Crítica


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Sinopse

Desde que sua curta vida como super-heroína acabou de forma trágica, Jessica Jones vem reconstruindo sua carreira e passou a levar a vida como detetive particular no bairro de Hell's Kitchen, em Nova York, na sua própria agência de investigações, a Alias Investigations. Traumatizada por eventos anteriores de sua vida, ela sofre de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, e tenta fazer com que seus super-poderes passem despercebidos pelos seus clientes. Mas, mesmo tentando fugir do passado, seus demônios particulares vão voltar a perseguí-la, na figura de Kilgrave, um obsessivo vilão que fará de tudo para chamar a atenção de Jessica.

Crítica

Jessica Jones (Krysten Ritter) passou por bons perrengues em sua primeira temporada, lá no final de 2015. Porém, mesmo com todos os seus traumas e uma personalidade complicada de lidar, ela conseguiu um grande feito: se livrar de Kilgrave (David Tennant), o homem que a dominou e abusou dela física e mentalmente. Ele está morto. Mas será que os problemas da anti-heroína chegaram ao fim? O carisma birrento da personagem foi um dos grandes atrativos da morna (porém divertida e rápida) primeira temporada de Os Defensores (2017), lançada na metade do ano passado. Não à toa, a ansiedade pela segunda parte de sua história solo só aumentou, ainda mais com um intervalo de dois anos e cinco meses desde a sua estreia. Para dar um gás com toques de originalidade, a solução encontrada pelos criadores de Jessica Jones, a série, foi focar totalmente nas mulheres – em frente e atrás das câmeras, já que todos os 13 capítulos da season 2 foram dirigidos e roteirizados por mãos femininas. O resultado é mais um produto acima da média, ainda que com algumas arestas à solta.

Jessica parece não ter mudado muito sua rotina. Continua à frente de casos de adultério e afins em sua Alias Investigações, com Malcolm (Eka Darville) como o assistente que o precisa, mesmo que não demonstre. O rapaz, agora livre das drogas, encontrou outro vício: sexo casual. Ao mesmo tempo, Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss), a advogada badass, está com uma doença terminal e sofre assédio dos sócios para se desligar da empresa. E Trish Walker (Rachael Taylor), a melhor amiga de Jessica, descobre pistas sobre o passado de sua irmã adotiva que podem estar relacionados com a expansão dos poderes de Jones. O que será que a empresa IGH tem a ver com isso? E quem é a mulher misteriosa (Janet McTeer) que aparece para assombrar o passado da anti-heroína? O ponto de partida para todas estas conexões é um cliente indesejado que afirma ter superpoderes, ainda que Jessica não acredite em sua história. Afinal, com a "fama" de ter matado Kilgrave, o número de malucos batendo à sua porta aumentou. E no meio desse turbilhão, quem ela não conta que pode ser mais que um vizinho é Oscar (J.R. Ramirez), o novo síndico do prédio.

A nova temporada pode parecer estranha para os mais ferrenhos fãs da personagem nos quadrinhos, pois o distanciamento das HQs é notável aqui. Enquanto a primeira parte da série adaptou com louvor uma das melhores sagas de Jessica nas páginas dos gibis, agora a história é totalmente inédita. É um frescor em meio a tantos lançamentos do gênero que sempre se focam num formato quadrado com grandes vilões precisando ser destronados para que se chegue a um final feliz – ou o mais próximo disso. O que temos desta vez é um olhar totalmente voltado a questões familiares, com direito a um episódio que se passa anos atrás, pré-Kilgrave, com Jones mais aberta a relacionamentos interpessoais, ainda que mantenha seu ar blasé, e com Trish mesclando humor e drama na mesma densidade na sua época de cantora pop descartável detentora de hits musicais. É uma pausa muito bem-vinda no meio da temporada para nos situarmos após um plot twist que revira a história de ponta-cabeça e dá rumos mais intensos e enérgicos após cinco episódios em que as coisas andavam devagar. Não que sejam ruins ou totalmente descartáveis, pois explicam como andam os personagens após tanto tempo. Porém, a Netflix precise aprender (algo que, justamente, deu certo com Os Defensores) que suas séries não precisam ter um número religioso de capítulos por temporada. É preciso contar a história com o tempo necessário. Se cortasse de 13 para 8 episódios, o roteiro ficaria ainda mais redondo.

