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Sinopse

Miguel sonha em se tornar um grande músico, assim como seu ídolo, Ernesto de la Cruz. Isso apesar da música ter sido banida há gerações em sua família. Desesperado para provar o seu talento, o garoto se vê na deslumbrante e pitoresca Terra dos Mortos seguindo uma misteriosa sequência de eventos. Ao longo do caminho, ele conhece o encantador trapaceiro Hector, e juntos partem em uma jornada extraordinária para descobrir a verdade por trás da história da família de Miguel.

Crítica

Para começo de conversa, é bastante relevante, além de emblemático nesta Era Donald Trump de intolerância e xenofobia, Viva: A Vida é uma Festa ser não apenas protagonizado por um mexicano, mas se passar no México e se valer da cultura do país para consolidar preceitos como o valor da família. Miguel é um dos mais novos da linhagem Rivera de sapateiros, destino selado por um infortúnio do passado, pois sua tataravó, abandonada pelo marido cantor e compositor, que almejava carreira de sucesso, precisou aprender uma profissão para sobreviver. Como efeito, a já falecida senhora amaldiçoou a música, passando a ojeriza adiante como se herança sanguínea. Acontece que o menino acalenta secretamente o desejo, justo, de fazer sucesso tocando violão e soltando a voz por aí, como os mariachis dos quais engraxa os calçados antes das apresentações na praça. Portanto, o problema, logo posto, é essa necessidade de romper com os seus para ser feliz.

Depois da deflagração do conflito que distancia Miguel dos consanguíneos, porque eles se recusam a dar ouvidos aos apelos do pequeno que persegue seus sonhos, Viva: A Vida é uma Festa nos oferece seu dado fantástico, haja vista a migração literal do enredo para o mundo dos mortos, habitado pelas caveiras dos que se foram e permanecem lembrados na dimensão dos viventes. Nesse sentido destaca-se a construção do além com base, exatamente, na tradição do Dia dos Mortos, festa de origem indígena, incrustada no âmago mexicano talvez como em nenhuma outra nação e, por isso mesmo, repleta de singularidades. É um espaço multicolorido, com esqueletos ornamentados e toda sorte de outros elementos, tais como os alebrijes, criaturas lendárias do folclore local, espécies de guias espirituais capazes de afugentar maus agouros. Visualmente, o longa-metragem dirigido por Lee Unkrich e Adrian Molina é um deslumbre, vide o detalhamento dos cenários, com o carimbo Pixar de qualidade estampado.

Miguel, fã ardoroso de um cantor famoso já falecido, vai parar acidentalmente no ambiente dos mortos, tendo um tempo curto para voltar. Viva: A Vida é uma Festa ressalta, durante essa busca por respostas, a tenacidade do protagonista quanto aos anseios de abraçar a música, ocasionalmente incorrendo numa reiteração desnecessária de tal traço. O roteiro da animação permite algumas aproximações coincidentes demais, como a da criança viva com Héctor, um João ninguém esfarrapado que diz poder ajuda-lo a encontrar o célebre – até depois de morto – Ernesto de la Cruz, contudo que se mostra uma peça surpreendentemente vital ao destino dos envolvidos na trama. Os nós vão sendo desatados na medida em que verdades supostamente incontestes são reveladas como equívocos capitais. É, inclusive, a partir de um plot twist que o filme volta a engrenar, abraçando um bem-vindo viés aventuresco, aditivado dramaticamente pelo aprendizado de Miguel com relação à importância da família.

Viva: A Vida é uma Festa ainda lança mão de “participações especiais”, como a de Frida Kahlo, impetuosa artisticamente mesmo após o seu passamento. As peças se encaixam no longa-metragem com mais facilidade do que deveriam, personagens são ocasionalmente eclipsados em meio à missão de Miguel, mas, ainda assim, há bons momentos de humor e, principalmente, de emoção, como quando a música se consolida enquanto argamassa de união parental. Enaltecendo a cultura mexicana, Lee Unkrich e Adrian Molina criam um filme irregular, mas digno de celebração, primeiro, pela forma como tonifica suas mensagens basilares, e, segundo, em virtude da disposição a olhar outros povos, tentando, ao menos, valorizar credos e visões distintos, algo extremamente simbólico nesse instante em que muros são erguidos e os Estados Unidos se veem nas mãos de um megalomaníaco despreparado, despótico e vil como o vilão improvável que ameaça muito os planos de Miguel e companhia.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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