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Sinopse

Trinta anos depois do embate entre Daniel LaRusso e Johnny Lawrence, a rivalidade desses dois ressurge quando Lawrence decide retomar sua vida por meio do infame dojo Cobra Kai. Enquanto ele busca redenção, o agora bem-sucedido Daniel, por sua vez, tenta superar os desafios de sua vida sem a ajuda do seu mentor, o Sr. Miyagi.

Crítica

Produção original do YouTube Premium, a segunda temporada de Cobra Kai mantém a qualidade da excelente primeira leva de episódios, o que, para começo de conversa, é uma proeza a ser celebrada. Apoiada no universo da saga Karatê Kid, a série amplia e reforça questões antes lançadas com habilidade, sendo uma das principais delas a necessidade íntima de corresponder às expectativas de figuras paternas, como acontece durante boa parte do ano dois quando John Kreese (Martin Kove), o inescrupuloso fundador do Cobra Kai, retorna para tentar retomar aquilo que acredita ser seu. Johnny (William Zabka), após conduzir Miguel (Xolo Maridueña) à vitória no torneio local, parece finalmente encontrar um caminho, ainda que continue ressentindo-se da falta do filho, Robby (Tanner Buchanan), então cada vez mais próximo de seu algoz Daniel (Ralph Macchio). As relações estabelecidas funcionam como gatilhos para a intensificação da rivalidade vital ao conjunto.

Tanto a série se reporta mais à disputa entre os antagonistas de longa data, que, por exemplo, Miguel passa a ser essencial apenas nos episódios finais. Todavia, por conta do desfecho da segunda temporada, fica evidente que esse deslocamento do garoto à periferia narrativa é um estratagema para tornar os momentos derradeiros ainda mais dramáticos. Estes são construídos sobre os pilares da explosão de violência que culmina com a deflagração de encruzilhadas, diante das quais se encontram praticamente todos os personagens fundamentais. Todavia, o jovem Cobra Kai é quem mais sofre na pele os efeitos da onda de hostilidade, cuja gênese está realmente em Karatê Kid: A Hora da Verdade (1984). Por mais que ambos os sensei tentem se concentrar nos desenvolvimentos de suas filosofias esportivas, a ojeriza que um tem do outro acaba contaminando todos ao redor. Rareiam os espaços às relativizações na briga entre o Cobra Kai e o Miyagi-Do.

A autoridade de Johnny é posta em xeque pelo comportamento traiçoeiro do antigo mestre. Cobra Kai chega a ensaiar o vislumbre do ex-militar como alguém vitimado pelas circunstâncias, atualmente morando num abrigo e sem muitas perspectivas. Porém, é necessário que o protagonista rompa com essa influência nefasta e ardilosa, que simbolicamente sacrifique seu "pai" para assumir efetivamente a posição de guia a uma juventude que, repleta de fúria e questões a serem resolvidas, adere facilmente a discursos de ódio e supremacia por meio da força bruta. Ainda que a série permaneça focada na densa dinâmica dos adultos, o núcleo adolescente ganha novas figuras constantes, como Demetri (Gianni Decenzo), o atrapalhado nerd que sente falta do amigo Hawk (Jacob Bertrand), este seduzido pelas benesses sociais de ser temido, isso após sofrer toda sorte de discriminações. Engenhosamente, a trama é muito bem equilibrada entre essas instâncias.

Quando detido nos adolescentes, Cobra Kai aborda especialmente o bullying, apresentando opressores e oprimidos a partir de prismas que oferecem complexidades. Hawk, por exemplo, é posto numa perspectiva abrangente, analisado como crescentemente adepto da violência e da falta de piedade – algo que Johnny quer deixar para trás no projeto de revitalização do Cobra Kai –, mas a partir do vislumbre de seu martírio anterior. Num outro aspecto, Tory (Peyton List), a impetuosa nova namorada de Miguel, menciona o recorte de classe a fim de rechaçar a sua oponente, Sam (Mary Mouser). Para além dos impasses concernentes às dimensões românticas, pois há apaixonados separados pela tensão existente entre os mais velhos, os embates protagonizados pelos aprendizes estão ligados aos padrões estabelecidos um tanto infantilmente pelos professores. Há terreno na segunda temporada para belas homenagens, como o passeio de moto dos amigos.

Deixando espaços estratégicos para a entrada do humor, Cobra Kai gradativamente adensa a sensação de incompatibilidade entre Johnny e Daniel, algo certamente conciliável, claro, se ambos tivessem boa vontade, como visto no episódio em que confraternizam. Metades de uma mesma moeda, dispersos por conta da atenção às suas diferenças e não às semelhanças insuspeitas que os tornam mais parecidos do que gostariam, os dois têm diversos instantes para externar o descontentamento mútuo, partindo às vias de fato quando os filhos se envolvem numa situação controversa. Eles inspiram nos aprendizes coisas boas, mas também, involuntariamente, transmitem a eles a antipatia que os distancia. Guardando ótimas cartas na manga para o intenso último episódio, vide a tomada da mensagem que fornece um gancho e tanto à confirmada terceira temporada, a série continua num caminho fértil, atualizando a saga principiada no cinema e a homenageando.

Cobra Kai, mesmo que timidamente, traz à baila discussões acerca de representatividade, a começar pelas personagens femininas fortificadas no decurso do enredo. Não é apenas o destaque à Amanda (Courtney Henggeler), esposa de Daniel, que atesta isso, mas a resolutividade das adolescentes, embora suas demandas ainda sejam bastante delimitadas pelo amor sentido pelos garotos. O namoro entre duas meninas e o rápido plano de alguém com uma camiseta dizendo que o mundo é das mulheres (isso num dojo momentaneamente comandado pelo linha-dura John Kreese) são indícios dessa conexão com os assuntos pertinentes ao hoje. A encenação prioriza o dinamismo narrativo e os personagens, se atendo às batalhas pessoais que cada um trava, evitando a demonização, a não ser de Kreese, que obviamente desempenha a função de vilão incorrigível. Fonte de inspiração e empecilho, o caratê gera instabilidade porque seus praticantes, tanto os do Cobra Kai quanto os do Miyagi-Do, não chegaram ao almejado equilíbrio. Trata-se, portanto, de uma busca semelhante.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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