Mas afinal, o que pensam Jessica, Trish e companhia? O clima noir se instala de uma forma interessante neste mundo de super-heróis que pulam de prédio em prédio, voam e disparam rajadas lasers e, como a protagonista, tem força acima do comum. A ligação com o mundo estabelecido pela Marvel nos cinemas não é feita de forma direta desta vez, com algumas poucas informações que se ligam ao Universo Estendido da Marvel. Porém, está tudo ali, ainda que num retrato mais intimista. O conflito principal, dentre tantos outros que se fala durante a temporada, é em como Jessica se porta com seus mais próximos. Especialmente Trish, que continua na sua luta para que a irmã se torne heroína de verdade, porque a própria locutora de rádio quer se tornar uma. E as consequências disso vão ficando cada vez mais graves e interessantes no decorrer dos episódios. Afinal, por mais que se ame, esta dupla tem personalidades tão distintas que fica impossível não entender como elas se aproximam e se retraem na mesma medida.

Não à toa as mães de ambas se tornem peças-chave na história. Jessica a perdeu 17 anos atrás em um acidente de carro. Trish tem uma relação explosiva com a sua, que a ama e explora sua fama na mesma medida. São dois lados de uma moeda com histórias diferentes, mas que se unem justamente pelos traumas maternos. Por conta desse foco, não é estranho se perguntar se a participação de Jeri (por melhor que sejam a personagem e sua intérprete) não deveria ser deixada de lado. Afinal, no frigir dos ovos, há um desenvolvimento interessante, mas descartável no contexto geral. Mesmo Malcolm volta e meia parece subaproveitado, ainda que tenha uma amplitude maior na trama. Como dito, é aquela gordurinha extra das séries da Netflix que acabam por estender o número e a duração dos episódios sem grande necessidade. Ainda mais se levarmos em conta que não há um grande vilão nesta temporada, além da subjetividade dos laços familiares. Talvez, por isso mesmo, Kilgrave volte em um episódio (não vale dizer de que jeito) para que os fãs não sintam tanto a falta de uma figura maléfica.

Porém, mesmo com estes problemas que não estragam a experiência como um todo, o fato de mulheres estarem no controle em 100% dos episódios acaba tornando esta temporada mais feminista, ainda que não panfletária. Há uma discussão sobre o papel da mulher na sociedade atual, com figuras fortes sempre tomando à frente, o lugar da mãe e como ele não precisa ser aquela doçura do comercial de margarina, além do vício em drogas e abusos emocionais e sexuais também estarem em pauta. Não, Jessica Jones não é um produto "feminazi" (termo horrendo) que muitos gostariam de classificar. É um retrato humano sobre como o heroísmo pode estar no sangue, mas não precisa ser aquele clichê de sempre. Pra isso já tem o Homem de Ferro e outros tantos neste universo. O importante aqui é discutir a profundidade de cada escolhas, bem tomadas ou não, e como elas afetaram o passado e acabam refletindo sobre nosso próprio futuro. Aliás, qual será o de Jessica Jones? Afinal, se há algo que ninguém discute é a força desta personagem no mundo audiovisual da Marvel. Com uma intérprete que merece prêmios por sua performance cada vez mais à vontade e ainda mais complexa (Krysten Ritter é um monstro em cena), boas histórias não faltam para serem contadas. Só precisam de menos tempo em tela, com mais objetividade. E se depender do público, torcida é o que não vai faltar para ela voltar o mais breve possível para a telinha. Precisamos.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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