Crítica
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Sinopse
O aterrorizante primeiro dia de uma invasão alienígena. Em função dela, o mundo precisou silenciar. Em meio à invasão de seres sensíveis a qualquer som, uma poetisa e um estudante de direito precisam tentar sobreviver de todas as maneiras.
Crítica
Primeiro longa-metragem da franquia sem a direção de John Krasinski, Um Lugar Silencioso: Dia Um acontece antes dos eventos dos filmes pregressos, ou seja, trata-se de um prelúdio. Tudo começa num dia aparentemente normal em Nova Iorque. A protagonista é Samira (Lupita Nyong'o), poetisa que luta contra um câncer agressivo e potencialmente incurável. Antes de a movimentação dos aviões-caça e dos veículos terrestres militares anunciarem um distúrbio de grandes proporções, o cineasta Michael Sarnoski – o mesmo do ótimo Pig: A Vingança (2019) – chama nossa atenção a essa personagem amargurada pela proximidade do fim. Talvez por não se sentir obrigada a ser gentil às portas da morte, ela lê em voz alta um poema no qual vomita toda a sua insatisfação com o cotidiano numa clínica oncológica. Reclama do cheiro do local, do clima e ataca o comportamento de seus companheiros de angústia. Depois, num passeio por Manhattan, ela é surpreendida pelo ataque de invasores extraterrestres sensíveis ao som. Como quase todos os sobreviventes, passa a vagar por um cenário apocalíptico em que a produção de qualquer som pode significar aniquilação. Bem menos ambiciosa do que seus antecessores, ainda que apresente cenas grandiloquentes de perseguição e destruição, a terceira parte da saga Um Lugar Silencioso é muito mais atenta à ação do que à humanidade de alguém sucumbindo.
Se em tomadas como a do cemitério se interpondo entre a protagonista e Manhattan Michael Sarnoski parece apto a enfatizar a tragédia de Samira, no decorrer de Um Lugar Silencioso: Dia Um esse senso de dramaticidade específico vai sendo subtraído aos poucos. Lupita Nyong'o é excepcional quando há espaço à construção de uma figura humana que luta desesperadamente para sobreviver, deixando evidente a batalha interna da mulher condenada que tenta esconder o desespero da iminente morte por meio de uma atitude impositiva e às vezes dura. Portanto, ela ataca para se defender do próprio sofrimento e da sensação de impotência diante do avanço devastador da doença. Quando a trama assume contornos de terror e ficção científica, a correria imposta pela necessidade de se proteger dos invasores acaba diminuindo a experiência da moribunda Samira encarando tudo aquilo. Decidida a comer pizza num determinado lugar (o motivo é revelado apenas adiante), ela não é muito diferente dos demais moradores obrigados a fazer silêncio quase absoluto e conviver com o pavor. Portanto, o fato de Samira ser doente e estar em estado terminal é pouco explorado em meio à fuga dos alienígenas impiedosos, quando muito servindo para obrigar alguém a buscar seus remédios na farmácia. Não são exploradas as complexidades emocionais inerentes à condenada que tenta desesperadamente seguir vivendo.
A ação é competente, a história tem momentos tensos e, adiante, quando Joseph Quinn entra em cena na pele de um estudante de direito apavorado, Um Lugar Silencioso: Dia Um mostra outras facetas de Samira. Ela é obrigada a estabelecer um laço derradeiro a fim de ajudar o próximo e, em contrapartida, ganhar um pouco de companheirismo antes de sua hora chegar. Eric (Quinn) não é detalhado, sendo apenas o estrangeiro residente nos Estados Unidos em busca de formação profissional por quem o gatinho da protagonista se afeiçoa. O impacto simbólico de toda a jornada para protelar a morte aumenta quando percebemos que tudo aquilo também pode ser lido do ponto de vista metafórico. A partir desse prisma, os monstros seriam uma espécie de manifestação externa do câncer que corrói a protagonista por dentro. Já o percurso de Eric serviria tão e somente para ele se provar digno de substituir Samira como tutor do bichano que passa de maneira corajosa pelo apocalipse. Novamente, é uma pena que Michael Sarnoski não tenha preservado o olhar cuidadoso ao martírio da protagonista, ocasionalmente o retratando como somente outro dos tantos obstáculos impostos aos sobreviventes silenciosos. Então, o resultado é digno como ficção científica de ação, mas frágil como drama interno. No fim das contas, a destruição da cidade encobre um pouco os sofrimentos pessoais e os encobrem.
Um Lugar Silencioso: Dia Um também não radicaliza ao elaborar a atmosfera de terror que envolve personagens se acostumando à novidade desesperadora. Se nos filmes anteriores éramos envolvidos por um clima enervante, no qual o mínimo barulho servia para engatilhar a expectativa de algo terrível prestes a acontecer, aqui essa noção é relativizada em certos momentos – em uns com criatividade, em outros como meras conveniências narrativas. Como exemplo positivo nesse sentido, temos Eric arrombando a porta a pontapés, para isso precisando sincronizar seus movimentos com os trovões que camuflam os sons. Já não é tão esperta assim a sequência envolvendo a breve conversa com as crianças abrigadas embaixo das águas de um chafariz, pois parece, basicamente, uma desculpa para os personagens conseguirem ao menos sussurrar. E o acúmulo dessas exceções convenientes enfraquece o peso de morte atribuído aos ruídos. Voltando à leitura metafórica do filme, a conexão entre Samira e Eric, principalmente a relação de mútuo respeito, carinho e cuidado que ambos estabelecem, cria uma noção de “passagem de bastão”, com a mulher ensinando o caminho das pedras a esse sujeito assustado que tem mais chances do que ela de continuar vivendo. Porém, para isso ser ainda mais consistente, Michael Sarnoski precisaria ter feito alguns ajustes nessa convivência, enfatizando nas entrelinhas o processo de aprendizado semelhante à educação sentimental. O roteiro a cargo do próprio cineasta prefere a isso, muitas vezes, privilegiar a ação e seus efeitos mais imediatos.
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