O calor intenso que castigou os participantes da 3ª Mostra Sesc de Cinema no domingo e na segunda-feira deu uma trégua na terça, 05. Nesse clima mais ameno, além das mesas matutinas que discutiram os curtas exibidos no dia anterior e das sessões de reprise, o que se destacou no quarto dia foi o debate em torno da distribuição. Não é uma novidade falar que esta parte da nossa cadeia audiovisual é um gargalo. Há dificuldades para fazer determinados filmes, não apenas os brasileiros, chegarem ao público. E a fim de colocar em crise o assunto, estiveram presentes na Casa da Cultura de Paraty: Felipe Lopes, da Vitrine Filmes; Daniel Queiroz, da Embaúba Filmes; Eduardo Garretto, da Zeta Filmes; Argel Medeiros, da Olhar Distribuição; e Priscila Miranda do Rosário, da Fênix Filmes.

Não seria preciso ir além da fase de apresentações para construir uma narrativa sintomática da atuação de cada uma das empresas então representadas no evento. Todos falaram de forma muito eloquente e rica ao se dirigirem pela primeira vez à plateia que compareceu em grande número para ser parte efetiva da discussão que diz respeito à estrutura audiovisual. Abaixo os principais pontos levantados por cada um dos distribuidores convidados.

Daniel Queiroz, Eduardo Garretto, Marco Fialho, Felipe Lopes, Argel Medeiros e Priscila Miranda do Rosário

DANIEL QUEIROZ (EMBAÚBA FILMES)
Daniel falou bastante de sua trajetória pregressa, estabelecendo conexão entre sua função anterior de programador e a atividade atual na distribuição. Segundo ele, a Embaúba Filmes tem como foco o cinema brasileiro, especialmente porque, como empresa ainda sem capital para investimentos em compras de direitos autorais – algo praticamente essencial quando o assunto são filmes estrangeiros –, ela se vale dos mecanismos de fomento à distribuição para realizar um trabalho artesanal e focado. Daniel mencionou que o grande desafio é encontrar meios e ferramentas para fazer os exemplares menos comerciais circularem. Ele também defendeu a facilitação da circulação para além do âmbito comercial, como em cineclubes e afins. Daniel pensa na Embaúba Filmes como um selo de qualidade.

 

EDUARDO GARRETTO (ZETA FILMES)
Eduardo igualmente assinalou sua trajetória, remontando ao começo na exibição de filmes artísticos e à realização do Festival Indie, em São Paulo e Belo Horizonte, atuação que lhe deu expertises essenciais à distribuição. A vontade de abrir uma empresa, na companhia de suas sócias, Daniella e Francesa Azzi,  partiu da constatação de que os exemplares pinçados para o evento não tinham sobrevida em nosso território. Dentro desse panorama complexo, inclusive aos que buscam desbravar novos campos, ele citou a ZAG Film, empresa criada pelo trio a fim de comercializar internacionalmente exemplares brasileiros. E, espirituosamente, contou a história da compra de Ida (2016), longa que viria a ganhar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, adquirido pela Zeta Filmes após uma sessão em Paris, numa sala pequena, sem a pompa que adiante marcaria a trajetória do filme, inclusive comercialmente.

Cena de “Ida”

FELIPE LOPES (VITRINE FILMES)
Oriundo do setor público – trabalhou na secretaria da Cultura do Rio de Janeiro –, Felipe falou sobre a tristeza de assistir à política estatal ser enxugada até a praticamente morrer por inanição. Ele mencionou a trajetória da Vitrine Filmes, chamou a atenção para o fato de que em dez anos a distribuidora lançou 150 filmes e informou que ela tem cerca de 100 já comprados, alguns em estágio de desenvolvimento. Felipe utilizou como case Bacurau (2019), sucesso da empresa que, nesse momento, passa dos 700 mil espectadores. Ele entende o êxito da Vitrine Filmes como fruto do trabalho para compreender os públicos, e comemora que um independente, como o longa de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, quebre barreiras de mercado. “Todo filme tem seu público”, assinalou Felipe.

 

ARGEL MEDEIROS (OLHAR DISTRIBUIDORA)
Argel citou a criação da Olhar Distribuidora como um desdobramentos do festival Olhar de Cinema, de Curitiba, mas fez questão de dizer que, embora interligadas, são iniciativas autônomas. De acordo com ele, a empresa gosta de trabalhar com filmes provocativos, que tragam discussões à sociedade. Para Argel, é essencial mobilizar agentes ligados a determinados assuntos abordados nas tramas para fazer que os exemplares encontrem seus públicos-alvo mais diretos. A Olhar Distribuidora vai finalizar 2019 com oito longas-metragens lançados. Alternativas às tradicionais salas de cinema, do tipo VOD e streaming, são essenciais na visão de Argel, especialmente para atingir uma fatia do público que não tem poder aquisitivo para ir ao cinema e/ou que esteja numa área desprovida de salas.

 

PRISCILA MIRANDA DO ROSÁRIO (FÊNIX FILMES)
Priscila começou falando de seu caminho pelas artes, que passou pelo balé e por envolvimentos com várias manifestações criativas e reflexivas na faculdade. Curiosamente, ela teve mais contato com a produção latino-americana de cinema quando morou na França. De volta ao Brasil, coordenou algumas mostras – inclusive uma de cinema argentino – que lhe colocaram definitivamente na área. Priscila igualmente falou da necessidade de encontrar alternativas e que nesse sentido, bem como atendendo ao seu ímpeto empreendedor, lançou um streaming próprio: “só quero 1% desse mercado”, disse. Priscila fez um diagnóstico de como a mudança ao cinema digital permitiu a existência de mais distribuidoras, principalmente por conta dos custos inerentes à película. A Fênix Filmes trabalha essencialmente com exemplares internacionais, mas também atua no mercado dos brasileiros.

 

POR FIM…
A discussão se espraiou por outras áreas e possibilidades, porém o que mais chamou a atenção foi o descontentamento geral da classe com a asfixia de políticas públicas que garantiam mecanismos para auxiliar o filme independente a sobreviver num mercado altamente dominado por blockbusters norte-americanos. Felipe disse que 2019 foi “uma montanha russa” e Argel, por sua vez, trouxe à baila a questão preocupante de que neste ano não houve a cota de tela, ou seja, a obrigatoriedade por lei de determinado número de dias reservados para a exibição de filmes brasileiros. De acordo com ele, essa atitude lhes prejudicou demais.

Silvero Pereira como Lunga, em Bacurau

SESSÃO ESPECIAL DE BACURAU
E não adianta, Bacurau tem tudo para ser considerado um dos filmes do ano. Aqui em Paraty ele ganha exibição em duas sessões especiais. Nesta terça-feira, 05, aconteceu a primeira. E cerca de duas horas antes da projeção a fila já se formava (numerosa) em frente ao Cinema da Praça. Claro, a sessão, gratuita, assim como tudo na 3ª Mostra Sesc de Cinema, lotou e nosso cinema marcou outro golaço.

 

(O repórter viajou a Paraty a convite do evento)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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