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Sinopse

Wicked se passa na Terra de Oz, antes da chegada da pequena Dorothy e do seu cachorro Totó. É lá que Elphaba, uma jovem incompreendida por causa de sua pele verde, e Glinda, uma jovem popular, se tornam amigas na Universidade de Shiz. Após um encontro com o Maravilhoso Mágico de Oz, a amizade delas chega a uma encruzilhada. Com Cynthia Erivo e Ariana Grande.

Crítica

O termo “wicked” pode ser usado para descrever uma pessoa “má, perversa, nefasta”. Ou seja, alguém a ser retirado do convívio social. Um indivíduo a ser banido, isolado, afastado dos demais. O mesmo destino daquele que ousar descobrir um segredo do qual ninguém mais está ciente, de quem se atrever a revelar a verdade por trás de uma mentira construída há anos, com muito esforço, sobre a qual os que agora com ela se deparam sequer desconfiam de sua falha veracidade. Pois é essa a sina da protagonista de Wicked, um dos musicais de maior sucesso de todos os tempos da Broadway, tendo sido apresentado em dezenas de países em todo o mundo (inclusive no Brasil) ao longo das últimas duas décadas (ou mais, na verdade). Diante de tamanha repercussão, sua transposição para o cinema era apenas uma questão de tempo. Porém, frente a uma expectativa difícil de ser equiparada, a opção do diretor Jon M. Chu em investir no excesso nem sempre se mostra acertada. Assim, tem-se um filme dono de méritos inegáveis, mas que no todo termina por naufragar dentro de sua própria pretensão.

Chu não é novato no gênero. Seu longa imediatamente anterior, por exemplo, foi Em um bairro de Nova York (2021), um musical vibrante que também teve sua origem nos palcos e que chamava atenção pela contemporaneidade da trama e urgência do discurso, ao abordar temas como diversidade e xenofobia. No entanto, seu desempenho ao ser lançado acabou frustrado por uma questão de timing: a estreia se deu em plena pandemia de Covid-19. É um filme, portanto, que ainda está por ser descoberto. Diferente do que se pode esperar de Wicked, longa aguardado por milhares de fãs. Muito disso está na atemporalidade do enredo, que discute bullying, respeito às diferenças e como lidar com verdades escondidas por discursos demagógicos e monopolizadores (as temidas fake news). Há de se considerar também o cruzamento que faz com uma outra obra, essa já clássica, dona de um apelo que vem atravessando gerações: é quase um spin-off, ou melhor dizendo, uma prequel de O Mágico de Oz (1939). Por fim, há de se levar em consideração também as canções, compostas por Stephen Schwartz – dono de nada menos do que 3 Oscar, 3 Grammy e seis vezes indicado ao Tony (a última vez, aliás, foi há vinte anos, justamente pela trilha sonora de... Wicked!).

Mas como se apropriar de algo tão famoso e respeitado? Esse parece ter sido o maior desafio de Chu. Pois não consegue fazer da história de amizade entre as bruxas Elphaba (Cynthia Erivo) e Glinda (Ariana Grande) – e o posterior desentendimento que as tornou inimigas – um filme dono de identidade própria. O que se vê é algo que depende por demais das suas raízes teatrais. Tanto que é quase como ter duas tramas transcorrendo de forma simultânea: uma com diálogos e silêncios, através da qual se percebe os dramas dos personagens, seus conflitos a serem superados e conquistas celebradas, e outra que se desenvolve por meio de músicas e movimentos rápidos de câmera, uma edição calcada no videoclipe e a estrutura entrecortada por meio de uma suposta agilidade propícia a se comunicar com um espectador cada vez mais desatento, sacrificando nesse processo o entendimento de uma audiência imersa no processo narrativo. Enfim, se tem os acontecimentos, e uma série exaustiva de canções que surgem com o propósito quase que exclusivo de reforçar, ilustrar e comentar os eventos recém vistos.

A escolha de duas cantoras como protagonistas vai de encontro com essa intenção. Cynthia Erivo foi, inclusive, indicada ao Oscar de Melhor Canção Original (pelo filme Harriet, 2019, no qual interpreta a personagem-título e que lhe rendeu também um lugar entre as cinco finalistas na categoria de Melhor Atriz), enquanto que Ariana Grande é uma estrela pop dona de dois Grammy (entre 18 indicações). Ou seja, estão longe de serem estranhas ao meio, e o desempenho de ambas é condizente com a proposta aqui perseguida. Ao mesmo tempo em que Grande se destaca na comédia, quase como uma Regina George (quem aí lembra de Meninas Malvadas, 2004?) digna de perdão, Erivo é o coração da história, a menina verde vista com desconfiança – e até mesmo deboche – pelas colegas de escola, mas que aos poucos vai revelando talentos insuspeitos. Muito do que se passa com Elphaba está em seus olhos, guardado dentro de si, e somente aos poucos essa revolta e insatisfação com o que descobre ao seu redor começa a transbordar, dando início a uma série de consequências que rapidamente fugirão do seu controle.

Wicked é uma obra consagrada, seja no livro, como no teatro. No entanto, ao chegar ao cinema, se mostra por demais devedora dessas origens, sem conseguir alçar voos próprios, desgarrada das amarras que lhe permitiram desfrutar ao alcance que hoje exibe. É como se não houvesse adaptação, e sim uma transposição quase na íntegra, principalmente das sequências musicais, sem cortes, combinações ou sequer ideias originais. Em meio a isso, o galã Jonathan Bailey é desperdiçado como um Fiyero irrelevante, Jeff Goldblum tem menos ainda o que fazer como o tal mágico de Oz, e a trama sobre preconceito contra os animais pensantes (entre eles o professor Dillamond dublado por Peter Dinklage) até ameaça obter certa profundidade, apenas para ser descartada logo em seguida. A única a se salvar, entre os coadjuvantes, é Michelle Yeoh, impondo tanto autoridade quanto carisma, ainda que não surpreenda ao revelar suas reais intenções. E, para piorar, essa é só a Parte 1 – sim, mesmo após quase intermináveis 160 minutos, se observa apenas metade dos acontecimentos, e ainda há mais por vir no ano que vem. Isso para quem tiver paciência para tanto.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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