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Sinopse

Depois de se encontrar numa boate e estabelecer conexão durante uma dança, Theo e Hugo saem pelas ruas de Paris onde vão descobrir do que são feitos os caminhos e as desventuras do amor.

Crítica

São notáveis as relações de política do corpo e intimidade dos personagens entre algumas produções atuais que abordam a temática gay, trans, lésbica ou, como preferível e para sermos ainda mais inclusivos, queer. A exploração de um universo de intimidade e cumplicidade ocorreu recentemente em filmes como Shortbus (2005), Weekend (2011) e Deixe a Luz Acesa (2012). Personagens iniciam uma relação amorosa e o cineasta tende a entregá-la ao público da forma mais realista e próxima possível, uma história que em muito reflete as complexas interações do universo gay. Théo & Hugo (2016), exibido no Festival de Berlim e laureado com o prêmio Teddy Bear pelo júri popular, reforça o estilo apresentado nas três produções que o antecedem com um enredo que se passa, quase em tempo real, em uma madrugada na vida dos personagens-título.

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A dupla de realizadores – e também ex-maridos – Olivier Ducastel e Jacques Martineau (A Família de Félix, 2000) propõe uma história de amor à primeira vista, mas com nuances e uma profundidade exemplar. Existe um conceito temporal que fortalece a narrativa, muito bem emprestado dos filmes de Richard Linklater – e utilizados por Andrew Haigh no citado Weekend – mas isso é somente o que envelopa a história que os dois cineastas pretendem contar. Théo (Geoffrey Couët, do recente Um Amor à Altura, 2016) e Hugo (François Nambot, de Sexo, Amor e Terapia, 2014) se conhecem em um clube de orgia, em uma sequência que muito lembra algumas realizações de Gaspar Noé, porém com uma delicadeza maior nas imagens. A intensidade do contato e dos corpos é magnética, e os diretores usam e abusam de recursos especiais para fazer notar o impacto dessa relação. Após uma abertura de quase 20 minutos de cenas belíssimas e explícitas de sexo, somos apresentados de forma mais apropriada aos personagens e um tom romântico parece se instalar, mas logo é interrompido. A intensidade da paixão instantânea de Théo por Hugo o fez esquecer de usar camisinha. Hugo é soropositivo para o vírus HIV. É como um balde de água fria e algo completamente inesperado para o quadro que se desenhava na história.

A partir deste momento, a noite romântica ganha contornos pouco visitados no cinema gay recente. De importância quase informativa, Hugo explica para Théo que é indetectável (fez a supressão do vírus HIV), mas é necessário imediatamente ir a um centro especializado e iniciar um tratamento que combata a possibilidade de instalação do vírus em seu organismo. Uma tensão se instala na narrativa após esse baque. Como poderia coabitar o romance com um situação dessas? Fica no ar, enquanto acompanhamos a jornada da dupla pela noite, se ficarão mesmo juntos e a dúvida de como agir diante esta realidade. É quando Ducastel e Martineau apresentam de forma didática todo o passo-a-passo e retratam de forma muito natural e necessária a realidade de um protagonista soropositivo. Tal característica, afinal, é pouco apresentada no cinema queer em geral, aquele que se contaminou após a epidemia do final dos anos 1980 que assolou a comunidade gay. Agora, um tratamento acessível está ao alcance de qualquer um, e a expectativa de vida de alguém nesta condição e a de uma pessoa que não possui o vírus HIV é praticamente a mesma. Mesmo assim, o filme alerta para a prevenção e é arrojado em sua abordagem, explorando muitíssimo bem o carisma das performances de Nambot e Couët.

Passado o didatismo de Hugo ao acompanhar Théo ao pronto-atendimento, o casal se vê obrigado a se conhecer ou, ao menos, o que for possível nessa madrugada em que caminham pelas ruas de Paris – a terceira protagonista da trama. Eles tentam compreender mais do que a expressão, que é usada como título original em francês do filme, “estar no mesmo barco” realmente significa para aquele momento. É bem mais do que dividir a possibilidade fatídica de possuírem a mesma doença viral, mas de compartilhar a paixão que os consumiu quando se conheceram. Aliás, o título original faz uma homenagem ao filme de Jacques Rivette, Céline e Julie Vão de Barco (1974), que também explora sua história pelas ruas de Paris.

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Com dúvidas compreensíveis, os dois irão explorar a paixão avassaladora e suas consequências, a perspectiva dos dias repletos de incertezas que estão por vir com o fantasma obscuro da doença, que, aos poucos, se dissipa. Sem romantizar as problemáticas que envolvem o contágio por HIV/AIDS, os diretores fazem um trabalho exemplar também por não dramatizar de forma demonizadora ou depreciativa. Dão a dignidade necessária ao personagem de Hugo. Mesmo que os diálogos não sejam, em alguns momentos, dos mais inspirados e pareçam até exageradamente poéticos. Ainda é saudável constatar a falta de moralismo e preconceitos que a narrativa apresenta. Muito necessário para uma geração que precisa ser conscientizada constantemente a respeito da prevenção sem barreiras. Essa viagem pela madrugada aos poucos vai se transformando e ajudando os personagens a equilibrarem suas intenções e retornar ao ponto de partida de tudo: a intensidade dos corpos, a necessidade do afeto e a cumplicidade instantânea, sem esquecer da importância em falar abertamente e sem preconceitos a respeito de assuntos caros à comunidade gay.

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é graduado em Cinema e Animação pela Universidade Federal de Pelotas (RS) e mestrando em Estudos de Arte pela Universidade do Porto, em Portugal.
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