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Sinopse

Malena recebe uma ligação que mudará sua vida: o bebê que adotou está prestes a nascer. Ela viaja para buscá-lo e logo se vê chantageada pelos pais biológicos do recém-nascido. Ou paga a quantia de US$ 10 mil ou a criança será enviada para um orfanato. Malena passa a ser atormentada por dilemas morais e legais que a fazem se questionar sobre o quão longe está disposta a ir para obter o que mais deseja.

Crítica

A temática da maternidade, presente em Refugiado (2014), trabalho anterior do cineasta argentino Diego Lerman, rege também a trama de seu novo longa, Uma Espécie de Família. Longa este que se inicia de forma enigmática, acompanhando Malena (Bárbara Lennie), médica que atravessa a noite na estrada, partindo de Buenos Aires para uma pequena cidade do interior ao encontro de Marcela (Yanina Ávila), jovem de origem humilde, prestes a dar à luz. Durante boa parte do primeiro ato, Lerman envolve o espectador em dúvidas, incitando suposições ao entregar o mínimo de informações sobre a personalidade ou as reais motivações de Malena, bem como acerca da natureza de sua relação com Marcela – talvez uma ex-paciente. Uma característica estendida ainda a todas as outras figuras que cruzam o caminho das duas mulheres.

Há, contudo, uma certeza: a de que algo aflige Malena. Sensação que fica clara desde o momento em que a personagem surge em cena pela primeira vez, saindo de seu carro no meio da chuva e ostentando um semblante de hesitação, como se tomasse a decisão final sobre prosseguir ou não com a viagem – o sinal luminoso indicando a bifurcação encontrada logo à frente apenas reforça a sugestão de que seu caminho será feito de uma série de escolhas. A causa de sua aflição só é revelada quando o filho de Marcela nasce, pois é por ele que Malena está lá, com o intuito de adotá-lo, de forma ilegal, dentro de um esquema aparentemente simples, mas que acaba se transformando em uma jornada tortuosa, com ares de pesadelo kafkiano em determinadas passagens.

Tais obstáculos, que se impõem entre Malena e a realização do sonho de ser mãe, parecem colocados por Lerman como símbolos das implicações morais do ato da médica. Algo que, em um país latino-americano majoritariamente católico como a Argentina, carrega uma inevitável parcela de culpa cristã – a cena da “chuva de gafanhotos” é emblemática nesse sentido, representando ao mesmo tempo a punição e o mau presságio. Esse elemento religioso é parte natural do mergulho no interior profundo proposto por Lerman, ambiente no qual Malena se mostra um corpo estranho. Os traços europeus clássicos do rosto da espanhola Lennie estampam o deslocamento da personagem em relação à paisagem e às pessoas que a cercam, e a utilização de atores aparentemente não profissionais para os papéis dos familiares de Marcela, por exemplo, só acentua esse contraste.

É se agarrando a um instinto materno primitivo e reprimido, já em ponto de ebulição – transferido parcialmente aos cuidados com seu gato de estimação – que Malena enfrenta as adversidades. Uma força dominante que se manifesta também em Marcela – a mãe biológica que vive seu próprio dilema, o de entregar a criança em troca de dinheiro para ter melhores condições de criar seus outros filhos – estabelecendo um laço poderoso entre as personagens. No desenrolar dos conflitos, Lerman termina flertando com diferentes gêneros/subgêneros, como o suspense, o filme-denúncia e o drama social, sem, contudo, se apegar de modo mais enfático a algum. Como estudo de personagem, o trabalho do diretor também soa incompleto, já que a opção por apresentar apenas fragmentos de informações – em especial no que diz respeito ao relacionamento com o marido – não permite uma construção mais sólida da figura de Malena.

O próprio registro do argentino reflete essa nebulosidade deliberada que envolve a médica, enquadrada por diversas vezes através do para-brisa embaçado do carro, do espelho retrovisor, do vidro da ala da maternidade, das grades da cela, fazendo com que sua imagem seja apresentada de forma imprecisa, distorcida. Porém, por mais que essas escolhas formais contribuam para transmitir a angústia de Malena, a já citada falta de peso na concepção da personagem é sentida, especialmente no ato final, que traz algumas viradas dramáticas resultantes de atitudes pouco plausíveis – mesmo levando em conta que sejam tomadas em situações de evidente desespero.

Ao final, Lerman faz de Uma Espécie de Família uma história de enfretamento a um sistema que tem suas raízes na desigualdade social. “Não é justo, doutora. Quem tem dinheiro fica com tudo!”, exclama Marcela. Provando que tal afirmação não se aplica a todos os casos, Malena busca, à sua maneira, restabelecer a ordem que lhe parece mais justa e natural. O que leva a um desfecho de visível força reflexiva, mas que, ainda assim, não é suficiente para se impor sobre a sensação de uma ótima oportunidade não plenamente explorada deixada pelo longa como um todo.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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