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Sinopse

Trinta anos depois do embate entre Daniel LaRusso e Johnny Lawrence, a rivalidade desses dois ressurge quando Lawrence decide retomar sua vida por meio do infame dojo Cobra Kai. Enquanto ele busca redenção, o agora bem-sucedido Daniel, por sua vez, tenta superar os desafios de sua vida sem a ajuda do seu mentor, o Sr. Miyagi.

Crítica

Um dos momentos emblemáticos do cinema norte-americano oitentista destinado ao público infanto-juvenil é o golpe que Daniel LaRusso (Ralph Macchio) disfere nas fuças de Johnny (William Zabka) em Karatê Kid: A Hora da Verdade (1984). Instante de superação e catarse, ele definiu a improvável vitória do antes frágil forasteiro que sofria bullying na escola, depois guiado pelo Sr. Miyagi (Pat Morita) através dos caminhos da filosofia carateca. É a velha luta do bem contra o mal tendo o desfecho esperado, ou seja, com os humilhados sendo exaltados, recompensa a uma conduta retilínea. Dentro da onda de resgates de ícones da cultura pop dos anos 80, nenhum outro produto audiovisual é bem-sucedido como Cobra Kai. A série desenvolvida pelo YouTube Red, servido de streaming da gigante dos vídeos, não se contenta em capitalizar sobre uma franquia de grande sucesso, tampouco em manter os personagens num lugar absolutamente confortável. É, ao mesmo tempo, reverente, nostálgica e empenhada em desenvolver as pessoas para além dos arquétipos imperativos nos (ótimos) longas-metragens. Tudo isso sem trair o espírito original, dando-lhe novos contornos.

O protagonista de Cobra Kai é Johnny, outrora o antagonista riquinho e mimado que fez do cotidiano de Daniel um inferno. Para começo de conversa, há uma inversão, pois o antes abastado está quebrado financeiramente, trabalhando com reparos e serviços domésticos, enquanto LaRusso se tornou o proeminente dono de uma rede de lojas de automóveis de luxo – temos, aí, para quem se lembra do treinamento imposto pelo Sr. Miyagi, uma piscadela que o roteiro insere, e elas são diversas. A simples troca de papeis sociais indica um dos principais pilares da série, exatamente a análise do conceito de vitória. Nos Estados Unidos, terra onde a necessidade de ganhar parece instilada diariamente no café da manhã, servida junto com as panquecas e o cereal, faz sentido que Johnny tenha amargado uma trajetória de infortúnios após perder a fatídica luta que poderia tê-lo tornado alguém. Nesse sentido, é também sintomática a delineação de Daniel como um homem acomodado na sua nova função de empresário, tratado pelo enredo como um burguês tipificado, aquele que chega a utilizar influência para apequenar ainda mais o seu maior adversário da adolescência.

Mas, Cobra Kai, em meio à utilização de signos pontuais, como a exibição de Águia de Aço (1986), outro “clássico” que curtíamos na Sessão da Tarde, gradativamente vai oferecendo matizes que tornam os personagens mais densos e profundos. Daniel expõe fragilidades, inclusive de caráter, mas, em semelhante medida, a hombridade que o caracterizava nos longas. Nada mal para o discípulo do Sr. Miyagi. Johnny, por sua vez, alçado ao posto de figura central, é o derrotado, vitimado pelo descaso parental, algo que ele reproduz ao praticamente abandonar o filho aos cuidados de uma mãe tampouco zelosa. A rivalidade entre os lutadores é transferida aos seus respectivos alunos de caratê, Miguel (Xolo Maridueña), que adquire confiança para sobrepujar o bullying, vejam só, por meio dos ensinamentos do dojo mais casca-grossa de Reseda, e Robby (Tanner Buchanan), que furtivamente acaba recebendo ensinamentos valiosos do algoz de seu pai. Para ampliar a alusão, especialmente a Karatê Kid: A Hora da Verdade, a clara configuração de um possível triângulo amoroso, de forma semelhante ao que ocorre na famosa produção dirigida por John G. Avildsen.

Outros elementos imprescindíveis nos dez episódios desta excelente temporada são as concepções de paternidade. Primeiro, com a representação frontal de diferenças que separam rebentos de seus genitores. Acontece de maneira mais contundente com Robby, negligenciado por Johnny (o que determina boa parte de seu futuro), logo “adotado” por Daniel, que enxerga nele potencial para a luta. É vista, de jeitos bem diferentes, na alienação do caçula LaRusso, que não interage por estar sempre ligado em divertimentos eletrônicos, e em Samantha (Mary Mouser), a despeito de ser uma boa moça, enfrentando dificuldades para estabelecer comunicação com o pai superprotetor que, por sua vez, encara a estranheza de vê-la crescer. Segundo, com a demonstração da importância de Miyagi e de John Kreese (Martin Kove) ao caminho seguido por Daniel e Johnny. Os discípulos são privados do convívio paterno, o que chega a quase aproxima-los em dado momento da série. Esse traço em comum, contudo, não é suficiente para dirimir a rivalidade vista como a exposição de lados de uma mesma moeda. No fim das contas, embora possuam temperamentos distintos, são semelhantes na essência.

Cobra Kai possui um roteiro bastante preciso e engenhoso no que concerne à justaposição dos componentes subjacentes que alimentam e enriquecem o que permanece na superfície. Há algumas pegadinhas engraçadas, como o momento em que Daniel esfrega as mãos, assim como o Sr. Miyagi, para logo depois chamar o médico, sabendo que não poderá simplesmente curar o pupilo que sente as dores da trapaça alheia. Johnny reverbera os ensinamentos tortuosos que lhe levaram à danação, produzindo vencedores, mas também distorções, das leves às mais acintosas – como o garoto que ganha força após se tornar um Cobra Kai, virando o jogo e passando a oprimir colegas mais fracos. Tudo isso é construído com muita acuidade por uma estrutura narrativa não disposta a atuar sobre meras lições de moral ou o que as valha. Dá para dizer, até, que a série de televisão aproveita o que de melhor os filmes têm, proporcionando bons momentos de luta, inclusive, mas se focando detidamente nas pessoas, naquilo que as fazem ser circunstancialmente, não sempre, boas ou más. Os novos Daniel-san e Johnny, de Ralph Macchio e William Zabka, se completam, forjando o equilíbrio.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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