A vigésima sexta edição do Festival de Cinema de Vitória começou nesta terça-feira, dia 24 de setembro, na capital do Espírito Santo, tendo como um dos principais atrativos a volta ao tradicional Cine Glória, no centro da cidade. Após a cerimônia de abertura, que contou com pronunciamentos de, entre outros, do prefeito de Vitória, Luciano Rezende, e da governadora em exercício do ES, Jaqueline Moraes – ambos aplaudidíssimos pelo público presente, algo raro na política nacional – e da coordenadora executiva Larissa Vieira – que apontou, com bastante propriedade, para a importância do trabalho que a diretora do evento, Lúcia Caus, desenvolve durante todo o ano – as primeiras exibições tiveram espaço na tela grande.

A diretora Lucia Caus, o prefeito de Vitória, Luciano Rezende, e a governadora em exercício de ES, Jaqueline Moraes

A noite começou com os seis curtas que integram a Mostra Foco Capixaba, voltada exclusivamente a produções locais. A seleção era composta por três documentários e três ficções. Todos concorrem ao Troféu Vitória de Melhor Filme, eleito pelo júri técnico. Os títulos eram: Minhas Mães, de Gustavo Guilherme da Conceição; Pescadores Urbanos, de Yolanda Faustini; Guri, de Adriano Monteiro; Práticas do Absurdo, de Alexander S. Buck; Casa de Vó, de André Ehrlich Lucas; e Jardim Secreto, de Shay Peled.

O mais curto deles, Minhas Mães narra, em apenas 9 minutos, a história do realizador através de um depoimento da própria mãe. Através de um antigo álbum de fotografia, ela lembra a gravidez precoce, a indecisão sobre o casamento, a resistência familiar e a decisão de dar o filho para ser registrado pelos avós – pais dela – por uma questão de segurança do menino recém nascido. Produção bonita e elegante, ainda que bastante simples, não ousa no formato, e talvez conquiste pelo caráter emocional que carrega. Diferente de Pescadores Urbanos, que tem sua experiência audiovisual prejudicada por questões técnicas. O áudio das entrevistas é por vezes incompreensível, a fotografia é assumidamente amadora, e a edição improvisada deixa em evidência um caráter improvisado, nesse olhar sobre homens e mulheres que praticam a pesca em zonas urbanas da capital Vitória e arredores.

Gustavo Guilherme da Conceição, diretor de Minhas Mães

A situação do conjunto começa a melhorar com Guri, uma simpática história sobre bullying e orgulho negro que conta como protagonista um garoto negro que é alvo de deboche dos colegas da escola por conta dos longos cabelos crespos que ostenta. Ele chega em casa triste, decidido a cortá-los, mas é demovido da ideia pela mãe: “não podemos nos esconder, somos quem somos e devemos nos orgulhar disso”, ela afirma. A questão, urgente e muito importante, é logo substituída, no entanto, por um jogo de bolinhas de gude entre as crianças. Uma melhor trabalhada no roteiro – há cortes inexplicáveis, algumas questões são explicadas demais, enquanto que outras ficam no ar, sem justificativas – talvez aumentasse o potencial do conjunto, que não consegue se desprender do discurso didático que carrega.

Práticas do Absurdo é, provavelmente, o mais bem acabado dos seis. É, também, o mais ambicioso, e esse é seu maior problema. Trata-se de uma coletânea de cinco minicurtas, e se alguns são ótimos – como a mulher que só fica invisível quando ninguém a vê – outros são incompreensíveis aos não-iniciados – como o coquetel que termina em massacre. Os efeitos especiais de Rodrigo Aragão contribuem para o bom resultado, além de também investir na questão da visibilidade negra. Casa de Vó, por outro lado, reúne bons elementos – uma atuação convincente da protagonista, por exemplo – com um roteiro circular, indeciso entre a alegoria e o factual. Interessante, mas mal desenvolvido. Por fim, Jardim Secreto volta seu olhar ao caso de Eugênio Martini, comerciante do centro de Vitória que, sem respeitar os ditames públicos, adotou para si um espaço da cidade e ali cultiva até hoje um jardim, com animais e vegetação, além de instalar câmeras de vigilância por toda a região. O discurso conservador do personagem foi motivo de fortes protestos da audiência, além de ser rechaçado, também, por esse trabalho contundente, preciso em seus apontamentos e no emprego dos elementos que reúne.

Marcélia Cartaxo, Soia Lira e o diretor Allan Deberton, de Pacarrete

A sessão chegou ao fim com a projeção do primeiro dos seis concorrentes da Mostra Competitiva Nacional de Longas-Metragens: Pacarrete, de Allan Deberton. Com a presença do diretor e das atrizes Marcélia Cartaxo e Soia Lira, o grande vencedor do Festival de Gramado 2019 – dono de 8 kikitos, entre eles os de Melhor Filme, Direção, Atriz e Atriz Coadjuvante – foi recebido com entusiasmo pela plateia. Na quarta-feira, o 26o Festival de Cinema de Vitória continua com sessões do 20o Festivalzinho de Cinema de Vitória, 6a Mostra Outros Olhares – Programa Musicalidades, 8a Mostra Corsária e o início da 23a Mostra Competitiva Nacional de Curtas, além da exibição do longa O Seu Amor de Volta, documentário de Bertrand Lira. Mais detalhes e informações estão disponíveis no site oficial do evento e também no especial do 26º Festival de Vitória no Papo de Cinema!

O Papo de Cinema é convidado oficial do 26o Festival de Cinema de Vitória

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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