Uma Batalha Após a Outra

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Sinopse

Em Uma Batalha Após a Outra, Bob, um ex-revolucionário que se afastou do movimento após perdas dolorosas, é forçado a encarar suas memórias e antigos inimigos para salvar sua filha Willa, sequestrada como consequência de seu passado. Mas até que ponto a menina está de fato em perigo, e por qual motivo ela teria sido levada? Thriller.

Crítica

O início é sem aviso, nem antecipação. O plano está em andamento, e a qualquer momento o resultado será percebido por todos. Um grupo de terroristas luta por ideais considerados ingênuos por muitos, irrelevantes por tantos, insuficientes pela maioria. Mas necessários. Em uma sociedade na qual todos parecem estar amortecidos, eles se mostram como aqueles capazes de fazer diferença, dispostos a dar o primeiro passo. Bob (Leonardo DiCaprio) está em movimento, olhos atentos, percebendo qualquer alteração que possa denunciá-los. Ele está na fronteira dos Estados Unidos com o México, preparado para uma ação que possa colocar em liberdade dezenas de imigrantes ilegais aprisionados pelo estado norte-americano. Obviamente, não está sozinho. E nem no comando. À frente, ditando ordens, se encontra Perfídia (Teyana Taylor), de visão afiada e atitudes decididas. Ele e alguns outros miram no resultado prático. Ela, à parte, vai direto até a cabeça de comando. Nesse encontro, a história se ganha rumos irremediáveis. E Uma Batalha Após A Outra se confirma ser mais do que apenas mais um conto de lutas românticas e efeitos mínimos. O que acontece desse ponto em diante fala tanto de um país como do indivíduo. O esforço é diário e constante. E a recompensa, assim como o impacto do que aqui se observa, é incapaz de ser ignorada.

Décimo longa-metragem assinado por Paul Thomas Anderson, cineasta que já acumula onze indicações ao Oscar (ainda sem vitória), Uma Batalha Após a Outra retoma a parceria do realizador com Thomas Pynchon, o mesmo autor do livro que deu origem ao anterior Vício Inerente (2014). Dessa vez, no entanto, PTA usa a obra literária apenas como base, se permitindo elaborar uma narrativa própria e autoral. O que apresenta é um filme operístico, composto por atos distintos e capaz de oferecer reviravoltas até mesmo quando menos se espera. O debate transita sobre injustiças sociais e econômicas, revolucionários perdidos no tempo e supremacistas brancos escondidos por trás de fachadas ilusórias e falsos sorrisos. O que se verifica como elo entre todos estes discursos é um insuspeito triângulo amoroso, tão óbvio quanto absurdo. Perfídia e Bob estão juntos, e assim levam suas vidas, envolvendo pais, amigos e até mesmo uma filha, no modo mais aparentemente normal possível. Porém, desde a interferência deles em terras mexicanas, a rota dela se cruzou com a do coronel Lockjaw (Sean Penn), que se naquela vez chegou a ser subjugado, não tardou em buscar vingança, fazendo do anseio pelo paradeiro da garota uma obsessão. Quando novamente juntos, a raiva é dissipada pelo desejo. E o que não poderia jamais ter acontecido irrompe como um pecado do qual não conseguirão se livrar.

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Eis, no parágrafo anterior, uma descrição um pouco mais elaborada da primeira parte dessa jornada. A segunda se dará dezesseis anos depois, com Perfídia fora de cena e a procura por Willa (Chase Infiniti, vista antes na minissérie Acima de Qualquer Suspeita, 2024) no centro dos eventos: um pai parte ao seu encontro, enquanto outro abandona tudo para comprovar uma suspeita há muito mantida em segredo. Nesse momento, Leonardo DiCaprio rouba as atenções como um irresponsável em fuga, mas com um propósito. Combinando performances já vistas em sua filmografia, indo da comicidade histriônica de O Lobo de Wall Street (2013) à decadência melancólica de Era uma vez em… Hollywood (2019), o ator abandona de vez a imagem de galã para compor um personagem tão patético, quanto admirável. Quem chega perto de oferecer-lhe algum tipo de sombra é Benicio Del Toro em uma participação mais pontual, porém arrebatadora. É como se tivesse tomado um dos personagens que interpretou nas obras de Wes Anderson e tivesse injetado doses extras de adrenalina. Nunca se sabe o que esperar dele em meio a uma calma desesperadora. Ninguém, porém, está mais assustador do que Sean Penn, que faz do desprezível militar que tem em mãos uma figura hipnotizante, revoltante em suas perseguições, compreensível em sua mediocridade e temido pelo alcance dos seus gestos.

É de se lamentar, no entanto, perceber tantos homens no centro dos acontecimentos, quando estes são postos em movimento pelas presenças femininas, tanto quando presentes, mas ainda mais em suas ausências. Regina Hall surpreende em um tipo denso e determinado, assim como a já citada Chase Infiniti se mostra como a maior revelação do projeto. Porém, é quase inevitável a sensação de lamento quando Teyana Taylor é retirada da equação. Tudo é por ela, por causa dela, e em decorrência das decisões que ela levou adiante. Eis, enfim, um filme sobre mulheres, mas conduzido por homens. Essa sensação só não é maior graças ao desfecho, que toma praticamente a meia-hora final da projeção, e durante o qual não apenas o diretor afirma saber bem o que quer, revelando influências de um Steven Spielberg de início de carreira – filmes como Encurralado (1971), Louca Escapada (1974) e até mesmo Tubarão (1975) são citados de forma explícita ou mesmo indiretamente – como também oferece espaço suficiente para o trio remanescente à frente das câmeras dar o melhor de si em busca de qualquer tipo de redenção (aos justos) ou alheios ao peso dos seus gestos (algo que tarda, mas sempre chega). E se o epílogo oferecido ao vilão se confirma desnecessário – apenas reafirma aquilo que todos já sabiam – ao menos Uma Batalha Após a Outra aposta em um conjunto superior, acima de qualquer um dos seus elementos em separado. Um filme que não apenas exige no decorrer de sua história, mas da qual não permite um afastamento imediato, ressoando junto à audiência como algo vivo e transformador.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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