Crítica


7

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

Jovem madrilenha, Victoria se muda para Berlim e conhece quatro sujeitos numa festa. O que ela não sabia era o tamanho da encrenca na qual eles se meteram. Envolvida na situação, a espanhola viverá uma aventura!

Crítica

Filmes sobre liberdade são piegas ou previsíveis. Mas não Victoria. O quarto longa-metragem de Sebastian Schipper consegue voltar os holofotes ao ator do cult Corra Lola Corra (1998), marco do novo cinema alemão, agora na posição de diretor. O feito se deve ao fato do filme pairar sobre o próprio assunto. Presente como temática, a liberdade está igualmente inserida na realização. Forma e conteúdo. Conteúdo e forma. Voilà.

01-victoria-papo-de-cinema

No enredo, o roteiro assinado a três mãos traz vários componentes com o intuito de construir a atmosfera exata para a história. A começar pela jovem espanhola que dá título ao filme. Laia Costa interpreta a madrilenha que vive na Alemanha há três meses. Mas não em qualquer parte do país, senão em Berlim. A capital nos será apresentada através da excepcional cena de abertura – destaque para o proeminente trabalho de som de Fabian Schmidt – na qual Victoria surge imersa por luzes e sons de um clube noturno, certamente a mais marcante expressão da catarse moderna, no coração de um país reconstruído sob os ares do arrependimento. Se juventude, movimento, espaço e sinestesia compõem o panorama aventureiro do enredo, é o trabalho com a forma que o dimensiona e completa.

Filmado em plano-sequência, ou seja, sem cortes – consequentemente, sem montagem – Victoria flui comungando o que é filme com o que é história. Sem romper a imagem, a câmera nos permite compartilhar a experiência dos personagens em sua intensidade. No clube, Victoria conhece Sonne, Boxer, Blinker e Fuss. Ainda sem amigos, a jovem logo se enturma com os rapazes, desenvolvendo um sentimento especial por Sonne, personagem interpretado por Frederick Lau (A Onda, 2008). A amizade súbita levará o grupo pela noite de Berlim expondo-o a todas as mitologias oferecidas pelas ruas alemãs. Comandado pelo diretor de fotografia Sturla Brandth Grøvlen (A Ovelha Negra, 2015), o recurso ininterrupto, presente mais ou menos artificial em Arca Russa (2003) e Birdman (2014), cobra o preço pelo efeito proporcionado. No caso de Victoria, será o de relegar o enredo a coadjuvante de uma coreografia tecnicamente impecável.

A beleza da mise-en-scène e da composição do movimento incessante enfraquecem a estrutura dos personagens. Para acomodar uma das mais belas libertações fílmicas dos últimos tempos, Schipper precisa sacrificar certas motivações de quem está na tela. Assim, a confiança com que a protagonista se abre ao grupo de desconhecidos – sozinha, à noite, sem dominar a língua, sem conhecer a cidade – encontra outras passagens de pouca credibilidade. A temeridade frente ao pequeno furto na loja de conveniência, a inocência ao lidar com as situações das quais desconfia e o aceite duvidoso para convites evidentemente escusos não compactuam com a protagonista vista no último ato, decidida e corajosa. Ao final, a ligação entre o primeiro e o terceiro momentos assume a frouxidão narrativa de uma ingenuidade falseada, apenas para abrir passagem à licença criativa e permitir ao filme vagar pelo inusitado movido por uma pulsão de vida que desconhece revés.

02-victoria-papo-de-cinema

Imbuído de um espírito amplamente difundido pelo emblemático Juventude Transviada (1955), Victoria pertence a uma linhagem cinematográfica que conta ainda com O Selvagem de Motocicleta (1983), Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas (1967), Kids (1995), Trainspotting: Sem Limites (1996) e Edukators (2004). Exemplos de um grupo movido pela anarquia, confrontação, e desobediência civil, em clara recuperação ideológica dos princípios de Thoreau (1817 - 1862). Em um ano em que Amor, Drogas e Nova York (2014) surge como o mais impactante filme sobre a juventude, Victoria entrega ao público a sutileza de uma beleza, que, evocando o reconhecimento dos jovens e a nostalgia dos adultos, recupera em tela a liberdade e as possibilidades de um tempo que sói ser infinito.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
avatar

Últimos artigos deWillian Silveira (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *