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Sinopse
Jovem de origem armênia, Aram vive em Marselha nos anos 1980. Ele explode o carro do embaixador turco em Paris e o atentado acaba ferindo um ciclista que passava pelo local. Em fuga, Aram se junta ao Exército Secreto pela Libertação da Armênia em Beirute, o viveiro da revolução internacional naqueles anos.
Crítica
“O genocídio deixou vocês todos loucos”, um personagem diz a outro em determinado momento de Uma História de Loucura, longa de Robert Guédiguian selecionado para o Festival de Cannes 2015. O trágico episódio ao qual ele se refere aconteceu há exatamente um século, quando soldados turcos invadiram povoados armênios e dizimaram famílias e cidades, destruindo, eliminando e violentando tudo que se apresentava no caminho. Segundo registros oficiais, entre 600 mil e 1,8 milhão de pessoas foram mortas, enquanto outras centenas de milhares ficaram sem pátria, nem para onde ir. Este incidente, longe de ter ficado no passado, repercute até hoje nos mais diversos âmbitos, ilustrado de forma precisa nesta obra de elevada pertinência.
Conhecido por uma visão crítica, porém sempre humanista, Guédiguian volta seu olhar agora para um tema que lhe é caro: a relação entre turcos e armênios nos dias de hoje. Para isso, ele volta ao passado, primeiro em 1921, e depois para o início dos anos 1980. No início, ainda em preto e branco, acompanhamos em Berlim o assassinato que deu origem à onda revanchista do povo armênio contra os seus algozes, quando, à sangue frio, Mehmed Talat foi morto em plena luz do dia e na presença de muitas testemunhas por Soghomon Tehlirian que, após julgamento em que expôs suas motivações, foi considerado inocente. A partir de então, atos como esse se multiplicaram por todo o mundo. Até chegarmos à família Alexandrian.
Os Alexandrian são pessoas pacatas que levam uma vida como tantas outras em Marselha, no sul da França. Hovannès (Simon Abkarian, de O Julgamento de Viviane Amsalem, 2014), o patriarca, possui uma mercearia da qual se orgulha nunca ter fechado as portas, nem em “aniversários, batismos ou casamentos”. Sua esposa, Anouch (Ariane Ascaride, esposa de Guédiguian e presente em todos os seus filmes, como o recente O Fio de Ariane, 2014), está sempre ao lado do marido, ao mesmo tempo em que se preocupa com os filhos e cuida da mãe idosa. Estão nestes, no entanto, o perigo que ameaça essa calmaria. A velha guarda ainda o sonho de ver os turcos extintos e, aos poucos, vai incutindo nos netos a ideia de eliminá-los, nem que pra isso seja necessário recorrer à violência extrema. A menina talvez não entenda bem o que lhe é dito como cantiga de ninar, mas o rapaz, mais velho, não tardará a entender seu lugar nessa guerra de décadas.
Aram (Syrus Shahidi, de O Caso SK1, 2014) entra em confronto direto com o pai e abandona a família, partindo para a luta armada. Porém, no primeiro ataque terrorista que participa, ao mesmo tempo em que explode o carro do embaixador turco, acerta também um inocente – o jovem Gilles Teissier (Grégoire Leprince-Ringuet) – que termina numa cadeira de rodas. A partir desse momento a história se divide entre os dois. Um é tomado pela culpa e começa a duvidar o propósito de suas ações. O outro esquece o futuro que tinha pela frente e dedica-se a autocomiseração. Só que uma mãe acaba fazendo a diferença. E quando Anouch, desesperada pelo sumiço do filho, vai atrás de Gilles em busca de perdão, acaba criando uma ponte entre os dois, cujas consequências, tanto para o bem quanto para o mal, serão irreversíveis.
Com muita paciência e habilidade, Robert Guédiguian faz de Uma História de Loucura o seu conto de suas cidades, tendo para isso dois homens ligados por uma guerra secular que ainda hoje encontra eco. A justiça que tais ações promovem é questionada por tudo e todos, levando o próprio espectador a se perguntar o que faria no lugar deles. É a arte de se colocar nos sapatos do outro, de assumir-se como homem falho e dono de uma dimensão na qual cada um é responsável não apenas por si. A insanidade do conflito bélico, que deveria ser o último recurso, parece estar cada vez mais facilitada e, justamente por isso, banalizada. Talvez a loucura atual seja justamente buscar a coragem necessária para dar um fim. A questão, no entanto, é decidir quem tem força suficiente para dar o primeiro passo.
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