Crítica


7

Leitores


5 votos 8.8

Onde Assistir

Sinopse

Cinco pessoas viajam num motorhome. Em determinada parte do trajeto, acabam sofrendo um acidente ao desviar de um animal morto na estrada. Quando acordam, estão num lugar desconhecido.

Crítica

Para os fãs dos filmes de terror, esta produção italiana tende a ser especialmente intrigante. Não apenas pelas "migalhas de pão" deixadas ao longo da trama e que nos conduzem habilmente ao desfecho intenso, mas principalmente porque logo é evidente a utilização consciente de engrenagens, cenários e caminhos facilmente identificáveis. Do lettering que traz o título autoexplicativo, Um Clássico Filme de Terror, à apresentação dos personagens, tudo atende ao desejo escancarado de homenagear o gênero. Boa parte do interesse gerado está na maneira como os diretores Roberto De Feo e Paolo Strippoli utilizam essa compreensão prévia de regras e elementos consolidados historicamente ao seu favor. Poderia ser uma simples cópia respeitosa, uma demonstração exibicionista de conhecimento do cânone (conjunto de padrões que rege um modelo). Felizmente, se vai além. Os famigerados clichês são trabalhados como peças essenciais de um processo afetivo que tem como objetivo o deleite dos apreciadores das narrativas repletas de suspense, pavor e sanguinolência. Depois do plano sintomático da mulher sendo massacrada pela criatura agressiva de natureza indefinida, corta-se para o grupo de desconhecidos que viajam juntos por conta de um aplicativo de carona. Essa simples sucessão de tomadas acende um alerta: talvez a excursão não acabe bem. O diagnóstico é potencializado pela reunião de estranhos. O efeito é calculado como consequência da bagagem do público.

O que vemos nos primeiro e segundo terços de Um Clássico Filme de Terror é um acúmulo intencional de lugares-comuns abundantes nas histórias de terror. Além do casarão amedrontador situado no meio do nada (ponto para a cenografia), o nerd que revela os companheiros de jornada; o casal do exterior, quase alheio ao ambiente no qual tudo acontece; o sujeito de poucas palavras que provavelmente guarda segredos; e, por fim, a personagem principal atravessada por um dilema moral de proporções angustiantes. A câmera faz questão de sublinhar bastante cada uma dessas características, assim ressaltando que aquela gente é parecida com a de tantos e famosos filmes anteriores. É evidente o tributo prestado especialmente aos exemplares norte-americanos dos anos 1980. Os cineastas brincam com os códigos do slasher, adiante incluindo no molho saboroso os tipificados white trash – forma pejorativa de se referir a pessoas brancas de baixo estatuto social, sobretudo camponeses e lavradores –, lendas pagãs que alimentam fanatismo, vilões improváveis, sacrifícios de “inocentes” e cabeças de animais anunciando que há algo de muito bizarro naquele fim de mundo. E a protagonista, Elisa (Matilda Anna Ingrid Lutz), precisa tomar uma decisão que coloca em crise seus valores cristãos. O ameaçador plano zoon in da imagem do santo que parece julgá-la é suficiente para entender a ideia.

Para consolidar esse louvor às obras de terror, Um Clássico Filme de Terror não torna tudo necessariamente previsível, investindo paralelamente no desenho de uma atmosfera também convidativa ao enigma. Por um lado, o filme respeita e celebra as convenções, como ao emprestar de inúmeras realizações pregressas a evolução da inquietação que toma conta dos personagens deparados com o inexplicável. Por outro, ele estrategicamente deixa algumas pontas soltas, cuja função é evitar que o espectador consiga ter uma imagem clara do panorama geral. Dessa forma, são estimuladas simultaneamente sensações de conforto e desconforto. Indício disso, o fato de percebemos desde o começo que a protagonista provavelmente será a única dos companheiros a sobreviver ao banho de sangue. Mas, é preservada durante um bom tempo a dúvida a respeito de quem está provocando a situação tétrica. Mesmo quando enxergamos os homens grotescos com máscaras feitas de casca de árvore, persiste a ignorância quanto a origem deles. Seres sobrenaturais? Sujeitos comuns utilizando vestimentas ritualísticas para adorar entidades imaginárias? Consequência da veneração exacerbada que não encontra limites nas estruturas éticas e morais da sociedade convencional? Aos poucos surgem indícios do que seria a tal verdade. Quando ela se revela completamente, o resultado é vacilante.

Ao esclarecer os contornos do truque, Um Clássico Filme de Terror propõe uma não menos rica ponderação sobre meandros da narrativa cinematográfica, especificamente as servidoras do horror. Também há uma discussão acerca dos limites para atingir resultados dramáticos. São provocativas (embora insuficientes) as falas que defendem as emoções reais para dar intensidade aos filmes. O algoz determinado a tudo para contemplar as demandas do mercado é uma figura sintomática. Caricatura da geração disposta a ultrapassar limites (do bom senso, do ridículo, os humanos, etc.) para sobressair num ambiente que transforma sucessivas tendências em obsessões, ele alimenta o teor crítico. Leve, não desenvolvido como poderia, mas ainda assim crítico. No exato ponto em que o cinema reivindica agressivamente o protagonismo, Roberto De Feo e Paolo Strippoli não fortalecem a ideia da metalinguagem como um buraco negro que absorve e dá significado a tudo. Eles evitam que a protagonista consiga violar a hegemonia da representação, mas tampouco oferecerem um argumento para a atitude de registrar à posteridade os contragolpes brutais da oprimida. Dessa maneira, os cineastas continuam mostrando cada gesto como característico do filme dentro do filme, transformando a vítima numa agressora simplesmente incapaz de conter a vontade mórbida de matar diante da câmera.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
avatar

Últimos artigos deMarcelo Müller (Ver Tudo)

Grade crítica

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *