Crítica


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Sinopse

Pia Bakke é uma garota norueguesa que viaja para o Monte Sinai. Quando é sequestrada pelas forças do Exército Islâmico, a mãe e o pai exploram seus contatos para libertarem a garota o quanto antes. Mas a negociação, que envolve o governo israelense e o Hamas, cobra um preço alto de todos os envolvidos.

Crítica

A Garota de Oslo (2021) parte do pressuposto que o enfrentamento entre Israel e Palestina, ou entre Hamas e o Estado Islâmico, é muito empolgante de ver na televisão. Acredita-se no interesse de acompanhar grandes chefões do crime, capatazes com suas metralhadoras, vilões executando pobres reféns, políticos de moral dúbia, agentes infiltrados jogando para a equipe oposta, assassinos arrependidos e mães-coragem dispostas a tudo para salvar sua garotinha raptada. A série está repleta de sequências de gritos, choro, desespero, gestos de bravura e negociações com chantagens e ameaças. A jovem do título nacional resta uma coadjuvante nesta história que prefere se dedicar ao esforço dos adultos para resgatá-la (o título original prefere o amplo “Sequestrado”). Em termos de suspense e ação, o resultado funciona: como não torcer pela garota gentil, jogada de um calabouço ao outro, resistindo enquanto facões se aproximam de seu pescoço? Como não se apiedar pela mãe valente, pelo pai forte? O projeto apela a sentimentos universais ligados ao maniqueísmo: há homens malvados e outros bonzinhos. No lado norueguês, são gentis e corretos. No lado israelense, são corajosos e espertos na negociação. Já os sujeitos perversos se situam, sem exceção, entre os muçulmanos e árabes — sem surpresas, a série é criada e escrita por noruegueses e israelenses, sem a participação de palestinos no processo criativo. 

Esta configuração produz um olhar estrangeiro, um retrato do outro. Forçando um pouco a interpretação, pode-se dizer que se trata de um produto de exportação sobre o embate Israel-Palestina, no sentido de representar a vida destes indivíduos exclusivamente pelo prisma da guerra sanguinária. Há um único conflito movendo a integralidade da narrativa: o sequestro de Pia Bakke (Andrea Berntzen) no episódio inicial, junto de dois colegas locais. Roteiros intricados exploram o fato que tragédias pessoas nunca interrompem o andamento da sociedade ao redor (ou seja, uma mãe triste ainda precisa pagar as contas, trabalhar, cuidar da casa etc.). Entretanto, o roteiro de Kyrre Holm Johannessen e Ronit Weiss-Berkowitz permite que o impasse humano e diplomático monopolize os dez episódios. Arik (Amos Tamam), um político importantíssimo, não tem nenhum outro dilema a resolver, exceto pelo rapto da menina. A mãe Alex (Anneke von der Lippe) e o pai Karl (Anders T. Andersen) consagram dias e noites inteiros ao caso. Qualquer personagem que entre no enquadramento participará ao processo de soltura. Curiosamente, os autores se preocupam bastante com o bem-estar de Pia, porém menos com a integridade física e emocional dos colegas raptados em situação semelhante. Embora se mencione com frequência o fracasso dos acordos de paz em Oslo, 1993, os responsáveis são desculpados, porque “fizeram o melhor que podiam”. O eurocentrismo jamais se encontra muito longe.

