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Sinopse

Alice é uma adolescente que se confronta com seu próprio despertar sexual. Num bate-papo na internet, a jovem, que estuda em um colégio católico, tem seu primeiro contato com a masturbação e é tomada pela culpa. Em busca de redenção, vai a um retiro religioso para tentar suprimir seus desejos, mas percebe que isso não será nada fácil, especialmente depois de começar a flertar com um garoto mais velho.

Crítica

Alice é uma adolescente, e como tal, grande parte do seu tempo passa pensando em sexo. Principalmente por nunca ter feito, e assim, não saber ao certo os mistérios que existem por trás dessa prática tão envolta por tabus e, ao mesmo tempo, comum a todos os homens e mulheres. A situação da garota se agrava por viver em um ambiente excessivamente religioso. Ou seja, como é bem sabido, quanto mais se proíbe uma coisa, maior será a curiosidade a respeito. Mas também é de conhecimento universal que, aqueles mesmos que condenam, são os primeiros a praticar os atos publicamente negados. A hipocrisia, portanto, faz parte da humanidade, e não há novidade alguma a respeito. Porém, em Acampamento do Pecado, ela é tratada como se fosse uma grande revelação. E é por fazer alarde a respeito de algo tão banal e óbvio que o filme perde muito da empatia conquistada pela maior parte de sua trama.

A cineasta Karen Maine chamou pela primeira vez a atenção de uma audiência mais ampla ao escrever o roteiro de Obvious Child (2009), curta que fez tanto barulho que acabou sendo refilmado no longa Entre Risos e Lágrimas (2014), premiado no Festival de Sundance. E se esse era o modus operandi que conhecia, nada mais natural que seguisse pelos mesmos passos ao se encarregar da sua estreia como realizadora. Assim, dirigiu o curta Yes, God, Yes (2017), que circulou por festivais como os de Nashville e Palm Springs e lhe rendeu palmas e as atenções necessárias de nomes como o do cineasta Chris Columbus (responsável por sucessos como Esqueceram de Mim, 1990, e Harry Potter e a Pedra Filosofal, 2001) e o do brasileiro Rodrigo Teixeira (produtor de títulos como Me Chame Pelo Seu Nome, 2017, e O Farol, 2019). Foi o que bastava para garantir os meios necessários para que seu primeiro projeto em formato estendido fosse possível. Assim, ao invés de pensar em algo novo, apostou no que antes já havia dado certo, e tratou, mais uma vez, de adaptar um curta do próprio currículo. O resultado é esse Acampamento do Pecado, que não chega a ser desprovido de carisma, mas também não consegue evitar a sensação de que sua trama foi alongada além da conta – por mais que tenha menos de 80 minutos de duração.

A protagonista da história criada por Maine, Alice, é interpretada por Natalia Dyer, um dos destaques do elenco do fenômeno Stranger Things (2016-2021). Porém, ao invés de se apresentar com uma personalidade marcante e decidida, como a Nancy Wheeler do seriado dos irmãos Duffer, ela sabiamente vai por um outro lado, fazendo de sua personagem motivo de descobertas e revelações. Sua curiosidade não tem nada de extraordinária – ainda mais para a sua faixa etária – e vai desde os motivos que fazem uma colega ser mais popular do que outra a qual o significado de certas expressões sexuais. Porém, ao transitar por questões tão delicadas, a diretora e roteirista não consegue evitar um ou outro deslize, esbarrando no escatológico ou no simplesmente tolo em mais de uma ocasião.

Para se ter ideia, justamente quando surge o boato na escola de que uma das meninas teria dado um “beijo grego” num dos rapazes, Alice decide lamber a lâmina ao abrir um iogurte de chocolate e, ao ficar com a boca suja do creme marrom no meio da cafeteria, se torna motivo de deboche de todos ao seu redor. Da mesma forma, quando um desconhecido lhe pergunta “se ela está toda molhada” após um chat de conotação sexual na internet, fica ainda mais intrigada ao observar, horas depois, o pai inadvertidamente derrubar um copo d’água na mãe que lhe responde, chateada: “veja o que você fez, me deixou toda molhada”. São relações por demais diretas, quase infantis, que não fazem jus ao pertinente debate que o filme ameaça se aprofundar, sem, no entanto, se dispor a esse mergulho.

Assim, ao ir para um retiro religioso, Alice irá se deparar com padres que assistem a vídeos pornográficos no computador e monitoras que praticam sexo oral às escondidas com os namorados, ao mesmo tempo em que a própria vibração do seu celular lhe causará um novo prazer quando o aparelho é colocado no meio de suas pernas. Não precisa ser nenhum gênio, como se percebe, para que fique claro a ela que nem tudo que lhe é dito pelos pais, professores ou figuras de maior autoridade deve ser levado ao pé da letra. Mas, como se isso não fosse bastante, ainda haverá espaço para a inserção de uma fada-madrinha – não por acaso, uma lésbica dona de um bar de beira de estrada – que, enfim, lhe dirá os sábios conselhos pelos quais a jovem tanto ansiava. Acampamento do Pecado promete ser divertido e até mesmo apimentado, mas tudo o que consegue é resvalar em um clichê atrás do outro, como se estivesse em um campo minado escolhido pela própria realizadora.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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