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Sinopse

O piloto de corridas Jean-Louis Duroc e Anne Gauthier se conhecem visitando seus respectivos filhos num colégio interno. Logo desdobrem ser ambos viúvos e engatam um relacionamento forte, mas atravessado por fantasmas.

Crítica

O cinema está repleto de histórias sobre paixão. Mas o testamento definitivo acerca do amor coube a Um Homem, Uma Mulher. Ao escapar do senso comum e apresentar o sentimento como um ato de engajamento entre adultos, Claude Lelouch construiu de maneira despretensiosa um filme denso a respeito da complexidade das relações amorosas.

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As pessoas são rotas que permitem infinitas possibilidades. E assim deveriam ser os filmes. Bem representado na vaguidão do título, o percurso de Jean-Louis Duroc (Jean-Louis Trintignant, do recente Amor, 2012) e Anne Gauthier (Anouk Aimée) não alardeia obviedades pontuais de como construir um relacionamento. Pelo contrário, prefere tratar a partir da incerteza, dubiedade e esperança – matérias mais universais pois humanas.

Duroc é piloto de corrida prestes a enfrentar o arriscado rally de Monte Carlo. Anne trabalha com cinema. Ambos encontram-se por acaso em um final de semana, quando visitam os respectivos filhos no colégio interno. A presença das crianças sugere um passado de raízes profundas e lacunar. Onde estariam os cônjuges deles? O ontem é uma cortina que o roteiro do parceiro Pierre Uytterhoeven (vencedor do Oscar por esse trabalho) tratará de revelar de forma lenta e dilatada, estratégia propícia ao improviso e comum a boa parte da estética cinematográficas do pós-guerra, como a própria nouvelle vague da qual Lelouch mantém tanta intimidade quanto distância. Após o encontro inicial, percebemos algo acender no olhar de ambos. Mesmo sabendo que poderiam seguir suas vidas sem sobressaltos – talvez pela novidade, talvez pela aventura – Anne e Jean-Louis querem mais. Ou, ainda, como ele conclui em certo momento, “é uma loucura não se permitir ser feliz”.

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Adultos rapidamente transformados em crianças a tatear o novo mundo que se apresenta. Ele investe de maneira determinada e confiante, destreza similar com a qual se arrisca nas curvas mundo afora; ela, moderada e precavida, ainda reticente de experiências mal elaboradas. Em seu desenvolvimento, o filme flui entre presente, passado e imaginação com leveza e segurança exemplares. O relaxamento de um roteiro dedicado à construção de atmosfera permite às imagens uma liberdade fluida e legítima. Ora acompanhamos Duroc nos preparativos da corrida, testando motores, pneus e cronometrando o tempo; ora estamos com Anne nas profundezas de um passado que redimensiona o presente. Diante de personagens marcados interiormente pela força do inevitável, vítimas de suas respectivas tragédias, o tempo assume a cadência da trivialidade. No compasso de quem sabe que não pode exigir pressa da vida, Anne e Duroc se aproximam frase a frase, tendo consciência de que, para estarem juntos, o desnudamento principal deverá iluminar um corpo fosco e irregular – a memória.

Guiada pelas mãos do próprio diretor, a fotografia se soma ao exercício de liberdade das imagens. A câmera na mão permite um deslocamento sem barreiras, recurso que Lelouch aplica com comedimento. A intimidade construída de forma tímida, oscilando entre o singelo e o abrupto, tem no foco suave e no contraste ameno características que possibilitam ao público aproximar-se de forma recíproca dos personagens, respeitando a dinâmica da dupla. Alternando com descompromisso o registro entre cores e preto e branco, sugerindo desapego à linguagem tradicional de identificar passado, presente e futuro como tempos distintos e em sucessão (algo basicamente bergsoniano), o diretor conduz a narrativa visual a fim de evitar sobressaltos emocionais, deixando para interferir tecnicamente apenas quando os movimentos interno e externo se encontram, como na cena do carro durante a corrida, na do casal rodando livre na praia ou na do passeio de barco. O que importa a Lelouch é o movimento dos afetos. Quando o psicológico encontra o sentimental, nestes encontros específicos, espalhados de forma a desestabilizar o fluxo atmosférico do filme, a direção alcança catarses marcantes. Momentos de sublime desprendimento do real que, sem prometer tempo de duração, justificam-se por si próprias, no ínfimo do instante.

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Para além do amor, que nos perseguirá sempre com a face da incerteza, Um Homem, Uma Mulher é um filme sobre coragem. O medo circula em todas as partes, e enfrentar a apreensão de não sobreviver à corrida que exige constante perfeição não é mais digno que o receio de Anne ao enviar o telegrama a Duroc. A valentia não deve ser confundida com coragem moral, ainda que esta possa ser resumida no precipício de uma linha: eu te amo.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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