Crítica


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Sinopse

O cenário musical das ruas de São Paulo. Diversos artistas, vozes, ritmos, vertentes e uma sintomática forma de enxergar as coisas numa cidade que não para.

Crítica

Quem já andou pela Avenida Paulista, em São Paulo, seja em meio ao movimento acelerado e incessante durante os dias úteis ou aos domingos, quando a via é fechada para a circulação de veículos e liberada aos pedestres durante boa parte do dia, já se deparou com o grande número de artistas de rua que se apresentam no local. Tal movimento não é novidade em grandes metrópoles, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, mas parece ter se intensificado na capital paulista nos últimos anos, tornando-se uma imagem corriqueira, e atraindo cada vez mais o interesse do público. É nesse universo do “palco aberto” que os diretores Edu e Gab Felistoque mergulham no documentário Trilha Sonora da Cidade, partindo dos depoimentos de vários artistas que levam seu trabalho às ruas de São Paulo para tratar da tomada do espaço público pela sociedade por meio da cultura.

Visitando não apenas a Av. Paulista, mas também outros pontos importantes da cidade, conhecidos como centros de efervescência cultural, como a Praça Roosevelt, ou ainda locais periféricos fora deste eixo, como a comunidade de Paraisópolis, a dupla de cineastas acompanha o cotidiano de seus entrevistados, músicos de diversas vertentes, da MPB ao jazz, passando pela música regional, celta e mesmo artistas performáticos. Todos esses carregam em comum a escolha da arte como meio de vida e da rua como vitrine principal para a divulgação de seu trabalho. Praticamente todo o longa se concentra nos depoimentos e nas apresentações desses personagens, algo que, se por um lado expõe o trabalho e transmite com clareza suas visões particulares sobre a arte e outros temas, por outro, acaba limitando uma percepção mais profunda e sensorial desta integração quase orgânica entre a arte e o ambiente urbano. Uma noção tão exaltada pelos músicos.

Entre relatos de suas trajetórias pessoais, os artistas dividem um discurso entusiasta sobre seus próprios papéis na importante missão de levar a arte à população de maneira natural, sem as barreiras sociais e financeiras dos ingressos a preços elevados, por exemplo. Como um deles coloca, seu trabalho é parte de uma tentativa de desverticalização da arte, tirando o artista de uma posição intocável, do pedestal criado pelo palco, para colocá-lo no mesmo “nível” do público, permitindo uma aproximação, uma conexão mais intensa. Essa concepção, contudo, fica mais no campo discursivo do que no das sensações, já que os Felistoque registram tudo, das entrevistas às performances, de forma extremamente trivial. Mesmo com os artistas inseridos na paisagem urbana, esta raramente deixa se sentir como tal: uma paisagem, um pano de fundo. O registro carece de um olhar mais atento aos detalhes, que seja capaz de revelar e transmitir como cidade e artistas se absorvem mutuamente.

Salvo raros relances das reações do público ou de detalhes da arquitetura e do cenário local, o foco dos diretores está sempre na figura dos artistas, o que, ironicamente, parece mais isolá-los do que mostrá-los como parte do meio. Há alguns relances dessa assimilação artista-cidade, como quando o som dos alto-falantes do metrô se confunde com a música tocada pelo grupo dentro do vagão, mas que quase se perdem dentro do conjunto, e, de modo geral, a realização se mostra pouco inventiva na utilização de suas ferramentas – fotografia, montagem, etc. – para transmitir o sentimento pulsante dessa relação entre o artista e a rua. Não que a narrativa não seja agradável, trazendo relatos de episódios divertidos vividos pelos entrevistados ou mesmo reflexões interessantes acerca das engrenagens da indústria musical ou do papel do artista na sociedade. Porém, o olhar dos cineastas acaba sendo limitador, deixando de fora outros componentes dessa relação, especialmente o público.

Fora a intervenção espontânea e inesperada de uma pedestre que aborda uma das cantoras entrevistadas para elogiar seu trabalho, os espectadores não têm voz em Trilha Sonora da Cidade. Assim como também não ouvimos o lado de produtores, agitadores culturais ou mesmo do poder público, para abordar a questão das políticas públicas de incentivo à cultura, por exemplo. Quando tenta tocar no assunto político, por sinal, os diretores o fazem abruptamente e por um viés que soa bastante aleatório e deslocado dentro do todo – quando, sem motivo aparente, questionam alguns dos artistas sobre suas ideologias políticas. Assim, ainda que pareça munido das melhores intenções e acabe servindo como uma boa plataforma de divulgação para os músicos protagonistas, todas irregularidades apontadas, bem como o sentimento de possibilidades perdidas, fazem com que o trabalho dos Felistoque resulte apenas superficial como panorama da ebulição da arte de rua.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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