Crítica


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Sinopse

Uma aeronave nigeriana começa a passar por dificuldades em pleno voo. Subitamente, a fumaça toma conta do espaço fechado e o piloto perde controle do avião. Começa uma luta de vida ou morte para efetuar o pouso forçado e salvar a vida de todos.

Crítica

Algum pesquisador do audiovisual deveria investigar – caso já não haja pessoas debruçadas sobre isso – o impacto da linguagem do YouTube e dos algoritmos de visualização de vídeos sobre o cinema contemporâneo. Último Voo para Abuja (2012) se abre com um teaser do próprio filme, ou seja, um compilado de cerca de dois minutos apresentando trechos do acidente aéreo que virá mais tarde. Para reter a atenção do espectador, garante-se a recompensa a quem esperar pacientemente. É curiosa a estratégia de vender o filme para quem já o está acompanhando, mas talvez o medo pelo desinteresse (dentro de uma narrativa de apenas 75 minutos) e pelo abandono da sessão faça com que a montagem opte pela ferramenta de marketing interna ao produto. Um narrador com voz solene avisa que acidentes aéreos acontecem “o tempo todo” (um alerta sensacionalista, mas passemos) antes de explicar que “este é mais um deles”. Enquanto algumas ficções prometem liberar a tensão no aguardado clímax – pela trilha sonora, pelo encaminhamento dos fatos, pelo material de divulgação -, o filme nigeriano vai além e revela um pouco do que pretende repetir depois. Não se trata portanto do prazer da surpresa, e sim de encontrar o teor prometido de antemão.

O diretor Obi Emelonye busca emular da melhor maneira possível os códigos do cinema-catástrofe norte-americano. Para uma produção local, o orçamento de US$320 mil parece considerável, porém está longe de oferecer ferramentas suficientes para reproduzir os moldes desejados. Ao invés de adaptar o filme aos recursos disponíveis, o cineasta mira longe e recria uma catástrofe aérea, com direito a aviões destroçados, pânico a bordo, perda súbita de altitude etc. As regras deste tipo de cinema são cumpridas à risca: existe a cena de pânico na cabine do piloto, o desespero dos passageiros rezando para Deus, os pilotos tomando decisões arriscadas para salvar toda a tripulação. Ao mirar numa forma de espetáculo dependente dos efeitos visuais e do refinamento de pós-produção, o resultado acaba por reforçar suas deficiências. O uso do chroma key para as cenas na cabine é amador, os efeitos visuais para as imagens externas ao avião revelam-se artificiais, e os recursos para o pouso forçado trazem cenários tão falsos que se assemelham a um videogame de baixa qualidade. A adaptação do formato grandiloquente ao orçamento restrito poderia ser vencida com astúcia de linguagem (sugestão do medo através de sons, ou imagens fora de quadro), porém o diretor não se contenta com sugestões: ele busca o prazer imediato da fumaça, do incêndio, das pessoas gritando.

Para conferir dinamismo às sequências, o diretor de fotografia James M. Costello e o montador Ben Nugent apostam num estilo nervoso, frenético, com a câmera no ombro saltando de um rosto ao outro, efetuando zooms constantes entre os personagens, ajustando o enquadramento durante o plano. O efeito incomoda mais do que impressiona, transmitindo falta de foco, ou ainda a busca utópica por onipresença. Quando o pânico se instaura, a imagem busca estar ao mesmo tempo na cabine e entre os passageiros, no rosto de cada personagem e nas imagens do grupo. A montagem fragmenta mesmo as cenas simples de modo inacreditável: o flerte de um passageiro com a colega, ambos posicionados lado a lado, é representado através de sete planos diferentes. A entrega de passaportes no aeroporto ganha uma dezena de enquadramentos, todos muito parecidos, em provável tentativa de imprimir agilidade pela multiplicação de cortes. Resta a curiosa impressão que, ao invés de escolher o melhor plano, Nugent colou todas as opções. A provável referência para o cineasta seria o trabalho de Paul Greengrass, cujo estilo tenso de cinematografia tem sido parodiado ou referenciado com frequência. No entanto, é preciso possuir imenso controle narrativo para dominar esta linguagem sem saturá-la. Greengrass se sai muito bem na velocidade e multiplicidade de pontos de vista. Para o cineasta nigeriano, no entanto, a sobreposição de ângulos equivalentes soa como afetação e vaidade.

Em paralelo, Último Voo para Abuja demonstra curioso interesse em restringir os conflitos humanos à esfera dos relacionamentos amorosos – e matrimoniais em particular. Todos os homens são adúlteros, todas as mulheres lamentam a dificuldade de encontrar um companheiro fiel. Eles são empresários e conquistadores; elas, esposas ou amantes (às vezes ambos). Na tentativa de apresentar um pouco da vida dos principais personagens antes de chegarem ao avião, o roteiro condiciona cada fragmento de vivência à sua briga matrimonial: uma esposa descobre a traição do marido; o outro, casado, assedia a secretária; um terceiro “resiste” aos flertes da comissária de bordo; um quarto é retido em casa pela esposa ciumenta. Não há percepção da sociedade para além da vida doméstica. Na provável tentativa de transformar o suspense em um gênero afetuoso, de fácil identificação, o cineasta recheia a narrativa com romances acessórios. Por avisar desde o começo que os personagens correrão risco de morte, a narrativa se dedica aos jogos do destino, sublinhando o caso do sujeito que não consegue pegar o voo a tempo, em paralelo com outra que compra uma passagem de última hora.

Quando enfim chegamos ao desastre aéreo, reservado ao terço final, as limitações do filme se tornam involuntariamente cômicas. Treme-se demais a câmera dentro de um cenário visivelmente estático, trabalha-se com luzes inverossímeis no horizonte. Quebra-se o eixo, o ritmo e rompe-se com a lógica. Mas talvez seja interessante retirar o foco do avião em si, visto que a narrativa passa mais tempo fora do espaço aéreo. Costuma se dizer que um bom cineasta pode ser percebido pela maneira como filma refeições à mesa. A disposição dos personagens, uns em frente aos outros, dificulta a composição e as movimentações. Ora, uma cena de reunião de negócios revela graves dificuldades do cineasta nigeriano em filmar conversas em torno de uma mesa. A câmera então levita aos céus, flutua de um lado para o outro, faz inúmeros inserts dos objetos, das mãos e dos rostos. Podemos esquecer os momentos mais exigentes em termos de efeitos visuais: a mise en scène decepciona nos encontros cotidianos entre marido e mulher, nas conversas entre colegas de trabalho. É louvável descobrir uma cinematografia ambiciosa, investindo em gêneros tão onerosos quanto o cinema-catástrofe (pensa bem: quantos suspenses brasileiros sobre desastres aéreos você já viu?). No entanto, na ausência de soluções criativas para as dificuldades de produção, as falhas falam muito mais alto do que as boas intenções.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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