pressas na amiga, dentro do Banco de Espanha. Paralelamente, Lisboa é levada para a tenda em frente ao local do assalto, onde o coronel Tamayo e a negociadora Alicia Sierra coordenam as investidas do governo. Lá, ela é pressionada a entregar o paradeiro de Professor, ainda foragido.

Crítica

Na estrutura narrativa de séries, existem certos truques para manter a atenção do espectador no decorrer das temporadas: reviravoltas imprevistas, coadjuvantes que despertam repentinamente, relacionamentos que desandam, a morte de um personagem querido. Se você achava que Álex Pina não iria abraçar todas de uma só vez, você ainda não captou qual é a essência de La Casa de Papel.

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Após uma terceira temporada que basicamente reposicionava os personagens principais no contexto de um novo assalto, a quarta tem início com a adrenalina a mil. Mérito do desfecho pulsante, que instigava a curiosidade sobre qual seria o destino de Nairobi (Alba Flores) e Lisboa (Itziar Ituño), após a primeira ser atingida por um disparo e a segunda ser capturada. Como de praxe, La Casa de Papel rende melhor em momentos tensos e isto também se reflete nos esforços para salvar Nairobi, envolvendo quase todos os integrantes da gangue, com sua dose costumeira de exageros. O problema é o que vem logo a seguir.

Em sua sanha em criar o maior número de reviravoltas possível, de forma a sempre capturar a atenção do espectador, Pina erra a mão ao fazer apostas bem questionáveis. A maior delas é na condução de Arturito (Enrique Arce), um dos vilões do primeiro assalto que, de forma canhestra, retorna nesta continuação. Se o público já adorava odiá-lo pela sua postura impositiva, agora tem mais um motivo graças ao direcionamento que o torna um assediador de mulheres (!!!), como se a tensão da situação lhe trouxesse tesão. Este, inclusive, é apenas um dos vários momentos em que o sexo é usado como jogo de poder, na relação entre homens e mulheres. Tanto Nairobi quanto Tokio (Ursula Corberó) são ameaçadas gratuitamente de violência sexual, de forma absolutamente intencional. É exatamente isto que Álex Pina deseja.

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Ressaltar o machismo intrínseco à sociedade é um dos mantras de La Casa de Papel desde a primeira temporada, mas aqui o tema surge de forma tão abrupta que se torna bastante artificial. Há ainda uma certa dubiedade questionável em tal proposta, já que a série força situações claramente machistas de forma a criticá-las mas, ao mesmo tempo, assume uma postura desigual entre homens e mulheres na condução das personagens no decorrer da narrativa. Dois pesos e duas medidas, ainda mais porque, no segundo caso, o preconceito surge de forma maquiada, seja em detalhes ou numa análise mais ampla da conjuntura proposta.

Tamanha artificialidade desponta também graças ao excesso de flashbacks que norteia a quarta temporada, cujo objetivo escancarado é resgatar o popular Berlim (Pedro Alonso). A narrativa não exige tamanho destaque ao personagem, assim como as várias sequências revisionistas que ressaltam o clima de camaradagem, existente antes mesmo do primeiro golpe. No fim das contas, tais trechos trazem uma imensa barriga à temporada.

O mesmo vale para outro truque da série, o que situa assaltos como o melhor lugar possível para fazer (e desfazer) relacionamentos. Impressiona a obsessão para que todos os personagens tenham algum tipo de relacionamento, seja sexual ou de mero interesse, assim como a fragilidade nas brigas e discussões retratadas. Juntamente com o golpe tosco de Palermo (Rodrigo de la Serna), são eles o principal motivo da primeira metade da temporada ser tão arrastada e desinteressante. Até o sexto episódio, quando mais um coelho é tirado da cartola e um personagem relevante se vai.

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Seja pelo sucesso do golpe anterior ou pelo apoio popular em níveis inéditos, o assalto ao Banco de Espanha era até então tratado com uma certa leveza pelos envolvidos, que pouco condizia com o retratado. O trauma do sexto episódio altera tal percepção, trazendo um sentido de urgência e perigo até então inexistente. Pena que, para que isto aconteça, Pina teve que apelar para mais um clichê, o da ascensão de um coadjuvante terciário que se mostra o vilão mais letal de todos. Construído sob a aura de psicopata, é fácil não gostar de Gandía (José Manuel Poga). Não há sutilezas nele, assim como em praticamente tudo que esta temporada entrega. Mas Gandía não está só, a quarta temporada ascende outros novatos – uns com participação relevante, outros claramente plantados de olho na inevitável quinta temporada.

Nos dois últimos episódios, La Casa de Papel engata a quinta marcha rumo ao absurdo completo! Por mais que sempre houvesse uma boa dose de exagero, a narrativa ainda respeitava uma certa lógica interna que dava alguma razoabilidade à trama rocambolesca. Com Professor (Álvaro Morte) pressionado como nunca, Pina chuta de vez o balde e pouco se importa em dar alguma justificativa, é assim e ponto final. As reviravoltas supostamente elaboradas são mera cortina de fumaça para um roteiro sem pé nem cabeça, que ainda justifica tamanha fragilidade pela urgência de momento. Mais picareta, impossível!

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A quarta temporada de La Casa de Papel chega ao fim com o gosto amargo de obrigar seus espectadores a acompanharem mais uma leva de episódios, para saber como será o desfecho desta história. Formulaica até dizer chega de forma a espremer ao máximo os pontos altos do assalto original, a série demonstra cansaço pela ausência de novas ideias em meio ao esgotamento de seus temas iniciais. A melhor delas, uma vez mais, é a repercussão dos assaltantes junto a quem está fora do banco e torcendo por eles, metáfora escancarada ao descontentamento e cansaço da população com os desmandos e excessos cometidos pelo Estado mundo afora.

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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