Crítica
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Sinopse
Criaturas míticas evoluídas do folclore brasileiro habitam um mundo subterrâneo. Durante a investigação de um assassinato, um detetive se vê no meio da batalha entre os dois universos possíveis, o visível e o invisível.
Crítica
O folclore brasileiro é uma fonte inesgotável raramente aproveitada pelo nosso audiovisual. Cidade Invisível surge para ajudar a completar essa lacuna, trazendo criaturas fantásticas, tais como o Saci Pererê, a Cuca, o Curupira, a Mãe d’água e o Tutu Marambá. Isso entre várias que podem fazer aparições nas próximas temporadas – cuja realização não foi confirmada, mas de existência provável, vide o sucesso internacional que a série original Netflix concebida por Carlos Saldanha vem fazendo. O começo exibe estruturas e modelos bastante consagrados. O protagonista é Eric (Marco Pigossi), policial atormentado pela recente perda trágica da esposa. Como ele, há inúmeros sujeitos equivalentes, portadores de distintivos que entram numa espiral de obsessão para encontrar o culpado pela morte de um ente querido, nisso não raro infringindo a lei para conseguir acelerar processos entravados pelos protocolos. Também não é necessariamente incomum alguém que, em meio a uma jornada desse nível, acabe descobrindo fatos ignorados a respeito da própria existência, o que trata de embaralhar as coisas. Eric é semelhante ao personagem principal de Deuses Americanos (2017-).
Aliás, até em tom os primeiros episódios de Cidade Invisível remetem à série baseada no livro homônimo de Neil Gaiman. Como lá, aqui temos um homem mergulhando num insuspeito mundo mágico repleto de seres extraordinários. Estes habitam recantos banais e se misturam aos humanos em virtude de necessidade de sobreviver. A ignorância dirimida assim que o protagonista avança rápida e simultaneamente rumo às descobertas de foro íntimo não foi uma invenção de Gaiman, mas a comparação encontra propósito na proximidade e noutras similaridades – o terceiro ano de Deuses Americanos acabou de ser lançado. Porém, tal equiparação não visa tirar méritos do programa brasileiro, servindo neste texto tão e somente como uma ponte possível. Desde o começo, a trama apresenta um vigor capaz de sustentar nossa atenção, personagens cativantes e um sabor especial justamente pela forma como trabalha a inserção das entidades mágicas dentro do contexto urbano do Rio de Janeiro. Isac, o Saci (Wesley Guimarães), por exemplo, mora numa ocupação no bairro boêmio da Lapa, não distante do bar onde Inês, a Cuca (Alessandra Negrini), tem o seu idílio etílico.
Ao longo dos ótimos sete episódios, as profundezas das intrigas se desenvolvem paulatinamente, embora haja um painel geral atendendo a uma dinâmica comumente utilizada para denunciar o caráter insidioso do progresso. Os moradores de uma comunidade ribeirinha são assediados por uma grande construtora que deseja desapropriar seu terreno privilegiado a fim de nele construir um empreendimento nababesco. Já vimos esse filme. O que não deixa o lugar-comum dominar Cidade Invisível é justamente o tempero folclórico brasileiro. Os mistérios em torno do sujeito galanteador que se transforma em Boto; a Mãe D’água (sereia) que não consegue pela primeira vez carregar uma vítima ao fundo do mar fatalmente; a líder considerada bruxa, cuja participação é habilmente ambígua; o Tutu desempenhando a função de guarda-costas, e o Saci deambulando pela cidade, ora mensageiro, ora simplesmente pregando peças. Aos poucos, o conjunto vai se desprendendo um pouco das convenções, mergulhando mais vertiginosamente no que tem de peculiar, assim crescendo rumo ao encerramento. A ideia de deixar um gosto de “quero mais” é muito bem-sucedida.
Cidade Invisível tem expedientes engenhosos. Um deles, as “aparições” da esposa morta, organicamente embutidas nos trajetos de Eric. A presença dela esvanece em meio aos cortes da montagem ou mesmo à simples movimentação da câmera. Isso amplia o martírio do protagonista, a saudade sentida daquela que não está ao seu lado. No entanto, a aventura sobrepuja ligeiramente uma investigação da relação pregressa do casal, restringindo esse quesito a um par de vislumbres insuficientes para configurar culpa ou consolidar a nostalgia como fator principal de angústia. Para compensar, os diretores Luis Carone e Júlia Pacheco Jordão intensificam a guerra anunciada entre Iberê, o Curupira (Fábio Lago), e o Corpo-seco, espírito obsessor de alguém que cometeu atrocidades em vida, um regurgitado pela terra que não aceita de bom grado suas carnes putrefatas. Outra estratégia narrativa interessante é a utilização e prólogos curtos que eficientemente apresentam a história pregressa dos mitos, curiosamente todos humanos normais antes de serem encantados.
O elenco é um ponto positivo de Cidade Invisível, encabeçado por um Marco Pigossi que não vacila diante da responsabilidade do protagonismo. Vários são os destaques. A feiticeira perigosa de Alessandra Negrini; o guardião encarnado por José Dumont; a sereia interpretada por Jéssica Córes; e o chefe de departamento enigmático de Rafael Sieg. Entretanto, o destaque maior, embora restrito a pequenas participações ao longo de boa parte dos episódios, mas com o devido palco para brilhar nos derradeiros, é Fábio Lago. Não se trata apenas de sua capacidade de tornar crível a metamorfose que faz o Curupira deixar para trás a carcaça de mito ensimesmado, numa situação de miserabilidade, e retomar o posto de espírito guardião da floresta. Ele sobressai pela composição corporal do legendário, em virtude do modo como incorpora a força da natureza não somente nas feições, mas também expondo-a por meio dos gestos, dos meneios, do caminhar trôpego e do trabalho vocal. Com efeitos especiais muito convincentes, a série empolga pela delineação do suspense e a destreza ao mostrar o embate após um competente fomento de expectativas. Que venha logo a continuação.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 7 |
Ticiano Osorio | 4 |
Robledo Milani | 7 |
Daniel Oliveira | 7 |
Lucas Salgado | 6 |
MÉDIA | 6.2 |
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