Neste sentido, preserva-se uma separação clara entre as funções esperadas de cada gênero, religião e nacionalidade. Pia grita quando deveria ficar quieta no cativeiro, adota gestos impulsivos e se descontrola; enquanto o colega Nadav (Daniel Litman), em situação idêntica, com um ferimento grave na perna, preserva a frieza e a racionalidade. Entre os adultos, destaque para a oposição entre os olhos marejados e as falas impulsivas de Alex contra o sorriso diplomático de Arik. Aqui, mulheres se tornam emotivas ou histéricas, enquanto homens preservam a tranquilidade e o senso de estratégia. Homens e rapazes muçulmanos carregam um olhar feroz, já os israelenses, ainda que rancorosos contra os vizinhos, se mostram capazes de escutar opiniões contrárias e mudar de ideia. A Garota de Oslo apela ao imaginário popular do terrorismo por um ponto de vista distante e moralmente carregado. Nunca conhecemos ao certo as motivações de Estado Islâmico, Daesh, Hamas, limitados a grupos contrários de estrutura semelhante. O texto se esforça em mostrar que existem algumas pessoas boas entre os criminosos, caso de Yusuf (Shadi Mar’i), o garoto arrependido, retratado ironicamente enquanto a exceção que confirma a regra. Bombardeios surgem pela decisão de um único homem; emboscadas se organizam sem discussão nem planejamento; reuniões de civis com o alto líder do Hamas ocorrem com facilidade espantosa. O texto simplifica o mundo para torná-lo acessível ao público médio.

No caminho, os autores introduzem recursos de dramaturgia capazes de conquistar o espectador que considera a guerra cinematograficamente interessante, mas histórica e politicamente entediante. Trata-se de uma sucessão de conveniências e coincidências: o homem com maior potencial de liberar Pia é o antigo amante da mãe da garota. O principal algoz das forças extremistas é o filho da melhor amiga de Alex. Quando um prisioneiro político necessita de um novo julgamento, será Karl, um poderoso advogado, que realizará o processo. Arik tem um melhor amigo mercenário, sempre disponível para intervir quando solicitado, e Layla possui caminho direto para negociar com Bashir. O Oriente Médio se reúne a cerca de oito personagens encarregados de representar seus países e grupos políticos. Na hora oportuna, serão reveladas paternidades escondidas, triângulos amorosos, a identidade secreta de carcereiros. Estamos próximos de uma novela, no melhor e no pior sentido do termo: melhor, pela capacidade de engajamento e de fricção entre diversos setores da sociedade; e pior, pelo aspecto simplório com que se faz tal aproximação. Assistindo à primeira temporada, o espectador pode acreditar que sequestros e resgates se organizam com boa vontade, coragem e lágrimas, ao invés de jogadas políticas envolvendo interesses ambíguos. Os diretores Uri Barbash e Stian Kristiansen precisam garantir que os mocinhos prevaleçam e os bandidos sejam punidos. Tudo o que vier entre o começo (o crime) e o final (a resolução do mesmo) constituirá mero instrumento para sustentar a tensão e oferecer ao público um pouco mais dessa divertida exploração do sofrimento alheio.

Em termos estéticos, a série sofre com alguns problemas, sobretudo no que diz respeito à montagem. As cenas se esticam demais nos episódios intermediários, e problemas de continuidade chamam a atenção: Alex chora copiosamente numa conversa com Arik, mas no contraplano, as lágrimas secaram. Ela conversa com Layla e, no contraplano, a edição tenta enfiar falas ao rosto em 3/4, que claramente não pronuncia uma palavra sequer. Os atores se esforçam dentro do registro de pecados e virtudes: mártires choram e se apiedam; sequestradores ameaçam e gritam; negociadores franzem os olhos e refletem com ar de tensão sob a luz escura de um escritório. A decisão de tornar acessível um dilema fundamental da modernidade, a exemplo do embate entre Israel e Palestina, possui méritos e justificativas evidentes. Com a multiplicação destes projetos em plataformas de streaming (Fauda é outra série semelhante, pela Netflix), o público amplo se depara, talvez pela primeira vez, com histórias na faixa de Gaza — e convenhamos, estas narrativas avançam muito na representação de sociedades orientais em relação a O Clone ou O Caminho das Índias. Entretanto, a possibilidade de efetuar um retrato naturalista e próximo dos fatos também implica em maior responsabilidade artística e política em relação a estes. A Garota de Oslo parte do drama de uma família norueguesa, e terminará assim que alguma forma de solução for encontrada ao núcleo europeu. O cenário onde o sequestro ocorre seguirá com problemas idênticos, mas pouco importa: a série se importava apenas com Pia.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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