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Sinopse

Claudio é um advogado de meia idade que vive uma vida calma e confortável com sua esposa em uma pequena cidade da Argentina da década de 1970. Quando um detetive particular aparece na sua cidade determinado a localizar um estranho com quem brigou meses atrás em um restaurante, seu mundo é virado de cabeça para baixo.

Crítica

Mais que o segredo prendendo o advogado Claudio (Darío Grandinetti) ao episódio fatídico no passado recente, o que aponta às intenções do roteirista e diretor Benjamín Naishtat em Vermelho Sol é o longo e estático plano inicial. Pessoas saqueiam uma casa sem alardes, como se a elas fosse um direito adquirido a espoliação da propriedade alheia. Vagarosamente, o contexto vai preenchendo essa cena, entregando o seu real propósito, que é exatamente mostrar o caráter insidioso dos cidadãos comuns de uma província argentina nos anos 70, quando o país estava vivendo sob o jugo da ditadura. Desse jeito, o protagonista é um exemplo da classe média distante da alienação, sobretudo porque seus atos estão atrelados a uma perversidade encruada pela tradição dos discursos supostamente enlevados. Essa gente tem vultuosa ojeriza por quem propõe resistência. No caso, os chamados “baderneiros”, como o homem cuja morte entra nessa normalidade torpe.

É inteligente a forma como o realizador conduz a narrativa, evitando fazer de Claudio um espécime isolado, vide a conduta do jovem desconfiado da traição da namorada. Escudado pela impunidade reinante num lugar interiorano, ele e os amigos levam um desafeto para “passear”. A procura subsequente da mãe pelo filho desaparecido se encarrega da completar o sentido dessa ocorrência sintomática. Vermelho Sol é um filme que engrandece nas sutilezas, em virtude da delineação de um entorno apropriado a sustentar certos comportamentos. A excelência dessa constituição é notável já na demonstração da desavença no restaurante. Claramente o estranho é mal-educado com Claudio, perdendo a razão ao reivindicar a mesa com hostilidade desmedida. Mas, o modo como o jurista responde, humilhando-o com a sua superioridade vomitada – detalhe à impavidez dos presentes ante a atitude –, é tão destrutiva quanto, até mais pela profundidade das causas.

Vermelho Sol possui uma atmosfera consistente, alimentada por ambiguidades prevalentes. Interpretado com grande sensibilidade por Darío Grandinetti, Claudio não é desenhado como um vilão clássico ou algo que o valha, pelo contrário. Reconhecido como um membro prócer da localidade, representa a circunvizinhança, não destoando da mesma. Tampouco o crime por ele competido é tido como momentânea cessão animalesca a um insuspeito lado obscuro. O que embrutece sobremaneira o ato é justamente a permanência do sujeito na esfera cotidiana, sem que isso o tipifique como um marginal reconhecido. O posterior medo de ser pego se dá por puro instinto de preservação e sobrevivência, não está atrelado à consciência ou ao arrependimento. Benjamín Naishtat mantém o enredo num tom em que a passivo-agressividade determina as conjunturas, evitando rompantes, exceção feita aos instantes do homem em plena contenda no último estabelecimento que o testemunha vivo. Essas nuances denotam o verdadeiro perigo como emanante da hipócrita cordialidade.

A corrupção é outro elemento fundamental em Vermelho Sol, indício irrefutável da concepção intestinal da província tacanha e superficialmente sensata. Claudio, esse citadino que frequenta a igreja e se faz presente em eventos públicos como componente respeitável, sucumbe rapidamente à tentação de entrar na negociata para usurpar um bem alheio. Aliás, a casa outrora vilipendiada, provavelmente esvaziada por ser propriedade de alguém contrário à ditadura argentina, é o ícone do longa-metragem. Primeiro, torna-se desabitada por conta do autoritarismo estatal que se julga no direito de abafar com truculência as discordâncias ideológicas. Segundo, perde utensílios para um povo pretensamente de bem, mas alinhado com militares que desmandam no cotidiano. O fato do morto ser um resistente, do investigador vivido por Alfredo Castro aceitar o jogo a fim de manter a “obra de Deus” intacta diante da “ameaça comunista”, tornam ainda mais densa a delicadeza do filme, a abordagem de um estado de coisas específico, responsável por uma enorme enfermidade coletiva.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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