Crítica
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Sinopse
A fronteira do Brasil com o Paraguai é um território violento. Uma equipe acompanha de perto o crescimento do poder ruralista na região e suas relações íntimas com o governo de Jair Bolsonaro.
Crítica
A disputa territorial entre fazendeiros e Guarani-Kaiowá na fronteira entre o Brasil e o Paraguai situada no Mato Grosso do Sul tem várias camadas. Além da discussão sobre quem pode ocupar as extensas faixas de terra, há a contestação mútua sobre pertencimento e direito constituído. De um lado, os indígenas desterrados em busca da retomada de uma herança por direito atualmente demarcado. Do outro, os latifundiários que defendem a propriedade privada acima de tudo e quase reivindicam o direito ao extermínio como forma de defesa. Além do mais, os povos originários são repetidamente chamados pelos ocupantes brancos de “invasores”, quando na verdade os assaltantes são eles próprios. Vento na Fronteira não se debruça de modo parcial sobre essa questão, deixando muito claro qual dos lados lhe parece o único legítimo. As cineastas Laura Faerman e Marina Weis começam observando os Guarani-Kaiowá como grupo étnico desrespeitado historicamente, em desvantagem numa luta que tem como ringue o espaço criado pelos homens brancos. A câmera delas se aproxima dos corpos carregados de ancestralidade, retrata a comunhão com a natureza e atenta aos processos educacionais que transmitem a língua e o conhecimento. Há uma evidente simpatia cristalizada nessa demonstração cinematográfica de interesse por tradições, práticas, gestos e discursos.
O contraponto a essa busca por poesia em Vento na Fronteira é a dureza dos adversários. A principal representante de um pensamento neoliberal agressivo e disposto a tudo para tornar constitucional a asfixia simbólica dos povos originários é Luana Ruiz Silva. Ela é advogada e herdeira das terras reclamadas pelos Guarani-Kaiowá. Laura Faerman e Marina Weis retratam essa mulher enfatizando a sua frieza diante da reivindicação dos indígenas, claramente colocando sobre essa personagem um verniz de antagonista ou mesmo de vilã. As realizadoras trazem o discurso reacionário da família do presidente Jair Bolsonaro, seja ao demonstrar que Luana tem relações e admiração pelo clã Bolsonaro ou ao sublinhar os elos discursivos entre os políticos e os pecuaristas. Portanto, fica bem claro que as engrenagens legais e ainda senhores e senhoras do legislativo e do executivo estão trabalhando em prol das demandas dos fazendeiros. Enquanto isso, os indígenas pleiteiam seu direito ancestral sem tantos instrumentos de poder e convencimento ao seu dispor. O filme poderia ser um pouco mais enfático na investigação dessa desproporcionalidade que determina resultados e não apenas revelar discrepâncias. Ele ganha veemência apenas quando Luana e companhia entram em cena, especificamente assim que o pensamento tacanho de sua gente endinheirada surge agressivo.
Laura Faerman e Marina Weis valorizam as demandas Guarani-Kaiowá ao mostrar que os povos originários querem de volta o espaço anteriormente surripiado para sobreviver e perpetuar o seu legado ancestral. Para isso, alternam expedientes poéticos (como as citadas imagens próximas aos corpos indígenas) e flagrantes de cotidianos ordeiros e pacíficos. O contraponto oferecido pela retórica egoísta e agressiva de Luana, bem como de seus pais e tio, surge para dar razão a esse povo originário cujos integrantes são tipificados junto à opinião pública como vagabundos e baderneiros. Sem destrinchar o que leva a essa distorção de imaginário, a dupla de cineastas se restringe a antagonizar os grupos querelantes. Elas perdem uma ótima oportunidade para tornar ainda mais rico o discurso de Vento na Fronteira ao não elaborar algo que fica implícito no filme: Luana e os indígenas estão brigando por heranças distintas. A herdeira é uma adversária ferrenha que coloca a lei dos brancos embaixo do braço para lutar por territórios que futuramente lhe garantirão estabilidade financeira. Ela evidentemente não quer perder privilégios, como boa parte da parcela endinheirada do Brasil. Já os Guarani-Kaiowá brigam por uma herança menos monetária, mais simbólica, que diz respeito aos costumes, às tradições e à continuidade de seu povo. Três coisas que correm severo risco pelo avanço da intolerância.
Há esquemas utilizados para construir ideologicamente Vento na Fronteira. E eles são calcados nas oposições (o que é eficiente à defesa de uma posição, mas simplista para dar conta de algo tão complexo). O filme se atém à alfabetização de crianças que aprendem a falar Guarani e antagoniza isso com imagens das benfeitorias que dão conforto aos latifundiários (uns querem dignidade para morar, enquanto a burguesia luta por privilégios); a pintura de guerra dos Guarani-Kaiowá é uma forma ritualística de mostrar a disposição do povo a tudo para defender uma causa justa, enquanto a tecnologia e o armamento dos brancos visam gerar algo bem menos poético, justo e ecumênico. Laura Faerman e Marina Weis trabalham com essas oposições para deixar cristalino o seu ponto de vista e a qual causa aderem por meio do documentário. E elas não interferem na paisagem com a câmera, agindo como testemunhas de situações nas quais suas presenças não são denunciadas. Não sabemos, por exemplo, se houve confronto entre as cineastas e a família de Luana ou se a convivência entre cineasta e personagens aconteceu sem contratempos. O que mais interessa a esse filme é denunciar uma disputa em curso, brutalmente desigual e na qual os oponentes não lutam dentro do princípio da isonomia. E, no fim das contas, a principal personagem do filme é a latifundiária, advogada e bolsonarista.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 6 |
Alysson Oliveira | 6 |
MÉDIA | 3 |
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