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Sinopse

Um implacável headhunter corporativo de Chicago está em plena guerra para assumir o controle das contratações de equipe da empresa. Em meio a rivalidade no trabalho, uma tragédia familiar faz com que sua vida pessoal e profissional entrem em conflito.

Crítica

Dane Jensen (Gerard Butler) é o típico workaholic: um headhunter corporativo implacável e inescrupuloso, de fala rápida e boa oratória, capaz de tudo para atingir suas metas, inclusive renunciar aos momentos de privacidade com a esposa, Elise (Gretchen Mol), e seus três filhos. Essa obsessão pelo trabalho aumenta ainda mais quando seu chefe, Ed Blackridge (Willem Dafoe), informa que pretende deixar o comando da empresa, oferecendo o posto ao líder de equipe que obtiver os melhores resultados nos últimos três meses do ano, gerando uma disputa entre Dane e sua colega, Lynn (Alison Brie). Apesar de ser o favorito, uma tragédia particular – seu filho mais velho, Ryan (Max Jenkins), é diagnosticado com leucemia – irá mudar a vida do protagonista deste Um Homem de Família.

Desde a narração em off de Butler, que abre o longa sobre imagens aéreas de Chicago, tratando do ofício de seu personagem – “A forma mais pura de vendedor” – como símbolo do “Sonho Americano”, o diretor estreante Mark Williams se mostra predisposto a abraçar todos os lugares-comuns que cercam esse tipo de personagem, buscando referências em obras como Wall Street: Poder e Cobiça (1987), O Sucesso a Qualquer Preço (1992) e O Lobo de Wall Street (2013). Contudo, essa cena inicial também já evidencia que o trabalho de Williams carece do cinismo preciso de Oliver Stone, dos diálogos afiados de David Mamet e da ironia pulsante de Martin Scorsese. Além disso, aqui, o panorama da perversão corporativa serve apenas como trampolim para uma jornada de redenção extremamente previsível.

Nas reclamações da esposa, nas ligações de celular inoportunas ou nos eventos familiares perdidos, como o Halloween, é possível antever cada passo dessa trajetória, calcada em armadilhas emocionais apelativas, como o gatilho inicial: a doença infantil. A descoberta da leucemia do filho faz com que Dane reavalie seu comportamento, ainda que com considerável atraso, numa metamorfose conduzida sem qualquer sutileza por Williams, buscando a todo custo o choro fácil. Para isso, não são poupados artifícios como o questionamento aleatório da fé/religião – “Pai, você acredita em Deus?”, indaga Ryan subitamente – ou a colocação, totalmente gratuita e fora de contexto, sobre os atentados de 11 de Setembro. Todos esses momentos de ocas epifanias servem para tentar abrandar a figura desprezível, até então, construída para Dane.

Tendo o foco total para si, Butler tenta compor um personagem com alguma dualidade – um lado agradável e charmoso para contrastar com suas atitudes condenáveis. Contudo, seu comportamento é tão abominável, que nem mesmo os diálogos repletos de referências, que se pretendem muito mais sagazes do que realmente são, podem fazer com que o público se relacione ou torça por ele. Pois, diferente do Gordon Gekko, de Michael Douglas, ou do Jordan Belfort, de Leonardo DiCaprio, que emanavam uma vilania genuína ou ainda algo de incredulidade patética, aqui há a tentativa incessante de fazer dele um tipo digno de compaixão, de perdão. Algo difícil de aceitar não só por sua conduta profissional – ludibriando clientes, como o gentil engenheiro vivido por Alfred Molina, ou chegando ao cúmulo de se passar por agente do FBI e acusar um cliente de pedofilia, para que este perca uma vaga – mas, principalmente, no tratamento dado à esposa.

Ao longo da projeção, perde-se a conta das vezes em que Dane diminui Elise, chamando-a de “simples dona de casa”, sem talento ou atribuições dignas de um currículo, reafirmando à força seu posto de macho provedor. Até mesmo a disposição sexual da mulher é questionada pelo marido, numa das sequências mais deslocadas e fora de tom do filme. Mesmo assim, o olhar de Williams sobre Dane é condescendente, já que basta uma simples piada proferida com seu charme irresistível para que Elise releve o ocorrido. Um papel extremamente ingrato para Mol que, assim como todos os outros bons nomes do elenco coadjuvante, é relegada a uma construção desprovida de profundidade, num desperdício de talento e possibilidades dramáticas. Brie aparenta total desinteresse como a concorrente competitiva, que poderia abrir espaço para a discussão da posição feminina no mercado de trabalho, enquanto Dafoe busca injetar o mínimo de humor num personagem raso e caricato.

Os poucos momentos de delicadeza surgem com Alfred Molina em uma participação, infelizmente, limitada, não tendo sua relação com o protagonista, que poderia gerar interesse, suficientemente desenvolvida. O resultado dessa sucessão de obviedades e oportunidades perdidas é um trabalho esterilizado, dirigido sem qualquer traço de personalidade, cujo um dos raros méritos é a valorização estética da arquitetura de Chicago – fruto do interesse de Ryan. Esse acerto, porém, não encobre a aura manipuladora da narrativa, que não se envergonha de enganar o espectador – como na ação do personagem de Dafoe, já próxima ao desfecho, que serve apenas para gerar uma nova, e forçada, reviravolta redentora – nem ameniza as falhas de caráter do protagonista desta jornada incapaz de emocionar verdadeiramente. Em determinado momento, Elise se lembra de um diálogo do início de seu namoro com Dane, que é replicado no plano final: “Eu disse: Eu te amo. E você respondeu: E como não amar?”. Bem, há inúmeros motivos para não amar Dane, tantos quanto os que fazem de Um Homem de Família um drama tão artificial.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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